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sexta-feira, setembro 30, 2005

Maria, Maria, mistura a dor e a alegria

Conheci-a este verão e rapidamente lhe ganhei afecto. Também cantora, também actriz, os poucos dias que com ela passei no Meco foram o suficiente para lhe sentir a energia e pensar que algo me dizia que a gaja só podia ser boa no que fazia. Há assim uns palpites que nos surgem não se sabe bem de onde, de uma empatia talvez, de uma bizarra e inexplicável sensação de reconhecimento. E a verdade é que se revelaram acertados. No meu aniversário, há um mês, a Mariana Abrunheiro ofereceu-me o disco Soltar a Língua, do Trigo Limpo-ACERT, onde a sua voz brilha, onde parece que a vemos sorrir. Bem me parecia, pensei contente logo à primeira audição. Ontem fui ao Luso Café, fazer a minha prova final. Como eu esperava, foi noves-fora-zero.



O espectáculo "Marias", que a Mariana e o Rúben Alves têm apresentado por Lisboa - e esperemos que por aqui não se fiquem - passeia por três belíssimos textos e um repertório maravilhoso, em que na quente cama para si feita pelo Rúben, a voz da Mariana se estende, rebola, dança e grita. Rúben Alves é um pianista seguríssimo, sem medo de arriscar mas sem arroubos de virtuosismo a despropósito, com uma apuradíssima sensibilidade e uma nítida sintonia com a sua cantora. A comunicação entre ambos envolve o público, constantemente arrastado pela presença e pelo olhar cúmplice da Mariana. Os seus recursos são muitos e inteligentemente usados, e é um bálsamo, em dias como estes em que as jovens cantoras se especializam num registo mais ou menos interessante - o mais das vezes, menos - ouvir alguém que se diverte com a voz, que brinca com os registos, com os estilos e com os timbres, bem servindo as palavras, em partilha e disponibilidade. E ontem tivemos ainda como brinde essa voz esmagadora de José Medeiros. Se eu já estava emocionad@ a ouvir a Mariana, quando o Zeca Medeiros abriu a boca lá veio a teimosa lagriminha que gosta de assistir a estas coisas do seu camarote ao canto do meu olho - mas isso é o costume, eu oiço aquela voz sempre vinda das profundezas da alma do seu dono e fico logo a tremer, acto contínuo.

A voz da Mariana também vem da sua alma, límpida, escura, burilada, rude, doce, triste, feliz. Temos cantora, senhores. Mais, temos artista. Mantenham-se atentos e tentem ir vê-la e escutá-la um dia. Talvez, como eu, saiam gratos e felizes.