Sobre a vertigem
Imagem retirada daqui
Estava eu no campo com um amigo e falámos de vertigem: ele ignorava o que isso era.
Fiz-lhe várias demonstrações de vertigem sem obter o menor resultado. O meu amigo não conseguia perceber que angústia podemos sentir ao ver um telhador a trabalhar num telhado. A todos os exemplos que apresentei, o meu amigo encolheu os ombros; o que não era muito educado nem amável.
De repente vi um melro que acabava de pousar na extremidade de um ramo, ramo alto, um muito velho ramo. A sua posição era das mais perigosas... O vento fazia o velho ramo oscilar e o pobre do bicho apertava-o com as suas pequenas mãos crispadas.
Voltei-me, então, para o meu companheiro: - Veja, disse eu, como aquele melro me faz pele de galinha e vertigens. Temos de ir buscar imediatamente um colchão e pô-lo debaixo da árvore, porque o pássaro ainda vai perder o equilíbrio e partir, com certeza, a espinha.
Sabem o que é que o meu companheiro me respondeu?
Com toda a frieza?... Com toda a simplicidade?: - Voce sempre me saíu um pessimista!
Convencer as pessoas não é nada fácil.
Erik Satie, in Memórias de um Amnésico, Trad. Alberto Nunes Sampaio