ImpressõesGaugin no Meco - sobretudo o lado mais à direita, mais propriamente aquela linda morena reclinada...
...e Degas na Comuna. Ou no
Red Light District, eheheh.
Fotografias de Manel da Truta
Olha, outro...Depois de me ter entusiasmado com momentos do seu discurso em Viseu, Manuel Alegre preferiu ficar no "nim", e ainda lançou um arrogante "eu acho que estou a falar português" ao jornalista da TVI que lhe tentou arrancar uma resposta clara. Não, não está a falar português, eu como eleitora gostava de perceber se ele está a ponderar sobre essa tal divisão da esquerda da qual não quer ser responsável ou se pura e simplesmente fica no recato. Eu, que penso que essa divisão da pseudo-esquerda é necessária, senão essencial, para se sair deste trágico marasmo, para se clarificar campos, opções e prioridades, para defender o regime democrático [ou o que dele conseguimos alcançar até agora], não gostei mesmo nada da conclusão de um discurso que parecia corajoso. Mas gostava que houvesse candidatura.
Che sera, sera... Da actuação de Manuel Alegre de hoje em diante se verá se o que disse eram meras palavras. Porque o que disse foi bastante.
"Tocrir", "amine" e "amatasmar"
Ou o meu léxico anda gravemente diminuído e não fazia ideia que estas palavras existiam ou a senhora que estava ao meu lado no metro a fazer palavras cruzadas é uma grande batoteira...
Milonga portuguesaCafé-Teatro da Comuna, Lisboa, 28 para 29 de Agosto de 2005
Fotografia de Manel da TrutaE a festa foi indo, pela noite dentro. O povo foi rindo, comendo, bebendo, fumando, brindando, dançando. A boa onda era tão forte, que até amigos desavindos se reencontraram num abraço e nas reviravoltas alucinantes pelo soalho fora. Assim entrei no meu trigésimo ano, rodeada do meu clã, de amigos e de alguns amigos de amigos, despedindo-me de um espectáculo que, em graus diferentes, marcou cada um dos presentes. Lavei a alma. Estou pronta. Venham mais trinta.
E já cá cantam 29.Maternidade das Portas Azuis, Oeiras
28 de Agosto de 1976
Fotografia do meu pai, que é tão Manel como eu próprio. Ou mais até...E mais um espectáculo, o penúltimo, cheio. De público e de tudo o resto de que o teatro nos faz transbordar. E o público de pé, os diferentes olhares rendidos, felizes, emocionados, gratos até. E os amigos, tantos e tão aconchegados no coração. Estou muito feliz. Estou a ficar uma senhora, coisa que sei que nunca vou ser. E quanto mais certo isso me parece, mais se me rasga o sorriso e mais feliz estou com os meus quase trinta anos.
É bom chegar assim aos 29. E não há nada que o pague: o amor pelo que faço, a consciência tranquila e a gente especial e generosa que quero por perto e que me quer por perto. Nomeadamente as três peixinhas tão diferentes - e tão iguais no afecto, na partilha, na intensidade de amores e ódios - com quem mergulho há quase dois anos neste espaço. Não sei - nem quero - dar outras graças que não às pessoas que me enchem a vida e a alma. Por tudo, obrigad@.
Dou por mim a pensar como será...Acordar estremunhado e quente sem que o corpo ao lado se insinue e perceber que a chama interior não passa de uma vã metáfora, comparada com o inferno que se constrói lá fora, sobre a caruma seca e as pinhas caídas. Ver voar botijas de gás e tombar copas e vigas que asseguram que não dormes, e que, ao contrário de nos sonhos afoitamente despertos antes da queda, não sabes se sairás vivo nem quantos vivos sairão contigo.
Dou por mim a pensar como será ver as chamas irromperem pelas vidas, pelas casas, e enfim
pela cidade. A pensar que as lágrimas de revolta frente a um écran nunca evaporarão antes de percorrerem a curva dos lábios, nem que lá fora o termómetro marque quarenta à sombra.
Dou por mim a pensar no que restará. Para além de uma bravura
démodée e
não necessariamente fardada que enfrenta o perigo para tentar salvar o que está condenado pela irresponsabilidade, pela incompetência, pela ganância, pelo crime. E que a minha admiração pelos que se fazem a uma mata em chamas crescerá sempre na razão inversa do meu desprezo pelos criminosos. Os activos e os passivos.
Gostei...Miúdas, cuidado, chegou o galã!
You're Aramis! The feisty fighter who's also a fierce warrior on the battlefield of love. Poet, swordsman and incurable romantic, you are intensely religious: when you kill someone, you always remember to pray for their soul.
Which Muskehound are you?
Ai vant tu drrrink iór blód...Foto e ideia vergonhosamente - ou antes, respeitosamente - roubadas ao Boss [se bem que a nossa Rena se fica pelos répteis pré-históricos nas suas sugestões, o que é bem mais simpático que os vampirovskis em noite de Walpurgis... e de facto assim de repente até parece aquele simpático e divertido lagarto corredor que vive no deserto. Mas aquela cara não engana ninguém...]
A minha favorita... eheheh!
You're Milady, the Countess de Winter! Mistress of disguise and deception, poisoner, traitor, you always make sure you're on the winning side. Being gorgeous and female helps you soften up your foes for the kill. Meow!
Which Muskehound are you?(ok, tive de dar umas quantas respostas mazinhas...)
Roubado à Pollie
Duende de lamaMeco, Agosto de 2005
Fotografia de Manel da Truta
Eu não consiiiiiiiiiiigooooooo...Estou prestes a deixar de andar de metro só para não ouvir mais a Rita Guerra.
Coloquem os vossos ouvidos ao serviço da ciênciaEstes rapazes do MIT estão a fazer um estudo sobre a diferente percepção que cada um de nós tem da música, se essa diferença é resultante da cultura, idade, estudos musicais, etc. e agradecem a vossa participação.
Clicar aqui!
Cena X, take 5Os colonatos de Gaza e da Samaria estão finalmente a ser desmantelados, espoleta de emoção para os que saem, esperança de paz para dois países. Depois do ódio ter novamente acordado, com os disparos que mataram Itzhak Rabin e o irromper de Sharon pela Esplanada das Mesquitas, para prosseguir o seu negro rol de mártires por uma terra farpada. O
fim dos colonatos alarga o que era uma mera nesga de luz. O futuro de israelitas e palestinianos parece, novamente, possível. Para os colonos que a custo saem, de hoje em diante só pode melhorar.
A ler, acerca destes mesmos colonos - ou antes, acerca da natureza humana -
este post desse blogue tão particular e humano que é a
Rua da Judiaria. Shalom, Nuno.
Pequenos pormenores que não abalam a consciência de uma sociedade democráticaJean Charles Menezes, com o seu casaco de ganga, abatido à queima-roupa pela polícia no metropolitano de Londres há cerca de um mês, fotografia do The GuardianDe acordo com documentos obtidos pela ITV News junto do Independent Police Complaints Commission [IPPC], que está a investigar o tiroteio, o sr. de Menezes foi filmado pelas câmaras de segurança entrando na estação a um passo normal e mesmo recolhendo uma cópia grátis do jornal Metro. Usava um casaco denim.
A advogada da família Menezes, Harriet Wistrich, afirma que estas revelações significam que a polícia não tinha razão para suspeitar que o sr. de Menezes fosse um bombista suicida, para lá do facto de ele ter saído de um edifício sob vigilância.
(...)
"Ele não transportava uma mochila. Usava um mero casaco de ganga. Era mesmo necessário abatê-lo em vez de o interrogar? (...) Não havia qualquer indicação de que ele fosse fazer-se explodir. [...] Ele teve apenas o infortúnio de residir num bloco de apartamentos sob vigilância e de ter um tom de pele um pouco escuro."
O original da citação e o respectivo linque estão em baixo. Tenho visto muita gente a desvalorizar - incompreensivelmente - este acontecimento. Como se fosse um pormenor. Um erro admissível nessa implacável e santa guerra ao santo terrorismo. O que é tão ou mais assustador que o sucedido, pois confirma-me que estamos a criar um exército cego equivalente àquele de dizemos combater. Ou antes, a chamá-lo ao activo, pois infelizmente manteve-se na reserva e em treinos, dando um leve ar de sua graça aqui e ali. A mim parece-me que estão a reprojectar um filme escuro, vicioso e fatal que desejaria não voltar a ver. Mas temo que ainda só tenhamos assistido aos
traillers. E não imaginam como espero estar absolutamente enganad@.
According to documents obtained by ITV News from the Independent Police Complaints Commission (IPCC), which is investigating the shooting, Mr de Menezes was filmed on CCTV cameras entering the station at a normal walking pace and even picking up a free copy of the Metro newspaper. He was wearing a denim jacket.
His family's solicitor, Harriet Wistrich, said the disclosures meant police had no reason to suspect Mr de Menezes was a suicide bomber, beyond the fact that he came out of a house under surveillance.
She told BBC Breakfast: "It raises very, very serious questions about the shoot-to-kill policy and shows immediate questions need to be asked about whether this policy should be in operation and how dangerously wrong it can go.
"He was not carrying a rucksack. He simply had a denim jacket. Was it necessary to shoot him dead as opposed to trying to confront him at an earlier stage?
"There was no indication he was about to blow himself up at all [...] he was just unfortunate to be living in a block of flats that was under surveillance and to look slightly brown-skinned."visto no Renas, p'ra variar
Too good to be simple...
ou
Sax and Violins - IISexuality is the center around which revolves the whole of social life as well as the inner life of the individual.
Wilhelm Reich
Ah, bendito Google, que nos livras de uns valentes sustos! LOL!
[esclarecimentos nos salmonetes do post anterior]
Sax and ViolinsO nosso Tiago, como bom ribatejano, gosta de chamar os bois pelos nomes. Eu, como bom artista de teatro - e toda a gente sabe que o meio teatral é de uma promiscuidade nunca vista, eheheh -, também. Então cá vai a citação da citação:
"O sexo estimula o hemisfério direito do cérebro e com isso gera um comportamento criativo, agressivo e questionador. A castração da sexualidade facilita aos soberanos manipular a população. Por isso, todas as propostas de massa, tais como política e religião, pregam a castração. Um touro você não consegue obrigar a que puxe o carro de bois. Mas um boi, castrado, esse se submete."
Desta vez, diz ele, e contra as normas, não refere a fonte. E agora digo eu: o sectarismo é uma coisa muito feia,
Tiago. Se fosse do Orwell referirias a fonte sem pensar duas vezes, ou estou enganad@? ;)
De qualquer modo, Orwell diz praticamente a mesma coisa no "1984". E nós só se formos ceguinhos e totalmente dissociados do nosso corpo e da nossa natureza é que não sabemos isto naturalmente. Ah, espera, nós somos mesmo ceguinhos e constantemente dissociados do nosso corpo e da nossa natureza... Bolas!
Mas ó
Tiago, assim deixas-me com um dilema: eu até tenho uma publicação onde está esta citação, devidamente identificada -, mas ou não te linco e identifico o autor, ou linco-te e, por solidariedade faço o mesmo que tu.
... Hmmmm, há um corpo adormecido ainda no meu fouton. Acho que vou lá dentro um bocadinho ver se aclaro as ideias. Daqui a três horas, mais coisa menos coisa, talvez encontre a solução...
Teeeeenho caloooooooooooooor...
O meu mano é um queridoNão é muito modesto da minha parte lincar uma crítica tão positiva - e tão parcial -, mas quero cá saber, a modéstia não serve para nada, como diz uma pessoa que eu cá sei, e até se pode tornar perigosa, quando se confunde com - e por ela se dispensa - a humildade, algo que tem muito menos a ver com modéstia do que se possa inadvertidamente pensar. Portanto, tomem lá o linque. Estou contente com o nosso trabalho, estou contente com o meu trabalho, estou contente por trabalhar com as pessoas com quem trabalho e estou contente por agradar a pessoas com um gosto cultural
possante. A modéstia aqui é o que menos importa.
Obrigad@, mano lindo.
A bela da pedagogiaNum daqueles fantásticos [iac!] programas da SIC Notícias sobre automóveis, apresenta-se um modelo cujo o forte não é a economia. Diz a voz-off que não faz mal, pois "quem gasta tantos milhares de euros num automóvel não se preocupa propriamente com os aspectos relacionados com o consumo".
Ignorance is bliss, so they say, e pelos vistos quem tem dinheiro a esbanjar também tem carta branca para esbanjar oxigénio e destruir o ambiente. É uma rica pedagogia, esta.
De volta à Comuna, até 28 de Agosto Jekyll & Hyde, de Fernando Gomes, últimos doze espectáculos. Carlos Macedo, Elsa Galvão, Fernando Gomes, Isabel Ribas, Joana Manuel, Luís Pacheco, Paula Fonseca, Pedro Pernas e Rui Raposo, de quinta a sábado às 21h30, domingo às 16h.
Já que o pranto de um fadinho é nacional, e fatal, mas a história não se passa em Portugal.
O medo de existir
ou
Como disse? Fase? E acaba quando?Coimbra, 11 de Agosto de 1975 - Coisa curiosa: esta revolução soçobra por inércia. As pessoas não actuam, por comodidade ou desleixo, à espera que as coisas se resolvam por si. Os próprios partidos praticam uma política morosa, de espera galegos. No fundo, todos reconhecemos intimamente a nossa mediocridade e não tentamos exceder-nos. Se depois a História nos confirmar, tanto melhor. Diante do comportamento de certos homens, fica a gente a pensar se estaremos em fase de desencantados, de abúlicos, de cépticos ou de mistificadores.Miguel Torga,
Diário XII, citado hoje no Público na rubrica
30 Anos de PREC
Depois de uma manhã inteira numa conversa telefónica de surdos com o patrocínio da Disney da Península Ibérica...... só tenho um comentário a fazer: em Espanha a droga deve ser mesmo muito boa. Pelo menos quando os "nuestros hermanos" da bonecada entram em tripe, já ninguém os consegue agarrar - nem eles mesmos. As complicações são tantas que só me ocorre que é absolutamente ridículo que estejamos sob os ditames do nosso mais directo rival de dobragens, a quem já roubámos diversos prémios internacionais. Por este andar, e graças à tele-desorientação que têm conseguido fazer grassar nos estúdios portugueses, não roubaremos mais. E confesso que já estive mais longe de sentir o meu trabalho directamente boicotado. Sobretudo quando se mandam para Espanha belíssimos trabalhos para mistura e o resultado final que se recebe é inenarravelmente descontínuo, irregular e mesmo incompetente.
Makes you wonder...Mesmo assim lá se conseguiu levar a barca a bom porto, graças aqui à directora musical e à excelente cantora que numa emergência que parecia fatal me veio cair no colo - ou melhor, no estúdio. Agora, é urgente convencer a Disney americana de que Portugal não é Espanha. A malta gostava, mas não é. Típico: raio do 1.º de Dezembro só se revela no atraso generalizado, a independência propriamente dita já são outros quinhentos.
Pronto, abri o jornal.
E no fim, gritou-se um bravoA palavra silêncio foi pronunciada uma única vez. Começou com duas, em poucos minutos era uma fila de quinze pessoas, frente ao mar, sem dizer palavra, assistindo à lenta descida do disco. A praia deserta. Só o mar se ouvia, e o relaxado respirar rouco da Thara. Uns apostam que foi uma hora, outros dez ou quinze minutos. Pelo trajecto solar, meia-hora estes quinze e um cão ali passaram. E ali deixaram um pouco de si e trouxeram muito de todos. Muito de tudo.
Foi um tirinho...Já de volta, menos um dia de férias graças ao trabalho que só aparece quando não deve. Com os poros libertos pelo mar do Meco. Com os olhos repletos de espectaculares ocasos. E os ouvidos cheios ainda do rebentar das ondas sob trinta pés que sobre a areia foram raízes dos corpos e espíritos que, em silêncio e de camarote, juntos assistiram à vénia final de um sol feito gomo de tangerina apagando-se tranquilamente. Com o coração largo e a pele morena.
Tenho um jornal enrolado na mala, por alguma razão ainda não consegui abri-lo.
Cientistas italianos encontraram grandes quantidades de resíduos de cocaína no rio Pó
... e assim se justifica um nome aparentemente estúpido.
Ainda só são dez e tal da manhã e já está este caloooor...
Clicar na imagem para ver maior
Pergunta sem respostaSerá que o arrependimento surgirá ao mesmo tempo que a vergonha de se ficar conhecido não por aquilo que se fez mas pelo que se desfez?
E agora, com licença...O Meco aguarda-me.
Até à semana que vem!
Um cadáver esquisitoClicar na foto para ver notícias sobre a despedidaNão pude dizer-vos nada, ontem, não o permitiu a ressaca da despedida de uma companhia que ao desaparecer deixa Portugal ainda mais atrasado e mesquinho do que já é. Foi intensíssimo, o fim de tarde de domingo passado. As palmas, as flores, as lágrimas e aqueles corpos, oferecendo-nos tanto, partilhando tanto.
Não sou capaz de descrever-vos o espectáculo, de como a emoção percorreu o público quando se abriu o foco de luz e o coro dos bailarinos deu início à
Cantata, uma das peças mais maravilhosas que já vi dançar, a última a que assisti no palco daquele incomparável Grande Auditório que agora me parece subitamente tão vasto, inútil e vazio. Os minutos intermináveis de aplauso, ainda antes de um único corpo pisar o palco. Os bailarinos reformados e o público emocionado arrastados para o palco para dançar também. A procissão até à marina e o círculo de rua que se formou em redor da companhia e dos Danças Ocultas para aproveitar cada gota de uma despedida que todos queríamos que não acabasse, um relógio que se atrase, uma folha de calendário que não se passe, um país civilizado e adulto que defenda os seus mais valiosos tesouros, qualquer coisa esperávamos nós naquele ocaso à beira do rio. Mas o sol pôs-se. E entre flores e aplausos, abraços, lágrimas e risos, o Ballet Gulbenkian morreu.
Será que o dinheiro vai ser distribuído por outros projectos da dança portuguesa? Talvez. É bom que esses projectos sejam apoiados? Sem dúvida. Mas nada poderá substituir nos próximos - vários - anos, o Ballet Gulbenkian. Porque tinha condições de trabalho incomparáveis, e por isso escalou tantos patamares de qualidade. Porque era uma laboratório de liberdade, um escola sem par para bailarinos e coreógrafos. Porque era uma companhia com uma actividade regular, presente, sempre com público, que permitia uma vivência quase quotidiana da dança, uma relação de familiaridade e afectividade artística que não se repetirá por muito tempo. Tudo isto faz com que a extinção do Ballet Gulbenkian seja um crime contra todos nós, contra a nossa vivência artística, contra os nossos direitos culturais. E é triste e preocupante ouvir argumentos de que não faz mal desde que o dinheiro vá para as publicações científicas ou os laboratórios de investigação - é tão absurdo como seria ouvir os bailarinos ou os músicos regozijarem-se com o fim dos laboratórios de Oeiras desde que o dinheiro fosse para a cultura -, sempre a mesma palavra ressoa na minha cabeça, mesquinhez, mesquinhez, mesquinhez. Ou de outros profissionais da dança - alguns formados ou desenvolvidos no BG - que não vêem a gravidade deste assassínio cultural desde que haja outros apoios à dança contemporânea - como se fosse possível e idêntico substituir uma companhia brilhante e com a solidez de quarenta anos de trabalho e de público por várias companhias errantes, recentes, de públicos irregulares e com dificuldades de divulgação. Como se não fosse óbvio que a própria existência do BG criava os profissionais e os públicos que alimentavam essas mesmas companhias. Como se o BG fosse um paquiderme inútil e não um vórtice de arte e descoberta. Mesquinhez, mesquinhez, mesquinhez.
Pequeno consolo,
o deputado Miguel Tiago, do PCP, já enviou ao Ministério da Cultura um requerimento referente a este assunto [obrigad@
lux]. Talvez seja um sinal de que ainda não é tempo de desistir. Mas esta indignidade desrespeitosa e irresponsável já foi feita. Esta despedida está completa e sofrida. E nunca a Fundação Calouste Gulbenkian voltará a ser a mesma, para
milhares de portugueses e estrangeiros que nela viam uma casa sem paredes da arte em Portugal e fora dele. Depois do ACARTE, das Jornadas de Música Antiga e das Jornadas de Música Contemporânea, a destruição continua. Sem pestanejar. Perdigão perdeu a pena, não há mal que não nos venha.
O espírito está triste, mas cheio desde a noite de domingo [que o jantareco no Peter's com a Azul e a Laranja e os copitos de Jameson também ajudaram a atestar a alma]. Nunca esquecerei o Ballet Gulbenkian e serei eternamente grata àqueles 29 corpos por este abraço prolongado com que nos disseram adeus.
Já alguém escreveu que do cadáver do ser que morre livre pode sair acentuado mau-cheiro, mas nunca sairá um escravo. Pudera,
com tanto bailarico estava tudo suado. E livre.
Como neste momento não me sinto capaz de vos descrever o que foi esta tarde... ... sem que me venham as lágrimas aos olhos ao recordar cada gesto da
Cantata - que foi a última coreografia a que assisti no palco do Grande Auditório da Gulbenkian e que hoje transportou toda a plateia do Camões para o espaço quimérico de liberdade, alegria e arte que é o Ballet Gulbenkian -, deixo-vos apenas uma pequena reflexão:
- O que os [ex-]bailarinos do Ballet Gulbenkian fizeram hoje pelos espíritos presentes no Teatro Camões e fora dele está fora da compreensão do Rui Vilar e da Teresa Gouveia. Nós fomos vergonhosamente roubados. Mas apenas os insignes administradores são dignos de pena.
E para estes dois carrascos de uma fatia rica e insubstituível da arte, da cultura e da identidade deste desnorteado país, Sr.Rui Vilar e Srª.Teresa Gouveia, as palavras que se seguem eu vos dedico, diligentemente.
O verão é assim: a masculina e mineral
e quase táctil vibração das cigarras.
Não sou apenas eu, também elas
se alimentam de claridade,
fogem do escuro.
Porque o escuro é onde se abrigam
a calúnia e a usura,
o escuro é onde a vaidade
e a demência do lucro acorrem
ao apelo do mais rasteiro.
O Céu não passa de um imenso
e vazio buraco negro,
mas tenho esperança que o Inferno
conserve ainda activas as fogueiras
da inquisição, e nas suas chamas
possam ouvir-se um dia
esses cães, que tanto abusam do poder,
rechinar - como as cigarras no verão.Eugénio de Andrade
Atentamente,
Manel da Truta