Para P.
Aqui estou, novamente. Outro quarto, outra ala, já poucas me falta conhecer. Escolhi a vida que levo, que outra vida poderia querer quem sempre sonhou ser saltimbanco, jogral de filosofias, actor de palco pela vida fora? Tenho duas casas. A minha casa é verdade. Sobre a outra, a casa do mundo, sinto-me pairando, nunca ficando. E no entanto sei que a minha casa não é minha, só tudo o resto me pertence. O resto onde sinto que não fico.
Na minha casa estás tu. A minha casa é nossa. Mas a nossa casa não é nossa. Só o resto. Por isso pairo sobre esta cama, frente a esta janela com vista para uma janela com vista para esta janela. Porque à janela tu não estás e a cama não tem nem terá o teu cheiro e na ausência do teu cheiro se esvai a realidade destes lençóis. E no entanto dormirei. Ou pairarei sobre o sono, noutra noite sem a cadência do teu coração.
E a possibilidade da vida pairante é sorridente e leve, assim como as memórias que guardo dela. Simpáticas, posso dizê-lo. E sabê-las presentes dentro de mim é tudo aquilo de que este tronco precisa para saber que pode aguentar o risco de contigo querer partilhar raízes e solo.
Pairarei sobre o sono. Sem a cadência do teu coração.