Entrelinhas
Gentilmente, a Mente explica-me por extenso e muito bem a razão porque não gosta do cartaz das Panteras Rosa que incita ao voto contra a homofobia da direita. Creio que se trata de uma mera questão de interpretações e acho que por fim a apreciação só pode relevar da sensibilidade de cada um… e da maior ou menor paciência que sobre dos diários de campanha.
Mas há um ou outro ponto que me merece uma paragem para reflexão e resposta. Dizem as Panteras que “o assunto da homossexualidade deve ser levado até ao voto”, diz a Mente, Pessoalmente, não vou neste tipo de mobilização e por um motivo muito simples: o voto, julgo, não deve estar condicionado pela orientação sexual do eleitor. Não poderia estar mais de acordo, o voto deve ser ditado pela consciência e pela reflexão. E a prova é a quantidade de homossexuais armariados - e não só - que não só não lutam por, como recusam terminantemente quaisquer direitos lgbt, qualquer visibilidade pública, qualquer reconhecimento de estatuto de cidadão completo com direito a decidir o que quiser sobre a sua vida amorosa sem por isso ser penalizado socialmente. Mas há um pormenor, Mente: para esses homossexuais, armariados, semi-assumidos ou deliberadamente [auto-]marginalizados, a homossexualidade não é um assunto. Um assunto político, pelo menos. Estão no seu direito? Estão. Aliás, o cartaz não é tanto para eles como para mim, que sou, até à data, totalmente heterossexual, mas que considero a questão lgbt um assunto político, mais que isso, uma básica questão de direitos cívicos e respeito humano.
Quanto às três questões que colocas, a resposta para mim é só uma. Tu, enquanto lésbica, branca, preta, alta ou baixa, deves votar de acordo com a tua consciência e com a tua visão social, como eu o farei. Um apelo de campanha vale por isso e por nada mais. Não é um inquérito da polícia do pensamento, apenas um apelo ao voto. Vale o que vale, ou seja, vale o valor que lhe dermos. Por mais que eu gostasse de convencer a minha vizinha da Rua de São João - que tem uma reforma de caca e passa os dias a estender roupa numa janela podre de um prédio mais podre ainda - de que, pelos seus próprios interesses, ela deve votar à esquerda, o mais mais certo é que a cruz vá direitinha para o Rio, não o Douro, mas o outro. É a vida. Tenho pena, é tudo.
Por fim, a Mente chega à conclusão de que estamos face a um apelo mal-disfarçado ao voto no Bloco. Bom, concordo que é uma interpretação possível, sendo mais que reconhecida a ligação do BE à luta lgbt. Mas não é a única ilação a tirar, cara Mente, e nada melhor do que leres o balanço da actividade do PCP na Assembleia da República para veres que nem só do Bloco nasce a luta contra a discriminação com base na orientação sexual, embora nenhum outro movimento a apresente como bandeira tão assumida.
Como viste, houve paciência. Há sempre paciência para boas discussões, com argumentos e sem merdas. ;)