Como neste momento não me sinto capaz de vos descrever o que foi esta tarde...
... sem que me venham as lágrimas aos olhos ao recordar cada gesto da Cantata - que foi a última coreografia a que assisti no palco do Grande Auditório da Gulbenkian e que hoje transportou toda a plateia do Camões para o espaço quimérico de liberdade, alegria e arte que é o Ballet Gulbenkian -, deixo-vos apenas uma pequena reflexão:
- O que os [ex-]bailarinos do Ballet Gulbenkian fizeram hoje pelos espíritos presentes no Teatro Camões e fora dele está fora da compreensão do Rui Vilar e da Teresa Gouveia. Nós fomos vergonhosamente roubados. Mas apenas os insignes administradores são dignos de pena.
E para estes dois carrascos de uma fatia rica e insubstituível da arte, da cultura e da identidade deste desnorteado país, Sr.Rui Vilar e Srª.Teresa Gouveia, as palavras que se seguem eu vos dedico, diligentemente.
O verão é assim: a masculina e mineral
e quase táctil vibração das cigarras.
Não sou apenas eu, também elas
se alimentam de claridade,
fogem do escuro.
Porque o escuro é onde se abrigam
a calúnia e a usura,
o escuro é onde a vaidade
e a demência do lucro acorrem
ao apelo do mais rasteiro.
O Céu não passa de um imenso
e vazio buraco negro,
mas tenho esperança que o Inferno
conserve ainda activas as fogueiras
da inquisição, e nas suas chamas
possam ouvir-se um dia
esses cães, que tanto abusam do poder,
rechinar - como as cigarras no verão.
Eugénio de Andrade
Atentamente,
Manel da Truta