Mulheres
Bem sei que ontem postei que não postaria. Mas a minha amiga Margarida enviou-me este poema por e-mail, e embora o conheça de ginjeira, toca-me sempre. Sobretudo considerando a data que passou ontem. Partilho o presente da Margarida convosco, já que como todas as coisas boas da vida, as palavras de Sophia saboreiam-se ainda melhor se partilhadas. Partilhadas, como a busca da justiça, que continua, sempre inacabada.
Catarina Eufémia
O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
e eu penso nesse instante em que ficaste exposta
estavas grávida porém não recuaste
porque a tua lição é esta: fazer frente
Pois não deste homem por ti
e não ficaste em casa a cozinhar intrigas
segundo o antiquíssimo método oblíquo das mulheres
nem usaste de manobra ou de calúnia
e não serviste apenas para chorar os mortos
Tinha chegado o tempo
em que era preciso que alguém não recuasse
e a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras mulher e não somente a fêmea
eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
e a busca da justiça continua
Sophia de Mello Breyner, in Dual