Ai, o Metro, o Metro...
Entro no Marquês e encosto-me perto da porta a ler o jornal. As portas cerram, o comboio arranca e oiço um silvo acompanhando a progressão da velocidade. Parecia mesmo uma voz, masculina, adulta. Não... estou a alucinar. Alguma borracha de alguma porta deve ter um escape de ar, uma coisa qualquer. Que homem adulto poderia estar a fazer estas figuras? Esquece... Esqueço. Picoas. Passageiros entram e alguns levantam-se para sair no Saldanha. Entre eles está um homem alto, não propriamente gordo, mas grande, de cabelos alourados e pele tisnada. Coloca-se a meu lado, frente à porta que se fecha. E ao arrancar do comboio lá oiço aquele estranho uivo, nitidamente humano. Olho discretamente, primeiro para ele, depois em frente onde alguns passageiros arregalam os olhos e uma moça procura o meu olhar de reconhecimento na gargalhada que não consegue reprimir. Eu estou demasiado perto da caldeira, e bom, o gajo é grande e pode não achar graça. Enfio o nariz no Inimigo Público e vou gerindo o riso tentando não olhar para a minha compincha de paródia enquanto -pouf, pouf, pouf, pouf.... pouf........ pouf......... shhhhhhhhhh- a composição pára e a locomotiva vai bufar para outra freguesia. Finalmente rimos sem pejo, enquanto os outros passageiros mantêm os seus olhos arregalados e o queixo caído. As portas fecharam-se. Ela olhou pela janela e eu para o meu jornal. O que ela não ouviu foi que ao meu lado, junto à porta, tomara a ribalta uma senhora de ar respeitável e doméstico que foi murmurando canções numa vozinha pequenina e esganiçadinha até à estação seguinte.