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sábado, maio 08, 2004

Gabriel VII

Olho pela janela para me esquecer de mim, se Gabriel me esqueceu para quê sentir-me, e olho e procuro água, mas as traidoras luzes do interior da carruagem só me permitem ver o reflexo, o meu próprio rosto sobre um manto negro e algumas luzes difusas para lá do rio, um mar de luzes para lá do rio que aqui já é quase mar. E uma luz mais forte, alguns homens que por aqui trabalham aquecem-se na rua em redor de um barril em chamas, uma imagem bela, e são estes os mesmos homens que incomodam e agridem com piropos rasteiros quando por eles passam as mulheres, trabalham na ferrovia, nos carris. De volta aos comboios, como no texto de Louise, repetido, repetido, repetitivo, não escrevia bem, Reed não chegou a ter coragem para lho dizer, mas what a heartbreaker you are, Louise, palavras de O’Neill, que a arrebatara ao melhor amigo ou assim pensava, que quebra-corações ela era. Reed temia perder Louise e por isso fugiu para uma vida onde ela não tinha lugar, para uma Rússia em convulsão. Qual será a rússia de Gabriel, Gabriel que tanto medo tem de me perder que me rejeita, a minha rússia é o próprio Gabriel, cada um foge à sua maneira, eu para a frente, Gabriel para trás.

E como Gabriel me prende. Paro para pensar, não sou eu, é ridículo, uma situação ridícula, muito falamos quando pensamos que nos conhecemos, que sabemos quem somos, que somos livres e imperturbáveis, que nós somos nós, que eu sou eu e eu sou um só e se sou um só por que me deixa Gabriel tão violentamente mutilada por dentro, mas talvez tudo isto faça sentido, pois só pode prender-se quem é livre, quem o não é não toma nunca consciência do seu carcereiro. E odeio Gabriel por estupidamente me cortar as asas, lá porque lhe cortaram as suas, que culpa tenho eu, odeio-o por me fazer odiar a minha liberdade, menosprezá-la como se de nada me servisse, como se em nada me marcasse, em nada me definisse. É imenso o poder de Gabriel e ele usa-o com uma crueldade imensa e uma imensa injustiça. A minha vida nas mãos de Gabriel, contra a minha vontade e contra a sua. E por isto me odeia Gabriel.

A vida dá todas as voltas e também a mente roda sobre si mesma e sobre as referências que a enchem, reais e imaginadas, vividas, seja como for, e os clichés literários perseguem-nos sempre, o amor e o ódio sempre entrelaçados, pergunto-me onde começa um e termina o outro, delimitar fronteiras nunca foi o meu forte, sem dúvida que não é também o de Gabriel. Compreender o que é inevitável e o que nós tornamos inevitável, Muss es sein? Es muss sein! Es muss sein!, tem de ser, tem de ser, será o opus 135, acho, tanto humor no tratamento de uma pergunta tão pesada, prova de que o que parece filosófico e poético rapidamente se torna anedótico quando contextualizado, qualquer drama sempre à beira da farsa. Todos já o experimentámos, mais do que uma vez, numa palavra, numa rotina, num livro, num rosto que fascinava e cujos contornos se alteram tão acentuadamente na convivência e no reconhecimento. Será inevitável que aconteça, será esse o nosso medo quando o encantamento toma conta de tudo, medo de que fuja, medo de que se quebre, medo de que se desfigure, partir para amar, para amar sempre, claramente não compreendemos que qualquer acto ou substância, seja a sua natureza qual for, pode actuar como um veneno e tentamos defender o que achamos que a vida nos deu de mais belo, um amor ou um filho, um lugar, uma palavra ou um talento, substâncias diferentes, venenos idênticos. Pronto, chega, não enterro mais a faca, de qualquer modo não me escapo, vou ter um qualquer psicólogo a analisar por que razão a enterrei só até meio e não até ao cabo.

O céu desta cidade é escandaloso, um azulão que toma conta dos olhos e da alma e tudo transforma em farsa, escandalosamente belo e feliz. E surge repetidamente para me recordar que sempre estará presente, estarão sempre presentes os meus céus e as minhas cidades e são eles, e não Gabriel, que me dizem quem sou, são eles, e não Gabriel, que me dão de comer, são eles, e não eu. Surgem repetidamente. Assim como aquela dor tão aguda, parece que vou morrer, mas não, afinal não, ainda não, e vai-se e some-se, fica o cansaço, o alívio profundo, a paz, nunca nos sentimos tão bem como quando uma dor lancinante desaparece, nunca me sinto tão bem como quando uma dor lancinante desaparece, mesmo que seja crónica e recorrente e dominadora, sei que regressará quando menos a esperar.

Regressará como Gabriel.