terça-feira, novembro 30, 2004
Tal como o Boss, também eu tenho direito aos meus tabús [e não me apetece falar do Jerónimo, logo hoje que estou tão bem dispost@]
Bom... quer dizer que tenho, na melhor das hipóteses, dois meses para decidir se é desta que o meu voto vai para outro saco.
Bom... quer dizer que tenho, na melhor das hipóteses, dois meses para decidir se é desta que o meu voto vai para outro saco.
Chuva de sms's
Depois de hora e meia de pliés, abdominais, flexões, pulos, danças e variadas matizes de gritos de dor, nada como saber que os amigos não se esquecem de nós nos seus momentos de felicidade e êxtase. A saber:
PARA QUEM NÃO SABE, O PRESIDENTE DISSOLVEU A ASSEMBLEIA. BEIJOS. JOÃO.
Uma semana nunca pode ser demasiado má. 'Tá certo que o Benfica perdeu no domingo, mas para compensar o governo acabou de cair. Viva a Esquerda. Chegou a hora. Ricardo.
YES, YES, YES. Estou tão feliz! O Santana já se foi! Desejo tudo de bom para Portugal! Paulinha.
Hey, hey, Santana's goin' away! Efe. [Sim, temos recebido os convites, meu querido:)].
Viva! O bebé PSL caíu da incubadora e não resistiu... Beijinhas aos dois. Sara.
Ding, dong, the witch is dead... Mano Armando.
E a melhor de todas:
Estou à beira do orgasmo! Parece que o Rei Banana dissolveu a Assembleia da República! Digam-me que é verdade! Digam-me que é verdade! [Devido à referência libidinosa, e por um pudor pueril, coíbo-me de identificar o autor desta sms; @ dit@ que se acuse, eheheh...]
Pá, ouve o que estou a dizer-te: É VERDADE!!!
Depois de hora e meia de pliés, abdominais, flexões, pulos, danças e variadas matizes de gritos de dor, nada como saber que os amigos não se esquecem de nós nos seus momentos de felicidade e êxtase. A saber:
PARA QUEM NÃO SABE, O PRESIDENTE DISSOLVEU A ASSEMBLEIA. BEIJOS. JOÃO.
Uma semana nunca pode ser demasiado má. 'Tá certo que o Benfica perdeu no domingo, mas para compensar o governo acabou de cair. Viva a Esquerda. Chegou a hora. Ricardo.
YES, YES, YES. Estou tão feliz! O Santana já se foi! Desejo tudo de bom para Portugal! Paulinha.
Hey, hey, Santana's goin' away! Efe. [Sim, temos recebido os convites, meu querido:)].
Viva! O bebé PSL caíu da incubadora e não resistiu... Beijinhas aos dois. Sara.
Ding, dong, the witch is dead... Mano Armando.
E a melhor de todas:
Estou à beira do orgasmo! Parece que o Rei Banana dissolveu a Assembleia da República! Digam-me que é verdade! Digam-me que é verdade! [Devido à referência libidinosa, e por um pudor pueril, coíbo-me de identificar o autor desta sms; @ dit@ que se acuse, eheheh...]
Pá, ouve o que estou a dizer-te: É VERDADE!!!
segunda-feira, novembro 29, 2004
Lázaro, deita-te e fica!
O governo leproso desfaz-se aos poucos por cima de nós. Será que em Belém o que se ouve é "Levanta-te e anda!"?
O governo leproso desfaz-se aos poucos por cima de nós. Será que em Belém o que se ouve é "Levanta-te e anda!"?
domingo, novembro 28, 2004
Nota breve
Belo concerto. Um coro de três coros feito, três coros feitos de gente que por entrega - e apenas por entrega - fez um trabalho rigoroso, seríssimo e cheio de qualidade e emoção. Uma orquestra segura, com um som rico e boa sintonia com o maestro Marc Tardue. Muito bem tocada a Sinfonia N.8 de Schubert - para mim não falta nada a esta sinfonia, mas enfim, Incompleta será - e o Requiem foi profundo, arrebatador, rigoroso. Parabéns, muitos parabéns a todos.
Belo concerto. Um coro de três coros feito, três coros feitos de gente que por entrega - e apenas por entrega - fez um trabalho rigoroso, seríssimo e cheio de qualidade e emoção. Uma orquestra segura, com um som rico e boa sintonia com o maestro Marc Tardue. Muito bem tocada a Sinfonia N.8 de Schubert - para mim não falta nada a esta sinfonia, mas enfim, Incompleta será - e o Requiem foi profundo, arrebatador, rigoroso. Parabéns, muitos parabéns a todos.
Quiz O que é a política?
Paulo Portas foi esta noite até à Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa. Assistiu à primeira parte do concerto, preenchida com a Sinfonia Incompleta de Franz Schubert e saíu no intervalo, ou seja, não ficou para assistir ao Requiem pelas Vítimas do Fascismo, de Fernando Lopes-Graça, a obra-título de todo este concerto e a sua primeira razão de ser. Para uma melhor integração no espírito deste pertinente quiz, importa relembrar que Lopes-Graça é um dos nomes maiores da música portuguesa do século XX, da erudita como da popular, e precisamente hoje passaram dez anos sobre a sua morte, aquilo que em muito país civilizado e nem por isso seria uma efeméride nacional. Em Portugal, o Ministro de Estado, dos Submarinos e dos Peixinhos, achou por bem sair ao intervalo. Fica a dúvida a remoer-nos: Porquê?
1._ É um melómano fanático pela música de Schubert e corre, qual groupie alucinada, a ver todos os concertos que pode em que um mero andamento de uma qualquer obra do compositor alemão seja sequer aflorado;
2._ Aconselhou-se com Santana Lopes sobre onde deveria bater palmas e este convenceu-o de que os requieins são obras puramente instrumentais;
3._ Foi enganado pelos seguranças, que lhe disseram que no fim do concerto não se abririam as portas nem se acenderia a luz de sala para dar tempo às altas figuras do Estado de saírem calmamante e em segurança antes do grato povão com a sua adoração, os seus beijos e os seus afagos;
4._ Fez questão de deixar bem clara a diferença entre um compositor e um comuna;
5.- É um daqueles snobs que acham que a banda que fez a primeira parte do concerto é sempre melhor do que as vedetas;
6._ Ouviu as palavras "Vítimas do Fascismo" [por esta ordem específica] e entrou em choque anafilático.
Aceitam-se mais explicações plausíveis e verosímeis para este acontecimento espantoso. Os prémios já conhecem, é a costumeira e procuradíssima estadia no Tarrafal. Se alguém acertar na verdadeira razão para esta piada de mau gosto... bom, o melhor é levar uma toalhita turca, porque a melhor sauna do empreendimento, carinhosamente apelidada de "o buraco", vai estar de portas [temporariamente] abertas à sua espera.
Paulo Portas foi esta noite até à Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa. Assistiu à primeira parte do concerto, preenchida com a Sinfonia Incompleta de Franz Schubert e saíu no intervalo, ou seja, não ficou para assistir ao Requiem pelas Vítimas do Fascismo, de Fernando Lopes-Graça, a obra-título de todo este concerto e a sua primeira razão de ser. Para uma melhor integração no espírito deste pertinente quiz, importa relembrar que Lopes-Graça é um dos nomes maiores da música portuguesa do século XX, da erudita como da popular, e precisamente hoje passaram dez anos sobre a sua morte, aquilo que em muito país civilizado e nem por isso seria uma efeméride nacional. Em Portugal, o Ministro de Estado, dos Submarinos e dos Peixinhos, achou por bem sair ao intervalo. Fica a dúvida a remoer-nos: Porquê?
1._ É um melómano fanático pela música de Schubert e corre, qual groupie alucinada, a ver todos os concertos que pode em que um mero andamento de uma qualquer obra do compositor alemão seja sequer aflorado;
2._ Aconselhou-se com Santana Lopes sobre onde deveria bater palmas e este convenceu-o de que os requieins são obras puramente instrumentais;
3._ Foi enganado pelos seguranças, que lhe disseram que no fim do concerto não se abririam as portas nem se acenderia a luz de sala para dar tempo às altas figuras do Estado de saírem calmamante e em segurança antes do grato povão com a sua adoração, os seus beijos e os seus afagos;
4._ Fez questão de deixar bem clara a diferença entre um compositor e um comuna;
5.- É um daqueles snobs que acham que a banda que fez a primeira parte do concerto é sempre melhor do que as vedetas;
6._ Ouviu as palavras "Vítimas do Fascismo" [por esta ordem específica] e entrou em choque anafilático.
Aceitam-se mais explicações plausíveis e verosímeis para este acontecimento espantoso. Os prémios já conhecem, é a costumeira e procuradíssima estadia no Tarrafal. Se alguém acertar na verdadeira razão para esta piada de mau gosto... bom, o melhor é levar uma toalhita turca, porque a melhor sauna do empreendimento, carinhosamente apelidada de "o buraco", vai estar de portas [temporariamente] abertas à sua espera.
sábado, novembro 27, 2004
Dez anos sem Graça...
Deveria servir esta desova apenas para assinalar a data - a noite de 26 para 27 de Novembro de 1994 - e para vos relembrar dos concertos de hoje e amanhã na Aula Magna da Universidade de Lisboa nos quais se vai apresentar, pela terceira vez em mais de vinte anos, o Requiem pelas Vítimas do Fascismo.
Muito se discutiu, nos comentários ao post que fiz há dias sobre este assunto, acerca do que era política ou deixava de ser. Pois bem, por mais que se lhe queira fugir, não há modo. E a prova é que ontem recebi esta informação estupefacta de um dos solistas da obra, a poucas horas do concerto no Europarque: ao fim de meses de negociações, cedências de direitos e confirmação da gravação para transmissão e arquivo pela RTP, na véspera do concerto o nosso serviço público de televisão informa quem de direito de que a gravação afinal não se efectuará. Justificação? O "responsável máximo" [que ninguém paguece sabegue quem é] não quer "nem ouvir falar nisso" (sic). E pronto, caso encerrado. Mas encerrado de véspera, para que nenhuma outra estação possa lembrar-se de preparar uma transmissão.
Dificilmente se poderia esperar algo que definisse melhor o que vivemos hoje neste país. Habitamos os anexos do quintal de meia-dúzia de fedelhos armados em donos da relva. E parece que não queremos saber de ter o tractor nas mãos... dá muito trabalho, muita chatice, muito agastamento. E nós somos calmos e não gostamos de levantar ondas, a não ser à porta de um tribunal quando não há mais meias para passajar e é preciso ir passar o tempo. Não nos esqueceis: Ovinos, senhor!
Deveria servir esta desova apenas para assinalar a data - a noite de 26 para 27 de Novembro de 1994 - e para vos relembrar dos concertos de hoje e amanhã na Aula Magna da Universidade de Lisboa nos quais se vai apresentar, pela terceira vez em mais de vinte anos, o Requiem pelas Vítimas do Fascismo.
Muito se discutiu, nos comentários ao post que fiz há dias sobre este assunto, acerca do que era política ou deixava de ser. Pois bem, por mais que se lhe queira fugir, não há modo. E a prova é que ontem recebi esta informação estupefacta de um dos solistas da obra, a poucas horas do concerto no Europarque: ao fim de meses de negociações, cedências de direitos e confirmação da gravação para transmissão e arquivo pela RTP, na véspera do concerto o nosso serviço público de televisão informa quem de direito de que a gravação afinal não se efectuará. Justificação? O "responsável máximo" [que ninguém paguece sabegue quem é] não quer "nem ouvir falar nisso" (sic). E pronto, caso encerrado. Mas encerrado de véspera, para que nenhuma outra estação possa lembrar-se de preparar uma transmissão.
Dificilmente se poderia esperar algo que definisse melhor o que vivemos hoje neste país. Habitamos os anexos do quintal de meia-dúzia de fedelhos armados em donos da relva. E parece que não queremos saber de ter o tractor nas mãos... dá muito trabalho, muita chatice, muito agastamento. E nós somos calmos e não gostamos de levantar ondas, a não ser à porta de um tribunal quando não há mais meias para passajar e é preciso ir passar o tempo. Não nos esqueceis: Ovinos, senhor!
Rosa nua, rosa carne
Uma obra-prima, este disco. E finalmente ouvido ao vivo, de fio a pavio, de olhos postos num belíssimo espaço cénico, na vida das luzes e das canções, na presença de excelentes músicos, na voz e no corpo de Manuela Azevedo. Houve espaço para tudo. O mundo de Rosa Carne claramente meado, a face negra e a face luminosa, ou eu ninguém no carrossel dos esquisitos. Se por um lado assistir sentado a um concerto dos Clã é um desafio constante ao autodomínio e um teste contínuo à resistência das cadeiras do auditório, por outro as condições técnicas e o ambiente que uma sala assim nos dá permitiu uma coisa rara nestes espectáculos: o silêncio, a disposição de receber.
O som pregou uma partida à participação do Legendary Tiger Man, mas não há engulho técnico que a convicção não atropele, e o momento Topo de Gama foi, assim, praticamente todo da Manela Azevedo. O público não se chateia nada, é inevitável, de qualquer modo é para ela que os olhares irresistivelmente convergem. O monocórdico Arnaldo Antunes compensa-se na curtição das canções, na inteligência das letras e na presença clownesca: foi o "intervalo do concerto", o espelho estrutural que nos fez passar de Rosa a Carne. Para terminar na tranquilidade.
Terminar não, este era um público à partida vencedor e o troféu foram três encores de Kazoo e Lustro em que finalmente se perdeu a vergonha e se disse adeus às cadeiras do Olga Cadaval, invadindo coxias com pulos e dança. "Manela, és linda!", ouve-se de um balcão, ou muito me engano ou uma voz feminina, só por acaso não foi a minha. O sorriso feliz e... "A música é que é boa". Tens razão Manela, tens toda a razão, mas que seria desta música sem ti? Para mim, este final foi a very thin mint no topo deste festim visceral. Arrancando com o meu amado GTI [Gentle, Tall & Intelligent], mais parecia uma sessão de discos pedidos: O Meu Lado Esquerdo - pois é, pedro, a minha preferida de entre todas -, Sopro do Coração, H2Homem [com direito a coros e coreografia, obviamente], Dançar na Corda Bamba, Problema de Expressão, Sangue Frio... E no fim de tudo, e como este espectáculo será, pelo que sei, editado em dvd, a equipa toda no palco, técnicos, roadies, estilista [e que estilista, meus amigos...], cenógrafo, enfim, os que andam lá por trás para que tudo esteja de pé e sirva e dialogue e se integre naquela generosidade incomparável dos que estão à frente.
A segunda metade do concerto teve sobre si as letras iluminadas com a frase roubada a Amália, a frase que percorre, indizível, todo o disco: Não queiras gostar de mim. Mas este público tem competência para amar. E na música dos Clã, como na voz da Amália, será sempre este um apelo em vão.
Uma obra-prima, este disco. E finalmente ouvido ao vivo, de fio a pavio, de olhos postos num belíssimo espaço cénico, na vida das luzes e das canções, na presença de excelentes músicos, na voz e no corpo de Manuela Azevedo. Houve espaço para tudo. O mundo de Rosa Carne claramente meado, a face negra e a face luminosa, ou eu ninguém no carrossel dos esquisitos. Se por um lado assistir sentado a um concerto dos Clã é um desafio constante ao autodomínio e um teste contínuo à resistência das cadeiras do auditório, por outro as condições técnicas e o ambiente que uma sala assim nos dá permitiu uma coisa rara nestes espectáculos: o silêncio, a disposição de receber.
O som pregou uma partida à participação do Legendary Tiger Man, mas não há engulho técnico que a convicção não atropele, e o momento Topo de Gama foi, assim, praticamente todo da Manela Azevedo. O público não se chateia nada, é inevitável, de qualquer modo é para ela que os olhares irresistivelmente convergem. O monocórdico Arnaldo Antunes compensa-se na curtição das canções, na inteligência das letras e na presença clownesca: foi o "intervalo do concerto", o espelho estrutural que nos fez passar de Rosa a Carne. Para terminar na tranquilidade.
Terminar não, este era um público à partida vencedor e o troféu foram três encores de Kazoo e Lustro em que finalmente se perdeu a vergonha e se disse adeus às cadeiras do Olga Cadaval, invadindo coxias com pulos e dança. "Manela, és linda!", ouve-se de um balcão, ou muito me engano ou uma voz feminina, só por acaso não foi a minha. O sorriso feliz e... "A música é que é boa". Tens razão Manela, tens toda a razão, mas que seria desta música sem ti? Para mim, este final foi a very thin mint no topo deste festim visceral. Arrancando com o meu amado GTI [Gentle, Tall & Intelligent], mais parecia uma sessão de discos pedidos: O Meu Lado Esquerdo - pois é, pedro, a minha preferida de entre todas -, Sopro do Coração, H2Homem [com direito a coros e coreografia, obviamente], Dançar na Corda Bamba, Problema de Expressão, Sangue Frio... E no fim de tudo, e como este espectáculo será, pelo que sei, editado em dvd, a equipa toda no palco, técnicos, roadies, estilista [e que estilista, meus amigos...], cenógrafo, enfim, os que andam lá por trás para que tudo esteja de pé e sirva e dialogue e se integre naquela generosidade incomparável dos que estão à frente.
A segunda metade do concerto teve sobre si as letras iluminadas com a frase roubada a Amália, a frase que percorre, indizível, todo o disco: Não queiras gostar de mim. Mas este público tem competência para amar. E na música dos Clã, como na voz da Amália, será sempre este um apelo em vão.
quinta-feira, novembro 25, 2004
Um cagado todo cagado...*
Recorda-me a Sara que entre Portugal e Brasil se continua a marrar na incompreensível necessidade de um acordo ortográfico. Isto há-de ser sempre um mistério para mim: por que raio é que americanos e ingleses convivem perfeitamente com o facto de uns dizerem/escreverem dinner e outros supper enquanto nós andamos para aqui a discutir se se diz pequeno-almoço ou café da manhã, em batalhas duras multiplicando baixas pelos quatro cantos do mundo? Não entendo esta obsessão com a normalização. Não gosto muito de ler livros de trabalho em "brasileiro", porque não penso em "brasileiro", mas é-me delicioso cantar interiormente as cenas eróticas de Pedro Bala e Dorinha no Amado linguajar bahiano. No que toca à literatura e à poesia, nada me perturba. No que toca ao resto, bom, às vezes tenho de ler em italiano, o que para mim é bem mais complicado e não me queixo.
No seguimento do que escreveu o troblogdita na caixa de comentários mais doce da blogosfera, para fazer frente à hegemonia do português do Brasil, se é esse o objectivo, só traduzindo mais e melhor, trabalhando mais e melhor e tendo preocupações com coisas realmente importantes em vez desta compulsão pela indiferenciação forçada. Enquanto pelas ruas de Lisboa se multiplicarem toldos orgulhosamente abertos ostentando essa bela palavra que é "residêncial", isto dos acordos ortográficos só pode ser anedota.
Sinceramente, senhores, não têm mais nada com que se preocupar? Em tempos também dizíamos ónibus, não tínhamos era que discutir com ninguém sobre o nome de um autocarro.
*a ler, naturalmente, Um cágado todo cagado...
Recorda-me a Sara que entre Portugal e Brasil se continua a marrar na incompreensível necessidade de um acordo ortográfico. Isto há-de ser sempre um mistério para mim: por que raio é que americanos e ingleses convivem perfeitamente com o facto de uns dizerem/escreverem dinner e outros supper enquanto nós andamos para aqui a discutir se se diz pequeno-almoço ou café da manhã, em batalhas duras multiplicando baixas pelos quatro cantos do mundo? Não entendo esta obsessão com a normalização. Não gosto muito de ler livros de trabalho em "brasileiro", porque não penso em "brasileiro", mas é-me delicioso cantar interiormente as cenas eróticas de Pedro Bala e Dorinha no Amado linguajar bahiano. No que toca à literatura e à poesia, nada me perturba. No que toca ao resto, bom, às vezes tenho de ler em italiano, o que para mim é bem mais complicado e não me queixo.
No seguimento do que escreveu o troblogdita na caixa de comentários mais doce da blogosfera, para fazer frente à hegemonia do português do Brasil, se é esse o objectivo, só traduzindo mais e melhor, trabalhando mais e melhor e tendo preocupações com coisas realmente importantes em vez desta compulsão pela indiferenciação forçada. Enquanto pelas ruas de Lisboa se multiplicarem toldos orgulhosamente abertos ostentando essa bela palavra que é "residêncial", isto dos acordos ortográficos só pode ser anedota.
Sinceramente, senhores, não têm mais nada com que se preocupar? Em tempos também dizíamos ónibus, não tínhamos era que discutir com ninguém sobre o nome de um autocarro.
*a ler, naturalmente, Um cágado todo cagado...
quarta-feira, novembro 24, 2004
Hoje não me apetece mesmo nada falar do Santana...
... mas no Parlamento, esse momento de serviço público à meia-noite no nosso canal 2, esteve o deputado do PSD Miguel Frasquilho, personagem que me fascina. A tirada que há-de colocá-lo na história politico-televisiva:
O governo [tem piada, esta, porque não é bem o governo, mas o Estado, o que para estes senhores aparentemente é a mesma coisa...] é detentor apenas de uma Golden Share, o que não influencia o government desta empresa, que é uma empresa bench-marking no mercado [ipsis verbis, meus amigos].
Aaaaa.... eeeeeerrr... queria dizer mesmo, eeer, ah, pois... Nada.
Bom, aposto que o pessoal do departamento de gestão da Católica delirou com esta sua pequena pérola de esclarecimento e devoção aos cânones do iluding para garantir voting. Vamos ver se não é preciso fazer um desculping governamental quando finalmente chegarmos ao definitive terminating da qualidade de first munding que estão sempre a tentar convencer-nos de que Portugal tem. A ver vamos. É uma questão de timing... O que vale é que entretanto o deputado Bruno Dias, do PCP, achou por bem esclarecer-nos quanto ao verdadeiro peso estratégico de uma Golden Share. Desmancha-prazerings estes gajos, pá...*
Compungido e vazio, este senhor ainda chegou a ouvir de mãos postas o Castelo Branco do PP, enquanto acenava beatamente com a cabecinha, num antológico momento de televisão. Outros antológicos momentos de televisão foram aqueles em que o moderador do programa e o deputado do PS acharam que era tão ridículo o que se dizia da ala direita, que nem valia a pena responder: bravo, senhores, já sabemos que vocês são superiores e magnânimos em relação a essas poderosíssimas abéculas, mas isto é televisão com o esclarecimento por objectivo; por favor, desçam à terra e respondam ao que tem de ser respondido, vale?
*Esta secção baseou-se na exaustiva investigação sobre vocabuling levada a cabo pelo Gato nos seus educating programas televisivos. Um grande obrigading a esses grandes senhores.
... mas no Parlamento, esse momento de serviço público à meia-noite no nosso canal 2, esteve o deputado do PSD Miguel Frasquilho, personagem que me fascina. A tirada que há-de colocá-lo na história politico-televisiva:
O governo [tem piada, esta, porque não é bem o governo, mas o Estado, o que para estes senhores aparentemente é a mesma coisa...] é detentor apenas de uma Golden Share, o que não influencia o government desta empresa, que é uma empresa bench-marking no mercado [ipsis verbis, meus amigos].
Aaaaa.... eeeeeerrr... queria dizer mesmo, eeer, ah, pois... Nada.
Bom, aposto que o pessoal do departamento de gestão da Católica delirou com esta sua pequena pérola de esclarecimento e devoção aos cânones do iluding para garantir voting. Vamos ver se não é preciso fazer um desculping governamental quando finalmente chegarmos ao definitive terminating da qualidade de first munding que estão sempre a tentar convencer-nos de que Portugal tem. A ver vamos. É uma questão de timing... O que vale é que entretanto o deputado Bruno Dias, do PCP, achou por bem esclarecer-nos quanto ao verdadeiro peso estratégico de uma Golden Share. Desmancha-prazerings estes gajos, pá...*
Compungido e vazio, este senhor ainda chegou a ouvir de mãos postas o Castelo Branco do PP, enquanto acenava beatamente com a cabecinha, num antológico momento de televisão. Outros antológicos momentos de televisão foram aqueles em que o moderador do programa e o deputado do PS acharam que era tão ridículo o que se dizia da ala direita, que nem valia a pena responder: bravo, senhores, já sabemos que vocês são superiores e magnânimos em relação a essas poderosíssimas abéculas, mas isto é televisão com o esclarecimento por objectivo; por favor, desçam à terra e respondam ao que tem de ser respondido, vale?
*Esta secção baseou-se na exaustiva investigação sobre vocabuling levada a cabo pelo Gato nos seus educating programas televisivos. Um grande obrigading a esses grandes senhores.
terça-feira, novembro 23, 2004
segunda-feira, novembro 22, 2004
Frase do dia
[evocação da minha aula de Estudo de Estilos desta manhã]
Falar sobre música é como dançar sobre arquitectura.
Keith Jarrett
[Alguns professores da ESML ainda precisam de se familiarizar com as maravilhas do hi-fi...]
[evocação da minha aula de Estudo de Estilos desta manhã]
Falar sobre música é como dançar sobre arquitectura.
Keith Jarrett
[Alguns professores da ESML ainda precisam de se familiarizar com as maravilhas do hi-fi...]
Aos invisíveis
Tóquio, Janeiro de 2000
Fotografia de Manel da Truta
A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste
A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissémos
aqui vivemos muitos anos
A noite passada o paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá"
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então tu olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"
Sérgio Godinho, Pré-histórias, 1972
Tóquio, Janeiro de 2000
Fotografia de Manel da Truta
A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste
A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissémos
aqui vivemos muitos anos
A noite passada o paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá"
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então tu olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"
Sérgio Godinho, Pré-histórias, 1972
sábado, novembro 20, 2004
Relembrá-las para que não nos sigamos a elas, relembrá-lo para que não nos esqueçamos de nós
[com o devido agradecimento à Shyznogud]
Dias 27 e 28 de Novembro - respectivamente, às 21h30 e às 19h - o Coro da Universidade de Lisboa, o Coro de Câmara da Universidade de Lisboa e o Coral de Letras da Universidade do Porto vão, com a Orquestra Nacional do Porto e sob a direcção de Marc Tardue, apresentar na Aula Magna da Universidade de Lisboa o Requiem pelas Vítimas do Fascismo, de Fernando Lopes-Graça.
Terceira audição em Portugal, vinte e três anos depois da estreia*, quando a liberdade nos diz todos os dias que precisa de nós para que continue viva, para que cresça. Para que nada disto se repita. Não tenciono faltar à chamada. E vou começar por não faltar a este concerto.
*obrigad@s, jmmmp.
[com o devido agradecimento à Shyznogud]
Dias 27 e 28 de Novembro - respectivamente, às 21h30 e às 19h - o Coro da Universidade de Lisboa, o Coro de Câmara da Universidade de Lisboa e o Coral de Letras da Universidade do Porto vão, com a Orquestra Nacional do Porto e sob a direcção de Marc Tardue, apresentar na Aula Magna da Universidade de Lisboa o Requiem pelas Vítimas do Fascismo, de Fernando Lopes-Graça.
Terceira audição em Portugal, vinte e três anos depois da estreia*, quando a liberdade nos diz todos os dias que precisa de nós para que continue viva, para que cresça. Para que nada disto se repita. Não tenciono faltar à chamada. E vou começar por não faltar a este concerto.
*obrigad@s, jmmmp.
Os mais finos valores, os mais duros labores
O Governo do Dr. Santana Lopes e a Ministra da Cultura Dr.ª Maria João Bustorff serão portanto os responsáveis por concretizarem aquilo que sucessivos Governos têm vindo a anunciar – a quebra irreparável na continuidade do desenvolvimento da criação artística em Portugal, que poderá levar muitos dos nossos artistas, nomeadamente na área da dança contemporânea, a sair do país.
Um país que não respeita os seus artistas, os seus cientistas, os seus professores é certamente um país sem futuro.
É importante não esquecer então que a água que sustenta o barco também o pode virar. É essa a metáfora que nos interessa, não o mito de Tântalo. Ou seja, vão lá, leiam e assinem.
Para mais reflexões sobre a forma como se pode resistir à descaracterização de um país do qual se suga a passos largos a identidade das comunidades que o constituem, aconselho vivamente este artigo de Augusto Santos Silva do qual não resisto a citar a última alínea:
(...)o mesmo Governo que havia invocado a Alta- Autoridade para impedir a fiscalização parlamentar do caso Marcelo chama-lhe agora um "cadáver". Eis, pois, a teoria constitucional do santanismo: sim à liberdade de opinião, se não for contra nós; sim à independência dos órgãos de regulação, se deliberarem a nosso favor. E ainda há quem se sinta descansado....
O Governo do Dr. Santana Lopes e a Ministra da Cultura Dr.ª Maria João Bustorff serão portanto os responsáveis por concretizarem aquilo que sucessivos Governos têm vindo a anunciar – a quebra irreparável na continuidade do desenvolvimento da criação artística em Portugal, que poderá levar muitos dos nossos artistas, nomeadamente na área da dança contemporânea, a sair do país.
Um país que não respeita os seus artistas, os seus cientistas, os seus professores é certamente um país sem futuro.
É importante não esquecer então que a água que sustenta o barco também o pode virar. É essa a metáfora que nos interessa, não o mito de Tântalo. Ou seja, vão lá, leiam e assinem.
Para mais reflexões sobre a forma como se pode resistir à descaracterização de um país do qual se suga a passos largos a identidade das comunidades que o constituem, aconselho vivamente este artigo de Augusto Santos Silva do qual não resisto a citar a última alínea:
(...)o mesmo Governo que havia invocado a Alta- Autoridade para impedir a fiscalização parlamentar do caso Marcelo chama-lhe agora um "cadáver". Eis, pois, a teoria constitucional do santanismo: sim à liberdade de opinião, se não for contra nós; sim à independência dos órgãos de regulação, se deliberarem a nosso favor. E ainda há quem se sinta descansado....
sexta-feira, novembro 19, 2004
Memórias em vinil dedicadas à Vermelha...
Dão nas vistas em qualquer lugar
Jogando com as palavras como ninguém
Sabem como hão-de contornar
As mais directas perguntas
Aproveitam todo o espaço
Que lhes oferecem na rádio e nos jornais*
E falam com desembaraço
Como se fossem formados em falar demais
Demagogia feita à maneira
é como queijo numa ratoeira
P'ra levar a água ao seu moinho
Têm nas mãos uma lata descomunal
Prometem muito pão e vinho
Quando abre a caça eleitoral
Desde que se vêem no poleiro
São atacados de amnésia total
Desde o último até ao Primeiro
Vão-se curar em banquetes, numa social
Demagogia feita à maneira
é como queijo numa ratoeira
letra e música, Luís Pedro Fonseca
do álbum Perto de ti, Lena d'Água e Atlântida
*na rádio, na tv, nos jornais... quanto mais se fala, menos se vê...
Dão nas vistas em qualquer lugar
Jogando com as palavras como ninguém
Sabem como hão-de contornar
As mais directas perguntas
Aproveitam todo o espaço
Que lhes oferecem na rádio e nos jornais*
E falam com desembaraço
Como se fossem formados em falar demais
Demagogia feita à maneira
é como queijo numa ratoeira
P'ra levar a água ao seu moinho
Têm nas mãos uma lata descomunal
Prometem muito pão e vinho
Quando abre a caça eleitoral
Desde que se vêem no poleiro
São atacados de amnésia total
Desde o último até ao Primeiro
Vão-se curar em banquetes, numa social
Demagogia feita à maneira
é como queijo numa ratoeira
letra e música, Luís Pedro Fonseca
do álbum Perto de ti, Lena d'Água e Atlântida
*na rádio, na tv, nos jornais... quanto mais se fala, menos se vê...
quarta-feira, novembro 17, 2004
Momento vegetal amarelo em quarto de hotel
Repetição do Herman SIC, esse bastião da televisão sem substância e do narcisismo de alguém que já foi um grande comediante, ontem à noite, não sei por alma de quem. Em entrevista, José Pedro Gomes, Pedro Laginha e Carlos Paca, actores da peça Laranja Azul. Extractos interessantes:
Herman: Então, tu [Zé Pedro Gomes] és psiquiatra e temos o maluco branco e o maluco preto?...
José Pedro Gomes: Não, temos o maluco preto e os dois médicos brancos... que também não batem muito bem da mona. [risos]
(...)
Pedro Laginha: Já é a segunda que faço com o Zé Pedro, de seguida... não é para qualquer um. [risos]
H: Qualquer dia temos um casal assumido nas revistas...
JPG: Nós dois e o nosso maluco com a sua laranja. Vai-se a ver e ele ainda é nosso filho.
H: Pois, ficou foi tempo demais no forno e saíu um bocado queimado...
[risos amarelos]
(...)
Carlos Paca [irónico]: Afro-português, já não se diz "preto".
H [a ironia a passar-lhe toda ao lado, a ofensazita de lhe terem respondido a emergir, vitoriosa]: Pois, eu acho que só os racistas é que procuram formas de amenizar. Quem não é racista diz preto, percebeste, ó preto? Vá, pirem-se lá daqui.
Mas se o Herman fala verdade e não é racista, então esta tristeza só vem confirmar aquilo que a patética conversa com Cláudia Jardim acerca do espectáculo Urgências confrangedoramente mostrou: Herman José, ao contrário do que muitos dos seus trabalhos poderiam fazer pensar, é um homem triste e básico que não tem a noção das consequências das suas palavras e acha normal discorrer longamente e recorrentemente sobre características físicas da pessoa que tem à frente. Na minha terra isso tem um nome, falta de respeito. Na minha cabeça tem outros: tacanhez, mesquinhez, estupidez. E tenho pena, acreditem que tenho.
Repetição do Herman SIC, esse bastião da televisão sem substância e do narcisismo de alguém que já foi um grande comediante, ontem à noite, não sei por alma de quem. Em entrevista, José Pedro Gomes, Pedro Laginha e Carlos Paca, actores da peça Laranja Azul. Extractos interessantes:
Herman: Então, tu [Zé Pedro Gomes] és psiquiatra e temos o maluco branco e o maluco preto?...
José Pedro Gomes: Não, temos o maluco preto e os dois médicos brancos... que também não batem muito bem da mona. [risos]
(...)
Pedro Laginha: Já é a segunda que faço com o Zé Pedro, de seguida... não é para qualquer um. [risos]
H: Qualquer dia temos um casal assumido nas revistas...
JPG: Nós dois e o nosso maluco com a sua laranja. Vai-se a ver e ele ainda é nosso filho.
H: Pois, ficou foi tempo demais no forno e saíu um bocado queimado...
[risos amarelos]
(...)
Carlos Paca [irónico]: Afro-português, já não se diz "preto".
H [a ironia a passar-lhe toda ao lado, a ofensazita de lhe terem respondido a emergir, vitoriosa]: Pois, eu acho que só os racistas é que procuram formas de amenizar. Quem não é racista diz preto, percebeste, ó preto? Vá, pirem-se lá daqui.
Mas se o Herman fala verdade e não é racista, então esta tristeza só vem confirmar aquilo que a patética conversa com Cláudia Jardim acerca do espectáculo Urgências confrangedoramente mostrou: Herman José, ao contrário do que muitos dos seus trabalhos poderiam fazer pensar, é um homem triste e básico que não tem a noção das consequências das suas palavras e acha normal discorrer longamente e recorrentemente sobre características físicas da pessoa que tem à frente. Na minha terra isso tem um nome, falta de respeito. Na minha cabeça tem outros: tacanhez, mesquinhez, estupidez. E tenho pena, acreditem que tenho.
Hoje estou sentimental...
Por norma não gosto de referir aqui nomes completos de pessoas com quem tenho alguma ligação próxima, pessoal e/ou profissional. Mas hoje não quero saber, apetece-me gritar ao mundo [que bonito, são assim, as paixões...] que o Jeff Cohen, o João Henriques e o Ricardo Pais são as pessoas com quem eu mais gosto de trabalhar neste país, senão no mundo [o meu, pelo menos]. E pronto.
P.S.
Eu não digo que quando venho ao Porto está sempre um sol maravilhoso?...
Por norma não gosto de referir aqui nomes completos de pessoas com quem tenho alguma ligação próxima, pessoal e/ou profissional. Mas hoje não quero saber, apetece-me gritar ao mundo [que bonito, são assim, as paixões...] que o Jeff Cohen, o João Henriques e o Ricardo Pais são as pessoas com quem eu mais gosto de trabalhar neste país, senão no mundo [o meu, pelo menos]. E pronto.
P.S.
Eu não digo que quando venho ao Porto está sempre um sol maravilhoso?...
segunda-feira, novembro 15, 2004
A propósito das maravilhas com que se prolonga um quinto grau antes da resolução no final do primeiro andamento da 1.ªSinfonia.
Antes de no ocidente se falar em sexo tântrico, já existia Beethoven...
Antes de no ocidente se falar em sexo tântrico, já existia Beethoven...
A idade, a idade... [parece-me que já li uma coisa parecida...]
Hoje de manhã fui a mais um casting, ossos do ofício... O descritivo falava de "uma rapariga de 30-35 anos". Por um lado, com 28 anos já caibo, para o écran, na faixa dos 30-35. A boa notícia é que pelo menos até aos 35, 11 meses e 30 dias, ainda somos raparigas...
Hoje de manhã fui a mais um casting, ossos do ofício... O descritivo falava de "uma rapariga de 30-35 anos". Por um lado, com 28 anos já caibo, para o écran, na faixa dos 30-35. A boa notícia é que pelo menos até aos 35, 11 meses e 30 dias, ainda somos raparigas...
sábado, novembro 13, 2004
quinta-feira, novembro 11, 2004
Um hurra! pela vitória do BEM...
...ou, como diz o Miguel, pela preferência por homens de bigodinho.
"O Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, recebeu ontem o ex-primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, numa entrevista sublinhada pelos analistas como longa, quando não só ignorou como não retribuiu as felicitações pela reeleição que lhe dirigiu o actual chefe do Governo de Madrid, José Luís Zapatero."
visto no Resistente
...ou, como diz o Miguel, pela preferência por homens de bigodinho.
"O Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, recebeu ontem o ex-primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, numa entrevista sublinhada pelos analistas como longa, quando não só ignorou como não retribuiu as felicitações pela reeleição que lhe dirigiu o actual chefe do Governo de Madrid, José Luís Zapatero."
visto no Resistente
quarta-feira, novembro 10, 2004
Parabéns, camarada Barreirinhas!
ou
Queriam posts? Agora não se queixem...
ou
Desova mesmo a pedir para o pessoal do costume vir sobre diferentes nicks deixar o seu veneno, que está sempre doidinho por espichar [a caixa está aberta, pessoal!]
Tive o prazer de falar contigo três vezes - bom, não vamos contar o facto de me teres visto em vários estádios, dos cueiros à infância e finalmente à voluntariosa adolescência, ambos sabemos que não passa de uma herança de família [e eu não sou nada patriarcal...] e para ti poderá ser, se ainda restarem imagens, sons ou palavras, uma pequeníssima memória. Prazer, é mesmo a palavra. Não digo privilégio, pois se para mim, há mais de dez anos atrás, foi tão fácil chegar a ti e conversar, não posso chamar privilégio a algo que era tão acessível. Seria mentira. Nunca foste um mito, ou melhor, nunca te comportaste como se tal tivesse qualquer importância. Sonhaste e seguiste o teu sonho, esbarrando e tacteando, como todos nós. Pensaste, criaste, lutaste, partilhaste. Um homem do renascimento que a luta proletária engoliu sem apelo - no (in)consciente colectivo português, pelo menos. Fazes-me pensar, tu e pessoas como tu, Álvaro, nas escolhas que fazemos e nos porquês de as fazermos, em como somos tão livres e tão limitados. Fazes-me pensar, olhando hoje em volta, em qual dos braços é mais forte, o da pena ou o da espada, o do pensamento ou o da acção. Fazes-me pensar se teremos nós, humanos, intrinsecamente, a capacidade de viver sempre de acordo com o que consideramos digno e justo, pesem embora os limites da consciência, dos dias e das horas. Fazes-me pensar no que é mais urgente, a luta ou a arte, e no que as distingue realmente.
Foi um prazer, sempre, conversar contigo. Foi um prazer olhar-te nos olhos e ver sempre brilho, curiosidade, empatia, inteligência. Ouvir-te falar, falar contigo e ver que me ouvias, que olhavas atento para uma miúda no fim do secundário que sentia o peso do mundo todo nos ombros. Acho que é isso que nunca esquecerei. Os nossos caminhos não são o mesmo, mas sem o teu não sei se este meu atalho seria o que é. Aliás, sei. Seria outro, Forçosamente, seria outro.
Hoje fizeste noventa e um anos. Mas nunca mais me cruzei contigo, vives na tua simplicidade, no teu canto, quando morreres a diferença quase não se sentirá. Mas às vezes entristece-me saber que não me despedirei de ti.
Parabéns, camarada.
ou
Queriam posts? Agora não se queixem...
ou
Desova mesmo a pedir para o pessoal do costume vir sobre diferentes nicks deixar o seu veneno, que está sempre doidinho por espichar [a caixa está aberta, pessoal!]
Tive o prazer de falar contigo três vezes - bom, não vamos contar o facto de me teres visto em vários estádios, dos cueiros à infância e finalmente à voluntariosa adolescência, ambos sabemos que não passa de uma herança de família [e eu não sou nada patriarcal...] e para ti poderá ser, se ainda restarem imagens, sons ou palavras, uma pequeníssima memória. Prazer, é mesmo a palavra. Não digo privilégio, pois se para mim, há mais de dez anos atrás, foi tão fácil chegar a ti e conversar, não posso chamar privilégio a algo que era tão acessível. Seria mentira. Nunca foste um mito, ou melhor, nunca te comportaste como se tal tivesse qualquer importância. Sonhaste e seguiste o teu sonho, esbarrando e tacteando, como todos nós. Pensaste, criaste, lutaste, partilhaste. Um homem do renascimento que a luta proletária engoliu sem apelo - no (in)consciente colectivo português, pelo menos. Fazes-me pensar, tu e pessoas como tu, Álvaro, nas escolhas que fazemos e nos porquês de as fazermos, em como somos tão livres e tão limitados. Fazes-me pensar, olhando hoje em volta, em qual dos braços é mais forte, o da pena ou o da espada, o do pensamento ou o da acção. Fazes-me pensar se teremos nós, humanos, intrinsecamente, a capacidade de viver sempre de acordo com o que consideramos digno e justo, pesem embora os limites da consciência, dos dias e das horas. Fazes-me pensar no que é mais urgente, a luta ou a arte, e no que as distingue realmente.
Foi um prazer, sempre, conversar contigo. Foi um prazer olhar-te nos olhos e ver sempre brilho, curiosidade, empatia, inteligência. Ouvir-te falar, falar contigo e ver que me ouvias, que olhavas atento para uma miúda no fim do secundário que sentia o peso do mundo todo nos ombros. Acho que é isso que nunca esquecerei. Os nossos caminhos não são o mesmo, mas sem o teu não sei se este meu atalho seria o que é. Aliás, sei. Seria outro, Forçosamente, seria outro.
Hoje fizeste noventa e um anos. Mas nunca mais me cruzei contigo, vives na tua simplicidade, no teu canto, quando morreres a diferença quase não se sentirá. Mas às vezes entristece-me saber que não me despedirei de ti.
Parabéns, camarada.
quinta-feira, novembro 04, 2004
Dúvida
Há anos que me acompanham diversas dúvidas sobre o que torna democrática uma eleição - ou um referendo. Face a mais um capítulo na história dos mastins da democraciazinha, atrevo-me a perguntar novamente: o que raio existe de democrático nesta eleição?
Uma coisa me consola: o problema dos americanos não é estupidez, antes uma questão logística.
Há anos que me acompanham diversas dúvidas sobre o que torna democrática uma eleição - ou um referendo. Face a mais um capítulo na história dos mastins da democraciazinha, atrevo-me a perguntar novamente: o que raio existe de democrático nesta eleição?
Uma coisa me consola: o problema dos americanos não é estupidez, antes uma questão logística.
Para lá do espelho
Os meus neurónios devem andar a correr, fazendo requisições e requisições de dopaminas para manter cá o Manel minimamente próprio para consumo. Ou seja, não ando enervado, não tenho gritado com ninguém, cruzei-me com pessoas de quem gosto, passei a parte mais significativa do dia a sorrir. Excelente balanço para um day after. Tentei esquecer-me de que o mundo está pendurado num arbusto, mas os olhos mantiveram-se abertos para os porquês. E é definitivo: vivo numa cidade para lá do espelho, capital orgulhosa do reino de copas. Na estação de metro do Campo Pequeno dá-se início ao passeio por mais esta província da larga Oceania - os écrans estão vazios, mas a música compulsiva a cada dia está mais alta e agressiva. Eustáquio encolhe-se sob a impertinente má qualidade do som e o cérebro tenta resistir ao entorpecimento defensivo que quer alastrar. You can run, but you can't hide, Big Brother has its own well-aimed playlist. Só apetece gritar: POR FAVOR, SÃO DEZ DA MANHÃ E ESTA MERDA NÃO TEM BOLA DE ESPELHOS!!!
O metro é um aquário. Temos tudo. Velhos novos e assim assim, cegos aleijados e assim assim de esmola feita rotina diária e sobrevivente, gente de olhos no chão, gente de olhos gentis, gente de olhos feios, gente de olhos invasores. Gente que se marimba para os avisos de que não se pode fumar nas estações de metro. Gente que vive da fuçanguice de passar à frente, empurrar, empatar, barrar saídas como se vivesse só ou o mundo só para si. Gente que se cala, gente que responde. E vários takes da mesma cena e cenas especiais. Na linha do meu olhar estão um homem e uma mulher jovens, de pé, alapados um ao outro, olhando-se, falando, beijando-se, sorrindo, cientes de que nós em volta não existimos realmente, só eles. Mais o homem que a mulher, que por um momento se apercebe de que está a ser observada e começa a dividir um pouco a sua atenção. Cá está um ponto em que o desenvolvido sexto-sentido feminino só atrapalha. Concentra-te lá na tua vida, rapariga, que te importa o que eu possa estar a pensar? De qualquer modo agora fazes parte de um plano maior, pois à minha frente senta-se um casal no início da terceira idade. Falam ao ouvido um do outro, mas não são juras de amor, senão um recurso para não terem de berrar para se ouvirem na carruagem apinhada. Momento formidável, esta diagonal entre estes dois casais. Um parece o resultado do outro, não sei é qual é a fonte qual é o produto. A mulher sentada à minha frente tem um rosto gravado de escura perplexidade, o olhar dorido, as mãos sem parar de se torcer lenta e mutuamente. Olho para as minhas mãos, são finas, como as dela, mas a pele está limpa de manchas e do azul forte das veias. Re-olho as suas - o retrato antecipado das minhas. E sorrio. São bonitas, aquelas mãos. Mais bonitas seriam se não se torcessem tanto. Ora cá está algo, se nada mais houver, que está no meu poder evitar, se não tudo, pelo menos o mais importante - que tremam as minhas mãos velhas, mas que não se torçam e serei uma velha feliz.
Passar na Catarina e no Zé para almoçar e recolher a correspondência que ainda vai para a morada antiga e que estes meus eternos vizinhos do café fazem o favor de guardar para mim. Está mau, isto. Comida boa, preços jeitosos e à uma e meia da tarde a sala vazia. A Catarina encolhe os ombros, desalentada. Quando parece que está a estabelecer-se um padrão, muda tudo. Isto está difícil para toda a gente, é a verdade, não é? E o outro ganhou as eleições. O mundo está do avesso, se bem que não creio alguma vez ter visto o direito. Acho que isto é double face.
Tempo para matar, avenida para descer a pé. Está difícil. Mais tarde lerei no Público que é na Liberdade que se respira pior em Lisboa. Cá para mim não há beco que destrone a Barão Rainha do Escape Sabrosa, mas os senhores dos medidores lá saberão. E se querem saber, faz todo o sentido que por cá se respire mal na Liberdade. Começa a parecer-me que não temos de facto muito apreço por ela, é justo que não se respire. Não vamos nós ficar mal habituados. Frente à Estação do Rossio tenho de correr a pontapé um sabujo do Clube Midas que, abusando da minha dificuldade em ao terceiro "Não" ignorado voltar as costas a quem quer que seja, quer morder-me as canelas e arrastar-me à força para um "esclarecimento sobre os produtos na área do Conforto, Saúde e Inovação [hã?]" disponibilizados pelos capatazes dos seus capatazes. Vendo o sabujo em dificuldades, o capataz ataca e tem de levar com um inquérito sobre cultura cinéfila: Já viu Os pássaros, do Hitchcock? É o que a vossa abordagem me faz lembrar. A resposta que levo é que vi o filme demasiadas vezes. Despeço-me com uma leve gargalhada amarela [sim, também as há] a pensar para comigo que pelos vistos vi o filme vezes de menos, ou nem sequer estaria a ter esta estúpida conversa.
E pela segunda vez hoje o Chiado, o Bairro, a Bica, a aldeia onde há tantos anos vivo e nunca morei. Despachadas as tarefas da tarde, reafundo-me no metro. O cinzento adensa-se e no topo das escadas rolantes, abrigado dos inconstantes aguaceiros, o violoncelista que por vezes se apresenta no décor fornecido pela Benetton do Ramiro Leão toca o tema d'A lista de Schindler. Surreal, quando me preparo para me juntar ao rebanho que se empurra nas escadas rolantes, bloqueadas a meio por um grupo de miúdas aparentemente ligadas por um invisível e enervante cordão umbilical, provavelmente feito de meias Calzedonia. O problema destas situações é que para não se ser desagradável é preciso respirar fundo. E respirando fundo inala-se o todo o fumo lançado para o ar pelas ditas meninas. Felizmente tenho um apressado que à minha frente vai resmungando "com licença" e eu só tenho de aproveitar o corredor da morte por ele aberto.
E agora aqui estou, passando despercebido à rainha de copas, escrevendo às vezes por meias palavras. Que é para me ir habituando.
Os meus neurónios devem andar a correr, fazendo requisições e requisições de dopaminas para manter cá o Manel minimamente próprio para consumo. Ou seja, não ando enervado, não tenho gritado com ninguém, cruzei-me com pessoas de quem gosto, passei a parte mais significativa do dia a sorrir. Excelente balanço para um day after. Tentei esquecer-me de que o mundo está pendurado num arbusto, mas os olhos mantiveram-se abertos para os porquês. E é definitivo: vivo numa cidade para lá do espelho, capital orgulhosa do reino de copas. Na estação de metro do Campo Pequeno dá-se início ao passeio por mais esta província da larga Oceania - os écrans estão vazios, mas a música compulsiva a cada dia está mais alta e agressiva. Eustáquio encolhe-se sob a impertinente má qualidade do som e o cérebro tenta resistir ao entorpecimento defensivo que quer alastrar. You can run, but you can't hide, Big Brother has its own well-aimed playlist. Só apetece gritar: POR FAVOR, SÃO DEZ DA MANHÃ E ESTA MERDA NÃO TEM BOLA DE ESPELHOS!!!
O metro é um aquário. Temos tudo. Velhos novos e assim assim, cegos aleijados e assim assim de esmola feita rotina diária e sobrevivente, gente de olhos no chão, gente de olhos gentis, gente de olhos feios, gente de olhos invasores. Gente que se marimba para os avisos de que não se pode fumar nas estações de metro. Gente que vive da fuçanguice de passar à frente, empurrar, empatar, barrar saídas como se vivesse só ou o mundo só para si. Gente que se cala, gente que responde. E vários takes da mesma cena e cenas especiais. Na linha do meu olhar estão um homem e uma mulher jovens, de pé, alapados um ao outro, olhando-se, falando, beijando-se, sorrindo, cientes de que nós em volta não existimos realmente, só eles. Mais o homem que a mulher, que por um momento se apercebe de que está a ser observada e começa a dividir um pouco a sua atenção. Cá está um ponto em que o desenvolvido sexto-sentido feminino só atrapalha. Concentra-te lá na tua vida, rapariga, que te importa o que eu possa estar a pensar? De qualquer modo agora fazes parte de um plano maior, pois à minha frente senta-se um casal no início da terceira idade. Falam ao ouvido um do outro, mas não são juras de amor, senão um recurso para não terem de berrar para se ouvirem na carruagem apinhada. Momento formidável, esta diagonal entre estes dois casais. Um parece o resultado do outro, não sei é qual é a fonte qual é o produto. A mulher sentada à minha frente tem um rosto gravado de escura perplexidade, o olhar dorido, as mãos sem parar de se torcer lenta e mutuamente. Olho para as minhas mãos, são finas, como as dela, mas a pele está limpa de manchas e do azul forte das veias. Re-olho as suas - o retrato antecipado das minhas. E sorrio. São bonitas, aquelas mãos. Mais bonitas seriam se não se torcessem tanto. Ora cá está algo, se nada mais houver, que está no meu poder evitar, se não tudo, pelo menos o mais importante - que tremam as minhas mãos velhas, mas que não se torçam e serei uma velha feliz.
Passar na Catarina e no Zé para almoçar e recolher a correspondência que ainda vai para a morada antiga e que estes meus eternos vizinhos do café fazem o favor de guardar para mim. Está mau, isto. Comida boa, preços jeitosos e à uma e meia da tarde a sala vazia. A Catarina encolhe os ombros, desalentada. Quando parece que está a estabelecer-se um padrão, muda tudo. Isto está difícil para toda a gente, é a verdade, não é? E o outro ganhou as eleições. O mundo está do avesso, se bem que não creio alguma vez ter visto o direito. Acho que isto é double face.
Tempo para matar, avenida para descer a pé. Está difícil. Mais tarde lerei no Público que é na Liberdade que se respira pior em Lisboa. Cá para mim não há beco que destrone a Barão Rainha do Escape Sabrosa, mas os senhores dos medidores lá saberão. E se querem saber, faz todo o sentido que por cá se respire mal na Liberdade. Começa a parecer-me que não temos de facto muito apreço por ela, é justo que não se respire. Não vamos nós ficar mal habituados. Frente à Estação do Rossio tenho de correr a pontapé um sabujo do Clube Midas que, abusando da minha dificuldade em ao terceiro "Não" ignorado voltar as costas a quem quer que seja, quer morder-me as canelas e arrastar-me à força para um "esclarecimento sobre os produtos na área do Conforto, Saúde e Inovação [hã?]" disponibilizados pelos capatazes dos seus capatazes. Vendo o sabujo em dificuldades, o capataz ataca e tem de levar com um inquérito sobre cultura cinéfila: Já viu Os pássaros, do Hitchcock? É o que a vossa abordagem me faz lembrar. A resposta que levo é que vi o filme demasiadas vezes. Despeço-me com uma leve gargalhada amarela [sim, também as há] a pensar para comigo que pelos vistos vi o filme vezes de menos, ou nem sequer estaria a ter esta estúpida conversa.
E pela segunda vez hoje o Chiado, o Bairro, a Bica, a aldeia onde há tantos anos vivo e nunca morei. Despachadas as tarefas da tarde, reafundo-me no metro. O cinzento adensa-se e no topo das escadas rolantes, abrigado dos inconstantes aguaceiros, o violoncelista que por vezes se apresenta no décor fornecido pela Benetton do Ramiro Leão toca o tema d'A lista de Schindler. Surreal, quando me preparo para me juntar ao rebanho que se empurra nas escadas rolantes, bloqueadas a meio por um grupo de miúdas aparentemente ligadas por um invisível e enervante cordão umbilical, provavelmente feito de meias Calzedonia. O problema destas situações é que para não se ser desagradável é preciso respirar fundo. E respirando fundo inala-se o todo o fumo lançado para o ar pelas ditas meninas. Felizmente tenho um apressado que à minha frente vai resmungando "com licença" e eu só tenho de aproveitar o corredor da morte por ele aberto.
E agora aqui estou, passando despercebido à rainha de copas, escrevendo às vezes por meias palavras. Que é para me ir habituando.