Cavaterra
Temos corpos de marioneta. Quando pela corda descemos abaixo do chão e a noite ocre se abate sobre os nossos ombros pasmados e a terra negra nos cobre os olhos, as enxadas e as picaretas definem-nos, indefinidamente a uns e outros, indefinidamente homens e marionetas, indefinidamente.
No meio do escuro e sob a larga capa da morte, dançamos e fazemos dançar. Eu sou tu e tu és eu, o meu braço move-se porque tu decides, a tua perna sobe porque eu a iço, marionetas um do outro e do que ficou tão lá para cima que cá em baixo não se reflecte a imagem. E esquecemos.
Pedra por pedra, trabalho circular, labor sem meta. Pedra por pedra, e a escada quase chega. Pedras suspensas no escuro com homens por cima tentando assomar não se sabe onde, ou melhor, a todo o lado e por isso a nenhures, ou por fim lá, lá a cima. Toma a minha pedra e ajuda-me a subir. Ah! Quase chega, a escada. Quase. Abraça-me. Quase.
Homens-marioneta, desaparecemos nas carrelas e voltamos a surgir, sempre desarticulados, sempre pasmados com este mundo de sombras em trânsito. Enterramo-nos na terra e nas pedras que como nós cabem e se fazem transportar nas mesmas carrelas. Três são dois mais um e um corpo entre duas carrelas, sozinho, sai de cena. É tarde.
Não regressa. Kommt, ihr Töchter, helft mir klagen. Caíu. Um. Depois outro e depois outro. Sehet! Wen? Den Bräutigam. Wie? Als wie ein Lamm! Caem no vórtice ocre e negro. Sehet! Was? Seht die Geduld. Wohin? Auf unsre Schuld.
Pequenas luzes no escuro, pequenos corpos deformados, uma perna torta e manca, uma corcunda, o corpo tenso e lasso, fechado sobre si e infantilmente disponivel. E voa, num carrossel de cordas e marionetas. Voa. E fica no ar, como o som de uma trompa.
No Teatro Carlos Alberto, até ao próximo sábado, a Circolando apresenta Cavaterra, parte do seu Ciclo das Minas. A não perder por nada, pessoal da Invicta...