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sábado, fevereiro 21, 2004

Névoa

V
Um homem dorme à porta de sua casa, do outro lado da rua. As mantas que o cobrem, enquanto r. fuma à janela, protegem-no do frio que o seu tecto expulsa, protegem-no das cinzas que r. lança ao vento como se de uma oferenda se tratasse. Como se o homem prostrado dormisse no altar das suas fés, ícone de braços caídos ao qual presta culto e cuja benção recebe. Nada poderia ser mais a despropósito do que prestar culto a um homem cuja história não conhece, não para além de algumas regras básicas do seu quotidiano. A cama de mantas e cartão tem a cabeceira orientada para norte, com reduzida margem de erro pode dizer-se que abrangerá os dois nortes e os chineses dizem que dormir com a cabeça para norte previne as insónias, talvez por isso se deite o homem tão cedo, sempre mais cedo do que quem o observa.

Enquanto fuma r. tem perto de si um pequeno animal em aflição, sente que r. vai tombar e inquieta-se em gemidos de bicho doméstico que não conhece o mato mas que o pressente no seu instinto desperto. A sua brancura não tem nada de puro, tem as manchas de toda uma evolução, e vive sem saber por que razão, vive sob um tecto mas sem ele viveria, tal como o cristo deitado sob as arcadas e sob a vigilância atenta dos gabinetes que se constroem sobre o seu templo, gabinetes vazios de executivos, a esta hora já cada um estará sob o seu próprio tecto.

Tê-lo-á conseguido um dia, o objecto recostado da sua privada liturgia? Saberá ele o que é estar sob o seu próprio tecto, cozinhar a sua própria sopa para o almoço e para o jantar, longe das filas, longe da mais completa miséria? E pensará r. que as suas próprias misérias matam tanto como as dele? Talvez não. Mas o que se pensa pode estar quase intangivelmente distante do que se sente, e mente quem diz o contrário.

Sente-se viver, quando chora, mas apenas porque sente que está a morrer, pode até ser apenas uma daquelas mortes quotidianas, aquelas que quase inevitavelmente anunciam um renascimento, mas essa diferença em essência não se lê na sua violência. Logo r., que tanto deseja morrer durante o sono, haveria de ser tão consciente de todas as suas mortes e da sua crueldade, haveria de viver cada uma sonhando-a a última e sabendo-a novamente a primeira. E haveria de se julgar como a outro julgaria por se deixar morrer pequeno, triste e cansado e não na glória da antevisão da reencarnação. Quem nestes fenómenos incorpóreos gostaria de acreditar e não consegue deixa-se facilmente enredar por estes simbolismos quotidianos sem perceber como a morte se espalha assim tão antes do tempo. E quando finalmente percebe parece sempre tarde demais, tarde demais para quem já não consegue apenas viver. Mas julgar é sempre possível. E a morte, essa consegue sempre tornar-se ainda mais dura, dolorosa e prolongada do que a vida, pois se quando é a vida que nos parece demasiado dura, dolorosa e prolongada não é mais do que morte que se insinua por ela adentro. Não é mais do que um vulgar terror, como aqueles que todos já vimos nos filmes ou que ouvimos em relatos sinistros ou, caso felizmente mais raro, passámos, o terror petrificante de nos sabermos inevitavelmente perdidos, pois nada no nosso percurso alguma vez conseguirá modificar a meta. Se a bigorna ou o piano tombam sobre a cabeça do desenho animado este não se moverá, abrirá boca e olhos num inestético esgar, libertará algum som gutural ou outro mais estridente, daqueles ditos irritantes, enervantes, fura-tímpanos, deselegantes, desagradáveis, enfim, um grito, um berro. Mas mexer-se? Fugir? Escapar? Correr? Não. Paralisia total. E assim cai a morte, todos os dias, em tantas cabeças que se mantêm à espera de uma mão amiga do Isaac Newton.

Assim cai a morte na cabeça de r. sem que r. se mova. Assim cai a morte na cabeça de ambos. E eis que a névoa ganha um nome, um nome possível.



Sem final feliz.