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quinta-feira, dezembro 23, 2004

Feliz Natal, senhor Godot

Como alguns de vós saberão por alguma comunicação social, alguns de nós -actores, autores, encenadores, produtores- reunimo-nos hoje à porta do Ministério da Cultura exigindo uma solução para o eterno problema dos subsídios pontuais ao teatro. Pessoalmente, parece-me que estamos todos bem representados pela comissão ad-hoc, composta por gente como o Luís Castro e a Cristina Carvalhal. Serão recebidos amanhã às nove da manhã, pela secretária de Estado Teresa Caeiro [ninguém me tira da ideia que há ligação entre este desenfreado consumo natalício de material militar e o congelamento dos subsídios, esta secretária que ia para ali, mas afinal vai para aqui, hmmmm, aqui há gato...], depois de hoje lhes ter sido permitido falar com um acessor [e um banco corrido para estes senhores/ como é que se chamam?/ Ah! acessores!...].

O caso é kafkiano. Caso andem distraídos, devo lembrar que andamos a discutir os subsídios de 2004, que deveriam ter sido pagos, o mais tardar, em Março. Ao que parece, há histórias de recursos sucessivos, providências cautelares, confusões e diz-que-disse. E entretanto chegámos a 23 de Dezembro. Os mais variados grupos já cumpriram a sua parte, endividaram-se, trabalharam "para aquecer", por amor à sua arte, realizaram espectáculos, entregaram ao público e à crítica aquilo que muitos não adivinham de onde vem -da vontade, do amor, da teimosia, da capacidade de criação e de trabalho. À custa de muita saúde, física e, não raras vezes, mental. É um acto imenso de generosidade narcísica, ou de narcisismo generoso, se quiserem. Em Portugal, comentávamos alguns à mesa do café, mais do que generoso, é quase um acto de narcisismo masoquista.

Eu não gosto de pensar assim. Sem dúvida, é preciso espírito de sacrifício. Sem dúvida, é muito difícil viver sempre no arame, tantas vezes vacilando entre as redes a espaços salvadoras, a espaços lamacentas e repulsivas. É uma profissão, mas também uma forma de estar na vida. Quando não o é, vê-se nos olhos. E o palco é implacável para com os olhos dos actores. Em Portugal trata-se muito mal a arte. O que não é de estranhar, infelizmente, é a marca dos países pequenos, não em tamanho mas em espírito. E o caminho para a incultura incrementa-se apressado, com o degradar da educação e com o desprezo pela criação. O caminho inexorável para o nascer de uma massa de escravos acríticos e de rebeldes sem causa.

Tivemos, no meio disto tudo, o Sr.Cunha e Silva a desbaratinar, dizendo que não haverá subsídios para 2005, sendo repreendido por Maria João Bustorff [será que este também se demite do lugar de demitido?]. Livrem-se de pregar partidas dessas. É a vida de muita gente e a vida do teatro português que está em jogo. Embora todos já saibamos que aqui a cultura está descaradamente posta de lado. O espírito, a sensibilidade e a inteligência, estão postos de lado. Nós, como gente inteira, estamos postos de lado. Que surpresas nos trará Fevereiro? Espero que não seja melhor pôr a esperança de lado...