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domingo, outubro 10, 2004

Claro está que ninguém saiu para a escada a perguntar nada ou a oferecer qualquer tipo de ajuda. Bem-vinda a Lisboa. Dizem que é a civilização. Parece que é suposto ser assim...

A civilização. O Lello cá de casa, velhinho de trinta anos, diz-me que consiste num "estado de adiantamento e cultura social; antónimo: barbaria". Adiantamento e cultura. O contrário do que diz a Azul, que nem se pode queixar muito - vizinhos há que por menos ligariam à polícia ou passariam a fazer-lhe a vida negra. Bom, o tempo o dirá.

A civilização. Estou em fraco momento para dissertar sobre isto. Quase no fim de um livro que expõe sem piedade o outro lado da nossa bárbara civilização - através do centro do remoinho, certamente, os EUA -, olho em volta e o que vejo desanima-me. Vá lá, um Nobel da Paz de cariz político e ambiental, a meu ver importantíssimo, um da Literatura a uma mulher independente e franca, que não torce e que há por isso quem considere torcida. E que mais? A guerra e o ódio imperam, imparáveis, cegos, recorrentes, acima de tudo absolutamente necessários à manutenção do estado de coisas, dos poderes económicos e políticos. Os analistas dizem ao mundo que no seu umbigo a guerra é renhida entre mais um democrata fraco e um pseudo-presidente analfabeto, fraco e aldrabão. O senhor José Barroso nomeia para a luta contra a discriminação na sua Europa um [coiso]homem que dificilmente poderia ter um perfil mais discriminatório e fascizóide, enquanto o "tumor" que por cá ficou a crescer continua a semear o caos perante uma incompreensível impotência de todos - para quem ande demasiado ocupado com o "senhor professor", não se esqueçam de que ainda há vários professores colocados para a mesma vaga, escolas que não abriram, alunos sem aulas, um país inteiro num aparentemente imparável, e recordista, retrocesso. O senhor presidente de todos os portugueses - não o Ferreira Torres, o outro, o Jorge, lembram-se? - stands by and watches, o que é compreensível, eu no lugar dele também não veria a hora de ver o mandato chegar ao fim [ahan, desculpem lá a secura, mas ando deprimid@, ok?!]. As WOW foram-se embora e anda aí mais uma petição importante, talvez aparentemente em vão, mas importante, a circular. Nada de novo, portanto. A ESML tem cada vez menos dinheiro e cada vez menos salas onde os alunos possam estudar, quando tantos são deslocados, quando tantos não têm mais onde estudar. No trabalho, continuo a assistir ao premiar da incompetência, do laxismo, do poupadinho que por mesquinhez desperdiça o dobro do que era preciso, da cobicinha, da intrigazinha, da prepotenciazinha - tudo em inho, como nas comidas, afinal estamos em Portugal. Na estrada, a selva adensa-se e nas passadeiras os peões até com o semáforo verde têm receio de passar - mesmo que haja uma esquadra de polícia do outro lado da rua. O país encolhe-se. E é difícil não encolher com ele. Civilização? Não, senhores. Barbárie. Com tecnologia, mas barbárie.

Que existiu sempre, lado a lado com as maiores e as mais livres mentes de que a nossa história guardou memória. Que nos foram deixando a sua herança de pensamento e de civilização, desbaratada por gerações atrás de gerações, e que nos olham das estantes, empáticos e tristemente certos, à espera que deixemos de ignorar o que sabemos.

Declaro, portanto, encerrada, a minha depressão de fim-de-semana. Há trabalho para fazer. Há um mundo inteiro para viver. E para acabar em beleza, resistir é vencer. Como diz o Zé Mário, o próprio acto da resistência é uma vitória. E essa não dependerá nunca de terceiros. Descansará apenas nos olhos dos terceiros que importam.