A Birra do Morto, III: Os Afectos de Quixote ou A Sorte Conserve as Tristes Figuras
Muito pertinente, este post da Teresa Cascudo, que levanta questões culturais e sobretudo sociais e de cidadania. Falando por mim, e trabalhando [embora cada vez menos e o futuro dirá até quando] dentro da FCG, assisti estupefact@ ao ímpeto destruidor desta administração - as Jornadas de Música Antiga e Música Contemporânea, o ACARTE -, esperando sempre quando chegaria a nossa vez, orquestra e coro. Parece aproximar-se [hoje ouvi o primeiro boato acerca dessa extinção final, juntando às declarações da Teresa Gouveia ao Público, diria que o horizonte é negro], mas não foi isso que me impeliu para a organização da petição. Há qualquer coisa de inexplicável na reacção a esta extinção, qualquer coisa que é da ordem dos afectos e da identidade. E talvez por o nível do Ballet Gulbenkian ser tão indiscutivelmente alto, é o maior dos sinais de alarme que se ouse extingui-lo - é um alarme generalizado na área da cultura, não só dentro da Fundação. Digamos, e agora falo por mim, tentando dar uma achega às questões levantadas pela Teresa, que esta me fez "saltar a tampa". Talvez demasiado tarde.
Quanto à dicotomia "património/contemporaneidade", e pensando agora em algo que, sinceramente, nem me tinha cruzado o espírito, talvez o património que o Ballet Gulbenkian representa seja precisamente essa contemporaneidade, esse cosmopolitanismo e essa larga visão artística que tanto falta em Portugal. É um património deveras abstracto, mas não menos valioso, num país que a cada dia parece construir-se sobre a mesquinhez, a estreiteza de horizontes e o provincianismo, como se pode aferir pelos outros casos referidos pela Teresa - o mais escandaloso dos quais será precisamente o fim do financiamento da PT aos concertos Em Órbita, que abandonaram também um público fidelizado e apreciador do extraordinário nível artístico dos músicos que nesse âmbito nos visitavam. Esta avalanche anti-cultura não poderia ser mais desesperante neste país que a cada dia encolhe a olhos vistos.
Adenda: Só posso lamentar que "nós", os que não têm o poder nas mãos, não alimentemos uma cultura de lutar pelas coisas e fazer valer a nossa cidadania - senão para impedir aberrações como esta, pelo menos para lançar reflexões e ir mudando mentalidades. Deixar de assinar de cruz no boletim de voto.