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segunda-feira, outubro 17, 2005

Uma ausência feita de azul e chuva



Alice é sobretudo um filme sobre a ausência, diz Marco Martins na sua nota de intenções. Sobre a ausência de Alice - e sobre a ausência dos seus pais, Nuno Lopes e Beatriz Batarda, que com a perda da filha entram em realidades próprias e paralelas - a mãe Luísa num mundo de depressão e comprimidos, o pai Mário num big brother artesanal e clandestino que obsessivamente procura o casaco azul e os caracóis castanhos claros - como os seus - pelas ruas de Lisboa e pelo efervescer do aeroporto. Não é caminho óbvio, para um realizador que assim chega com uma primeira longa-metragem, investir pelo minimalismo das palavras e pela implosão lenta dos rostos submetidos a emoções demasiado duras para serem verbalizadas. Como farão eles, para fazer estas batatas todas iguais?, e o público ri da conversa sem sumo até ser finalmente calado por uma lágrima e finalmente ouvir o caudal de interrogações e desesperos que se debate violentamente sob a divagação de Luísa acerca de batatas fritas congeladas e assim se manifesta apenas, com uma primeira e impotente lágrima. E se em três ou quatro cenas Beatriz Batarda nos faz entrar pelo postigo na angústia de Luísa, todas as restantes são de Nuno Lopes. Não é fácil falar de um trabalho assim, será sempre redutor. E se há momentos em que alguma imaturidade consegue transpôr a barba e o olhar vazio e infinitamente triste de Mário, a verdade é que o Nuno carrega consigo o filme de modo admirável e tocante, rigoroso e entregue, oferecendo-nos largos minutos verdadeiramente extraordinários de representação e de cinema. Silenciosamente, Mário mostra-se-nos como um homem que parece sempre à beira da desintegração, soldado apenas pela rotina que se torna sua missão e última esperança de não perder definitivamente a filha que há quase duzentos dias procura. Talvez por isso fale tão pouco e apenas o estritamente necessário ou trivial. Há diques que não se podem abrir, o caudal que seguram seria, sem dúvida, demasiado arrasador. Não será despropositado falar de culpa, as propabilidades estão contra si e Mário sabe-o, mas como poderia ele viver com a culpa de não ter passado nas mesmas ruas, repetido os mesmos passos, observado os mesmos recantos, como poderia viver com a culpa de desistir? Com Mário vivemos as ilusões que uma obsessão pode ver de tanto procurar, o encerramento do cérebro sobre si mesmo, vivendo apenas das referências que crê seguras e que o podem ancorar - pois quais seriam as probabilidades de, duzentos dias depois, Alice vestir o mesmo casaco azul e ostentar os mesmos caracóis castanhos? Mas, e sem essas pistas, como procurar? O filme desperta brilhantemente todas as dúvidas com que convivemos nos imponderáveis quotidianos que habitamos e que nos esforçamos de forma sobre-humana para tornar mais previsíveis, mais seguros. Poderá este pequeno filme, com um pequeno elenco e uma grande beleza, revelar-se mais uma privilegiada reflexão cinematográfica sobre essa tal "condição humana"?

Pouco resta para dizer, senão que fiquei na boca com um doce sabor a cinema. O ambiente, os planos, a fotografia, a luz. O "sozinho na multidão" que é a própria definição de cidade, a ominipresença da câmara, na busca de Mário e por todo o lado [deliciosa a cena no aeroporto, em que se esconde bem à vista no meio do parque de estacionamento o único local livre e não vigiado, porque não é do Aeroporto nem da EMEL]; o trabalho do restante elenco, nomeadamente o do Gonçalo Waddington - definitivamente um dos meus actores favoritos -, e o do sublime Miguel Guilherme, um actor de cinema como poucos, hei-de repetir isto até que a voz me doa. Por fim a música de Bernardo Sassetti, azul e chuvosa, como este Alice.

A não perder, mesmo. Ou a punição justa teria de ser não falar mal do cinema português durante os próximos dez anos. Ou pelo menos até ao próximo filme de Marco Martins.