A minha discriminação é maior que a tua
Escrevi um salmonete tão grande que o promovi a desova. Sinto necessidade de deixar a minha posição o mais clara possível. E para tal tenho de dizer-vos que nestes grandes debates de salmonetes continua a parecer-me que andamos a trocar cromos, ou então sou eu que sou redutora na maneira de perspectivar as discussões.
Senão, vejamos. O machismo, como mentalidade enraizada que resulta num modo de acção - mais ou menos encapotado, mais ou menos consciente - tem terríveis repercussões em todos, homens e mulheres. Por isso não compreendo que quando uma mulher fala em discriminação muitos homens se apressem em concordar porém acrescentando, simultaneamente, um "mas". Imaginem: "iá, os pretos são discriminados, é verdade, mas também há tribos em África que já comeram brancos". Ou "despediram um colega meu por ser homossexual, é um crime, mas uma vez no cinema houve um maricas que me tentou engatar". É ridículo, não é?
Meus senhores, afinal estamos ou não estamos do mesmo lado da barricada? Então por que razão quando se fala num tipo de discriminação sexual que é oficial, económico e absolutamente atentatório dos direitos de uma (grande) secção da sociedade, logo atentatório a toda a sociedade, por que razão tantos homens anti-discriminação sentem necessidade de se desmarcar - mesmo concordando - de se colocarem "do outro lado"? Porque, não se enganem, é muitas vezes isso que acontece. E essa necessidade diz muito mais do que as piadas machistas e seus sucedâneos. Emancipem-se de uma vez, rapazes! Nós já usamos calças há mais de cem anos, quando é que vocês começam a usar saias?
Quanto a mentalidades, isso é a luta de todos os dias. Neste aspecto tenho exactamente a mesma posição que quanto à Revolução: a responsabilidade já não é só deles, meninas, é nossa; há que exercer a igualdade e defendê-la - e isto vale para os homens também, obviamente; há que saber lutar; há que afirmar-se como pessoa e estar disposta a levar com as consequências. É no dia-a-dia que estas coisas se constroem. Como diz uma pessoa que a gente cá sabe, "bbbbbbmas de outro modo, bbbbas bbbnem vale a pena viver!"
Tudo o resto até podem ser saudáveis brincadeiras, picanços e repicanços entre dois géneros que têm - realmente - algumas diferenças de base, mas sobretudo mundos distintos, infindáveis semelhanças e repressões comuns. Mas enquanto começarem a irromper por debates sérios sobre um problema social que ainda é muito grave, a mim e a tantas outras mulheres essas brincadeiras soarão sempre como resistências, reservas e, sobretudo, uma compreensão limitada da dimensão dos problemas das mulheres nesta sociedade. Acho que me expliquei melhor, agora.