Gabriel VIII
Vou vivendo, no entanto, passeando, vendo, olhando, morrendo e renascendo nas palavras e nos gestos, os meus e os dos outros, os de Gabriel também. Sentada no veludo vermelho, demasiado literário, o veludo vermelho em vez da cama por fazer, fumando Marlboro Lights, muito pouco literário. Mas os cigarros são longos, intermináveis, está a fumar o mesmo cigarro há quanto tempo? E mantém-se igual, mais uma ilusão, mais uma lei, é fácil, basta não nos livrarmos das cinzas para que os cigarros se mantenham sempre do mesmo tamanho, aparentemente pelo menos.
Basta não nos livrarmos das cinzas.
E são elas que me ajudam a sobreviver aos corredores quotidianos onde me persegue o rosto de Gabriel, desenhado nas paredes, não sei se por mim, mas se não por mim por quem? Mas hoje Gabriel não é negro, brilha no meio do fumo do cigarro que não é Marlboro Lights, talvez nem seja um cigarro, talvez seja um charuto, onde quer que voe agora não está só e sabe-o. E finalmente isso não me sufoca, nem sufoca Gabriel.
Ao M., que me ajudou a escrever este texto
Ao P., que me ajudou a lê-lo
Lisboa, 1 de Dezembro de 2000