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segunda-feira, julho 12, 2004

Traição II

Uma das teorias que mais tenho ouvido é a de que a partir do momento em que Jorge Sampaio assumiu a Presidência da República, deixou de ser o candidato da esquerda para ser o Presidente de Todos os Portugueses - o que eu gosto desta expressão, da sua imponência, da sua pretensão de ecumenismo, do espaço balofo da mentira que encerra.

O que devemos depreender desta frase? Que quando um político faz uma escolha de valores e ideários, de percurso e de partido, o faz apenas por formalidade e que os valores que defendeu até à Presidência se desvanecem e deixam de fazer parte da sua personalidade política, razão primeira da sua eleição? Ou que temos de começar a fazer contas de cabeça, do género: este é progressista, de esquerda, ou seja, para provar que é o Presidente de Todos os Portugueses vai compactuar com a direita, e vice-versa? Eh pá, já podiam ter avisado, nas próximas eleições voto no Cavaco.

Não. Elegemos uma pessoa, uma figura política, com valores e ideais e esperamos que ele, com base nesses valores e ideiais, possa ajudar a equilibrar a vida política com toda a isenção face a todos os partidos - os que o apoiaram e os que não o apoiaram. Ora, Jorge Sampaio não foi idóneo com qualquer dos quadrantes da sociedade portuguesa, cedendo a uma negociata ao invés de deixar nas mãos dos portugueses a decisão de perpetuar a situação ou mostrar a sua insatisfação. Estamos face a um governo com demasiados tiques familiares e de triste memória - que dizer da dança de influências e de lugares de chefia, das incongruências terceiro-mundistas no que toca à contenção económica, nos boicotes a todas as comissões parlamentares de investigação aos sucessivos casos mal-explicados? Estamos face a uma coligação que ao primeiro sufrágio sofre uma estrondosa e histórica derrota - deixando o sinal de que a maioria dos eleitores já não se identifica com ela. Estamos face a um governo que já ao fim de dois anos se arrasta e arrasta o país. Que penaliza as populações e beneficia quem as explora. Se não são os valores democráticos que estão em causa, não sei o que estará.

Os portugueses não queriam esta solução, a maioria dos partidos assim como a maioria do Conselho de Estado. Tenho diversos amigos que votaram PSD, melhor, votaram no Durão Barroso, e estão tão revoltados com esta decisão do PR como eu. Abrimos um péssimo precedente. Só nas ditaduras as eleições são sinónimo de instabilidade. Já o disse antes, as democracias sabem bem o que valem as urnas.

Jorge Sampaio traíu. Traíu a democracia, traíu os portugueses que nele ainda depositavam alguma esperança de coragem e clarividência. Mas acima de tudo traíu-se a si mesmo e aos seus próprios valores.

Imagino que não tenha tido noites muito serenas ultimamente... Eu no seu lugar não conseguiria pregar olho.