Acordar estremunhado e quente sem que o corpo ao lado se insinue e perceber que a chama interior não passa de uma vã metáfora, comparada com o inferno que se constrói lá fora, sobre a caruma seca e as pinhas caídas. Ver voar botijas de gás e tombar copas e vigas que asseguram que não dormes, e que, ao contrário de nos sonhos afoitamente despertos antes da queda, não sabes se sairás vivo nem quantos vivos sairão contigo.
Dou por mim a pensar como será ver as chamas irromperem pelas vidas, pelas casas, e enfim pela cidade. A pensar que as lágrimas de revolta frente a um écran nunca evaporarão antes de percorrerem a curva dos lábios, nem que lá fora o termómetro marque quarenta à sombra.
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Dou por mim a pensar no que restará. Para além de uma bravura démodée e não necessariamente fardada que enfrenta o perigo para tentar salvar o que está condenado pela irresponsabilidade, pela incompetência, pela ganância, pelo crime. E que a minha admiração pelos que se fazem a uma mata em chamas crescerá sempre na razão inversa do meu desprezo pelos criminosos. Os activos e os passivos.