Vidas a Metro
Tenha a bondade de m'auxiliar, pfavor, vem-se aproximando o som desde o outro extremo da carruagem, tenha a bondade de m'auxiliar, pfavor, o pedinte que me calhou nesta viagem não é cego, antes pequeno e velho, torto e mirrado, não são menos armadilhas para sobreviver nesta sociedade, nesta outra viagem na carruagem que não escolhemos, ainda assim são menos apetrechos para conseguir a piedade que os olhos baços ou a ausência deles ajudam a conseguir. Junto à porta está um outro pedinte, silencioso, jovem, louro, aparentemente saudável, e cego. Sorri com a chegada anunciada do companheiro e faz estalar a base da garrafa de plástico onde ninguém deixou ainda qualquer moeda. Findo o percurso, o velho sorri e saúda o jovem robusto que o espera encostado ao varão de ferro. Guia-o para fora da carruagem ao chegar ao cais terminal, dá-lhe o braço e conselhos enquanto o ampara na subida das escadas apinhadas de gente apressada e bruta que transporta malas ao invés de restos de garrafas de plástico, telemóveis ao invés de varas desdobráveis às riscas, e trocos nos bolsos ou dentro do porta-moedas. Gente a quem a vida também dói mas que não tem de pedir perdão à sociedade por estar privada de um sentido. Ainda assim, espanto dos espantos, choque dos choques ou maravilha das maravilhas, gente que sorri menos do que este robusto e cego jovem louro de braço dado com este pai velho e torto que o guia neste bocadinho de vida e sabemos lá em quantos mais.