No caos se transformam as almas
Arte, chuva, história. Uma energia acelerada que ferve esquina a esquina. Poluição - os romanos buzinam demais, caramba! -, turistas, confusão. E por incrível que pareça nunca me orientei tão bem e tão rapidamente numa cidade desconhecida - talvez porque nunca uma cidade desconhecida me tenha parecido tão familiar e próxima. Mais chuva. O peso da ICAR por todo o lado não é suficiente para castrar todo o instinto, toda a sedução que percorre os poros destes latinos. E que melhor meio pode existir de subversão? Só às esculturas do Museu Vaticano conseguiram cortar caralhos e mamilos, nunca aos romanos [hão de cair, cair, cair, cair]. Persegue-nos a beleza. E a atrocidade. Os novos mártires não constroem termas com nomes imperiais, dormem antes a poucos metros do muito que delas resta, sob as arcadas da estação Termini, mal abrigados da chuva. Famintos e sós. Dormem, porque o sono é meio sustento, mesmo os novatos, que acordam ainda em sobressalto ao som de quaisquer passos, mesmo esses o sabem já [cair sempre e sempre, ininterruptamente]. A energia que se desprende das pedras envolve e arrasta para uma vertigem de emoções e sentidos. As pedras confundem-se com os rostos dos romanos. Com os sorrisos insinuantes. Com os olhares despudorados. Com os cabelos escuros e as auras vivas. E Roma mantém-se eterna [na razão directa do quadrado dos tempos].
Roma, 7 de Outubro de 2005