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quarta-feira, dezembro 15, 2004

As sumidades de cá de baixo

Ia fazer um post sobre o assunto, mas tenho pouco tempo para me alongar sobre o fabuloso parecer da Ordem dos Médicos relativamente ao aborto. Entre outras coisas, a verdadeira questão aqui é que nós mulheres não somos gente, não somos cidadãos, porque o facto de termos um útero e sermos férteis transforma-nos num mero caso clínico e reprodutivo. E não me venham falar da vida esses senhores para quem a vida e a moral só são importantes quando a sua defesa é, em si mesma, uma violação da liberdade individual de alguém. Ainda me lembro do que se escreveu no Renas há uns tempos: na realidade são apenas pró-vida fetal, porque com a guerra podem eles muito bem -a malta gosta é de matar homens feitos-, donde, no que toca a certos princípios-chave, são pró-morte e não há volta a dar-lhe. Pelos vistos o petróleo e as estratégias de poder nobre motivo são para matar, mas a dignidade de uma mulher não justifica que se impeça de nascer um ser ainda não formado nem autónomo.

Na realidade nem é bem o direito ao aborto que está em causa. É o direito a não ser mãe, a não parir, a não passar nove meses alimentando e trazendo dentro de nós um ser que não desejamos completamente -uma violência imensa que se abate sobre parideira e parido. Os senhores não compreendem que estão a querer regular o corpo de um cidadão? Que estão a limitar esse mesmo cidadão às suas funções reprodutivas? Que nestas discussões as facções pretensamente pró-vida discorrem, falam, falam, falam, teorizam e arrotam sentenças ignorando totalmente a individualidade, a integridade e a dignidade de toda a mulher? Ignoram-nos, acusam-nos, ofendem-nos. Arrogam-se poderes de decisão sobre o nosso próprio corpo, as nossas entranhas, as nossas aspirações, a nossa capacidade de lidar com uma gravidez. Ficamos a saber que para os psiquiatras portugueses [que me desculpem a generalização as Gabrielas Moita e os Machado Vaz deste país], as únicas sequelas psicológicas indesejáveis de uma gravidez serão uma esquizofrenia, uma psicopatologia irreversível ou um qualquer tipo de desordem comportamental claramente catalogável. Uma depressão? Nada mais fácil, uns prozacs na altura certa e verão se este país não vai ser uma autêntica linha de montagem de famílias felizes na caçarola. Aliás, ficamos a saber também que por vezes o aborto pode ser mais um problema psicológico a acrescentar à gravidez. Ó senhores, mas que grande descoberta! Então afinal as mulheres não têm grande tendência para fazer abortos por desporto, ahn? Então afinal por que raio é que temos de as punir legalmente?

Mas o mais giro disto -e aquilo que me agrada particularmente como mulher- é a conclusão: em caso de dúvida, em caso de não se saber se será mais grave levar a cabo a gravidez ou interrompê-la, a escolha será sempre científica. Ou seja, nunca será da mulher que leva dentro de si algo que não deseja. Será, isso sim, de quem de direito: os senhores doutos e hirtos que nos olham severamente do alto inacessível das suas alturas, os doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo, bem sentados nos seus cadeirões de braços, de pirilau arrumado e colhões ajeitadinhos. Para variar, a Natália é que tinha razão: se os homens engravidassem o aborto seria um sacramento. O que me espanta mais, realmente, é que não se ganhe vergonha na cara. Que homens como aquele que, de indicador em riste mesmo junto ao meu nariz, numa discussão sobre o assunto me gritou e repetiu que eu se abortasse era uma criminosa, uma assassina, não se olhem um dia ao espelho e vejam a carranca que eu vi e se assustem. Que não sintam nas costas o peso da quantidade de mulheres que matam ou mutilam todos os dias com a sua cega prepotência, com a sua tirana mediocridade.

Essas atitudes não são pró-vida. Se tratam a vida e a identidade de um ser humano completo, de uma mulher, de uma cidadã, como algo de secundário numa discussão destas, como algo que não interessa, só são pró-vida no papel. Vivem com uma máscara, na necessidade absoluta que têm de regular a vida e a moralidade dos outros, independentemente das agressões inenarráveis em que incorrem ao fazê-lo. Não conseguem olhar a mulher como um ser completo, encaram-na apenas como um quadro clínico. São, portanto, anti-vida, porque são anti-respeito-pela-dignidade da mulher.

Comecei bem, portanto, este post: ia escrever sobre o parecer. Acabei deambulando - aparentemente, mas se calhar nem tanto. No que toca à questão jurídica que tentam constantemente transformar em científica, só posso aconselhar-vos a visita ao Miguel e uma passagem atenta pela caixa de comentários.

E desculpem lá qualquer coisinha, alguma acidez de que tantas vezes alguns gostam de me acusar. Mas façam um esforço por compreender: é do meu útero que se fala naquele parecer e nestes debates. É-me extraordinariamente difícil ser bem-educada quando querem obrigar-me a deixar que outros decidam por mim o que fazer com ele.