Ao jeito de quem gosta, o caminho faz-se a caminhar ou Nas esferas do teatro e da liberdade
Era uma vez, há muitos anos, um ser da cultura que criava por aqui em Queluz, Massamá e Monte Abraão – e por ali, Tondela, Porto, Coimbra, Moçambique – encontrava outros seres e misturava águas, mágoas, alegrias e projectos.
Este 1.º FINCA-TE, este risco tão arriscado, nasce de todas estas pessoas que encheram este lençol de água que, agora, em 7 dias e 7 noites de 2003, vai desaguar na cidade de Queluz.
Já desaguou. Ainda corre o caudal, até amanhã, sábado dia 11. E aconselho-vos eu, icem âncoras, façam-se ao estuário de referências, influências, liberdades, cumplicidades e felicidades que alaga o aparentemente inócuo pavilhão da Teatroesfera, ironicamente arrumado por detrás do McDonald’s de Queluz-Massamá. Não se deixem assustar pelo IC19 nem pelas pontes que caem. Neste país está tudo a cair e se não for a ponte há-de ser um tijolo - ou um ministro - que tombe de um qualquer castanheiro e lhes acerte em cheio numa têmpora. Mais uma razão para agradecer do fundo do coração a quem dedica a sua vida a construir e a solidificar públicos de teatro, entregando generosamente a sua arte e a sua alegria de viver e de criar a todos os que recusam ser encerrados nas exíguas caixas pretas que nos deixam sem ar e sem saída - fora delas dizem-nos que somos ninguém, dentro delas deixamos de saber quem somos. Mas a Teatroesfera sabe quem é. Ainda bem para nós.
Ontem estrearam o seu primeiro espectáculo de café-teatro, Anónimos, a partir de três espectáculos que marcaram a sua história como companhia e o seu público – Malaquias, ou a história de um homem barbaramente agredido, Caixa Preta e O Erro Humano, cruzando, principalmente, textos deliciosamente subversivos, politicamente apolíticos e desencantadamente esperançosos de Teresa Faria e José Carretas.
Cinco pessoas generosas, cinco actores absurdamente sérios no seu trabalho. Emanuel Arada, Paula Sousa, Paulo B., Paulo Oom e Teresa Faria (ai Mité, custa tanto dar-te um nome “tão sério”…), não fazem do seu objectivo principal um lugar ao sol no jet-set ou nas telenovelas, nem estiveram no Big Brother Famosos, até porque, sejamos francos, quem é que os conhece? Mas entregam-nos muito mais de si do que se pudéssemos vê-los na casa-de-banho. Há coisas infinitamente mais pessoais do que lavar os dentes frente a uma câmara.
Não foi espectáculo único, vai acontecer aos sábados em Novembro. E já agora não percam os Galináceos, que há-de estrear no fim deste mês. Mexam-se, procurem, forcem as tampas das vossas caixas pretas. Se não o fizerem só não se arrependerão porque se manterão na ignorância… É uma escolha, como tudo.