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terça-feira, abril 18, 2006

Momento verdadeiramente Zen do dia

Dia de sol, coisas para fazer, mas pouca vontade. Um sushi vem mesmo a calhar ao estômago ainda preguiçoso e às papilas já despertas, na razão oposta da conveniência desejável à carteira. O Porto é a cidade onde mais vezes cheirei as classes altas. Que querem, as relações mudam o estilo de vida, nos dias em que o jantar é oferecido ou o cartão multibanco é cego, e de qualquer modo um bom japonês é um bom japonês e no Porto são mais raros que em Lisboa [saudades do meu Assuka...]. O serviço simpático e bom, o ambiente calmo, e o orgástico fondant de chocolate após uma orgia de wassabe são outros atractivos que me fazem de quando em vez fechar os olhos à dor de alma da factura. Nunca me arrependi. Algum dia havia de ser o primeiro.

Para não variar, o meu almoço foi tardio, mas em boa companhia. O restaurante foi vazando, e pelas três da tarde restávamos nós e um pequeno grupo de meninos da Foz que já foram mais meninos. O primeiro incómodo foi a sensação crescente de que estávamos num canto da copa lá da quinta, a almoçar discretamente enquanto os senhores bebiam uns cafés e fumavam uns cigarros. As vozes a subirem descontroladamente, os risos afectados mas alarves, a total invasão daquele espaço que não era só deles. A estúpida [porque ilógica] estupefacção face à impositiva conversa, veio depois. Três tias crucificavam piedosamente outra tia pela educação do seu rebento. Começou tímida, cada interlocutora procurando na outra a cumplicidade indispensável à boa condução de tal especulação. Cresceu desenvergonhada após meia-dúzia de passos tacteantes, numa avalanche de julgamentos e má língua entrecortados com exclamações do género "eu até sou uma pessoa que gosta de crianças activas, mas aquilo ultrapassa todos os limites" ou "eu nem gosto de fazer juízos de valor, mas...". Porque a criança não tinha respeito nenhum por nada, porque a culpa era dos pais, que não tinham mão nela, mas sobretudo da mãe, que tinha mais tempo que o pai, que trabalhava muito. Aliás, um dos problemas é que nenhum deles tem tempo, porque ambos trabalham. Atalha o macho ao balcão de cigarro em punho que não são uma família convenientemente organizada, se o fossem, como acontece na dele, não era preciso que os dois trabalhassem. Todas concordam. Eu também concordo, o pai podia perfeitamente ficar em casa, ainda por cima pelo que todos dizem, está bem precisado de descansar desse emprego que lhe rouba tanto tempo que nem lhe permite educar o próprio filho. Posso dizê-lo, graças a esta conversa tive demasiados orgasmos de wassabe mal sucedidos, e só por milagre um dos moragos do fondant não foi parar à narina direita da tia loira. Concentração, é o que é preciso. E um desejo ardente de que aquelas tias sejam mesmo tias, na acepção antiga da palavra, e que nenhum puto deste mundo sofra a desventura de ser por elas educado. Ao macho nem vale a pena desejar tal coisa, que macho que é macho, naquela idade, já deve ter semeado um ou outro por aí. Antes semeasse orégãos.

No fim daquele espectáculo de má-língua conservadora, moralista, retrógrada e chauvinista, e após alguns olhares desagradados que os fizeram baixar um pouco os decibéis, junta-se ao grupo o pintas que gere o restaurante. Não lhes pede para baixarem o volume, antes se lhes junta com o mesmo tipo de gargalhada, o mesmo tipo de conversa de chacha, mas desta vez sobre futebóis e concertos de sósias, talvez sobre descapotáveis e babes, ou sobre o Cavaco, não sei, fiz por não ouvir tudo. Lição do dia: este restaurante não serve para almoçar, mas, mais importante ainda, urge adoptar outro japonês na Invicta. Devoções são devoções, mas sacerdotes manhosos, não, obrigad@.