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quinta-feira, setembro 01, 2005

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara...


Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, pel'O Bando
No Teatro da Trindade até 18 de Setembro


Ninguém tem nunca uma coisa que seja a apontar aos espectáculos d'O Bando. Pois eu hoje vou encher-me de coragem e vou despejar já tudo aquilo de que não gosto neste Ensaio. O espaço cénico inicial, para começar. Seria eu que estava tapadinh@, mas levei tempo demais a decifrar semáforos e automóveis naqueles cilindros com pernas. Fazer da vida quotidiana pré-cegueira um arquétipo de falsidade, de faz-de-conta, de desinteresse é muito interessante, mas a abertura impediu-me de "entrar" mais cedo no espectáculo - além de que esteticamente, e é esse o verdadeiro engulho, esteve a anos-luz de me tocar. Também imprimem um desconforto e uma distância iniciais os figurinos estilizados e o recorte definido da representação e da elocução, mas esses elementos foram-me perfeitamente justificados pelo seguimento da peça, ganhando com e dando força ao contraste entre a cegueira que vê e a súbita cegueira branca epidémica que tudo espoleta.

O segundo ponto que me desagrada é de ordem humana. A identidade d'O Bando está toda no colectivo, no que é um grupo único no panorama nacional. Os actores não brilham, nos espectáculos d'O Bando, costuma dizer-se, mas isso não me incomoda minimamente, quando significa apenas que estão integrados numa máquina cénica, geralmente colossal, e funcionam quase como peças de relojoeiro num mecanismo cujo o todo é, geralmente, impressionante. No entanto, e talvez por desta vez o cenário ser belíssimo, mas frio e estático, talvez por ser esta uma história tão intimamente dependente das emoções humanas, faltou-me humanidade, não de corpos, mas de almas. Há alguns tropeções na elocução, sobretudo quando temos gritos ou megafones, e mais do que uma vez tive de recorrer às legendas em inglês para ter a certeza do que ouvia. Os momentos de asco ficam sempre todos num registo tecnicamente correcto, mas emotivamente superficial - nomeadamente na cena em que, já em liberdade, a mulher do médico, que imune à epidemia se torna guia de um grupo de cegos, descobre na cave de um supermercado um sepulcro de cegos que aos tropeções um dia procuraram comida e tombaram escada abaixo. Eu já estava dentro do espectáculo, por que razão não acreditei em nada do que a actriz soluçou? Pode ser um erro de perspectiva meu, mas são precisamente estas erupções de humanidade que mais força dão a toda a estilização que as rodeia. Se ficam a meio caminho, é fatal.

O último ponto é a música de Jorge Salgueiro. Pastiche sobre pastiche, dei por mim pensando mais que uma vez "Mas porque raio não utilizaram antes Mozart, o Requiem ou a Missa em Dó menor?". Enfim...

Ainda assim há prestações e momentos magníficos. A velha das galinhas e dos coelhos que Miguel Moreira interpreta é de uma patética humanidade, assim como a solução encontrada para o "cão das lágrimas" e para a matilha devoradora que nos desafia a pensar no que distingue um homem de um cão esfaimado. O cenário, como já disse, é belíssimo, funcional, frio, duro, escorregadio e asséptico, só conhecemos a merda que se espalha pelo chão pelas palavras dos actores, pelos momentos passados de cócoras, pelo que nós próprios projectamos. Os mortos acumulados são engolidos pelo chão e pela luz branca. A entrega das mulheres aos opressores no asilo em troca de comida é fortíssima, no desenho quase musical da elocução e na frieza aparente da representação observamos a perplexidade, a humanidade, a tirania, a miséria e a barbárie que Saramago expôs no seu mais cinematográfico romance. Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos, que, vendo, não vêem.

Em suma, uma esmagadora obra de literatura, bem servida pelo olhar tão particular de João Brites. A não perder. Por razões artísticas, literárias e identitárias.

Adenda: Não posso deixar de notar que continua a haver pessoas que saem da sala face a cenas de nudez completa. É revelador do tamanhinho da nossa mentalidade.