Mudança de casa - parte II.
Não tenho sinal de televisão. Como o prédio não tem antena, não tenho outro remédio senão ligar para a TV Cabo e pedir que me dêem acesso aos 4 canais nacionais. Como os senhores da TV Cabo são muito simpáticos, oferecem-me os quarenta e tal canais, durante 3 meses, à borla, e eu aceito – primeiro erro. Dizem-me que vão lá no dia 28, da parte da manhã, e eu fico à espera deles – segundo erro – porque, como já toda a gente sabe, eles não aparecem logo à primeira. É como que um ritual de iniciação para aqueles que abdicam de uma vida cheia de paz, sossego e alguma cultura para introduzir nas suas casas aquele monstro com um écrã cheio de electricidade estática e programas manhosos. Toda a gente conhece este ritual de iniciação, mas não o partilha, sofre-o sozinho porque é mais fácil suportar a vergonha de ter escolhido esta via se não se contar àqueles que permanecem puros, lindos e cultos, sem televisão em casa. Aqueles entreolham-se, na rua, reconhecem-se no ar abatido, nas olheiras cavadas e no olhar vazio, de quem ficou até às 5 da manhã a ver episódios repetidos do “Quem sai aos seus” e/ou o programa da Oprah Winfrey. Mas nunca divulgam o ritual de iniciação pelo qual tem de passar quem escolhe o lado das trevas, o da TV por cabo. A vergonha é uma coisa tramada.
Telefono para a TV Cabo e pergunto por que é que não apareceu lá ninguém. Dizem-me que deve ser engano meu, não ficou marcado para dia 28 mas sim para dia 30. Tremo. Percebo que tudo faz parte de um plano, e sei que no dia 30, se eu ficar outra vez à espera dos senhores, eles não vão aparecer e me vão dizer que eu estou maluca, que não ficou ninguém de lá ir nesse dia. Atenta aos sinais, tento recuar. Digo-lhes que já não quero TV Cabo, explico por que é que acho que a televisão é um elemento pernicioso e que só queria poder ver as notícias, de vez em quando, mas que não faz mal, posso perfeitamente ler os jornais. Sujo um bocado as mãos, mas não faz mal, até cria anticorpos. Eles desligam.
A seguir, tentam atacar por outra frente e arranjam o número de telefone do meu truto. Desta vez disfarçam-se de senhores da Netcabo. Dizem que têm uma promoção fantástica, não pagamos nada e oferecem-nos o modem, a instalação e um ano de TV Cabo, com os quarenta e tal canais, a pagar só 12 euros e tal. Fixe, pensa ele, tadito, também sem conhecer este perigoso mundo das trevas por cabo, e aceita – terceiro erro.
Umas horas depois, os senhores da TV Cabo / Netcabo voltam a ligar-lhe e dizem-lhe que afinal não pode ser, porque nós já temos TV Cabo. O meu truto explica que não, que cancelámos, mas que afinal já queremos outra vez. Eles fingem perceber e marcam a instalação para dia 7 de Janeiro, 4.ª Feira. Só umas horas mais tarde é que ele percebe que dia 7 é uma sexta. Pânico. Estará a ficar senil? Cheio de medo de voltar a enfrentar os senhores, pede-me para ligar. E eu ligo – quarto erro.
“Devido ao enorme fluxo de chamadas, o tempo de espera para ser atendido pode ser superior a 5 minutos”. Meia hora depois, atendem. Tento explicar a situação, mas só ouço risos abafados, do outro lado. Penso que deve ser impressão minha e continuo. Dizem-me que vão fazer um novo contrato de TV Cabo para me poderem oferecer a tal promoção, mas... “ooops, isso vai ser impossível, porque você ainda não tem a TV Cabo instalada”. “Mas... mas... ainda ontem disseram que eu não tinha direito à promoção precisamente porque pensavam que eu já tinha a TV Cabo instalada”. Afinal a promoção já não é à borla, custa € 25 e ainda me fazem vista grossa. Ah, e esquece lá os tais 3 primeiros meses à borla de que me falaram primeiro, as promoções são incompatíveis entre si. E “incompatíveis” quer dizer que, se eu tiver direito às duas ao mesmo tempo, não posso usufruir de nenhuma. Na verdade nem é bem assim, este senhor agora diz-me que aquela dos 3 meses de que me falaram ontem já caducou. E esta dos 25 euros que antes era de borla tá a ser muito complicada, porque afinal era preciso eu não ter TV Cabo mas ter uma data agendada para irem lá montar aquilo. “Ligue para o apoio ao cliente e marque uma data, depois peça para falar comigo”. E eu, quase hipnotizada, ligo (não digam nada, ok? liguei, pronto!). Volto a falar com ele: “Ok, já está, 8 de Janeiro!” “Muito bem” diz ele “foi um parto difícil mas o bebé é lindo” (no comments). Aguarde só um momento que vou introduzir aqui no sistema a modalidade de netcabo que a senhora pretende... só um instante.... hmm... oooops! Isso vai ser impossível! Era preciso que ainda não fosse cliente da TV Cabo, e eu vejo aqui que até já tem uma data marcada para a instalação...” AAAAAArrrrrrrghhhhh!!
Desligo. Mas sei que eles virão atrás de mim. Temo o pior.