segunda-feira, outubro 31, 2005
One day I'll grow up, I'll be a beautiful woman...
...one day I'll grow up, I'll be a beautiful girl.
Daqui a umas horas tenho terapia. De voz e música e coração. Talvez assim este buraco que tenho no peito se feche. Lavado com lágrimas, se preciso for. Mas que feche. Para poder de uma vez levantar vôo com o bando alado dos Johnsons.
...one day I'll grow up, I'll be a beautiful girl.
Daqui a umas horas tenho terapia. De voz e música e coração. Talvez assim este buraco que tenho no peito se feche. Lavado com lágrimas, se preciso for. Mas que feche. Para poder de uma vez levantar vôo com o bando alado dos Johnsons.
sexta-feira, outubro 28, 2005
Quem não tem gato caça com cão...
Ó miúdas, digam lá se não estou tal e qual...? :p
São mesmo giras, as botas que comprei em Roma...
[Hei, Laranja e Azul, por que é que ainda não vi as vossas? São indecentes, é?]
Ó miúdas, digam lá se não estou tal e qual...? :p
São mesmo giras, as botas que comprei em Roma...
[Hei, Laranja e Azul, por que é que ainda não vi as vossas? São indecentes, é?]
Strange yet delicious... parece-me bem!
You Are Japanese Food |
Strange yet delicious. Contrary to popular belief, you're not always eaten raw. |
quinta-feira, outubro 27, 2005
O louco que sonhava com o Tempo
Quando este blogue começou, começavam também os ensaios musicais de um espectáculo verdadeiramente especial para mim. Graças a O último tango de Fermat senti-me crescer em interpretação e domínio do corpo [obrigad@, Jardineiro-Truto, pelos abdominais definidos e pelos gémeos desenvergonhados ;)], trabalhei com um grupo que fez uma pérola onírica de uma peça que em NY fora tratada de um modo deploravelmente convencional e convencionalmente chato, cimentei amizades, gozei o trabalho nascido puramente das trocas e dos entendimentos não-verbais. Não falemos dos aspectos de produção, ou o tom do discurso muda radicalmente. Quero cá saber das picuinhices de gabinete. Artistica e pessoalmente, o Fermat foi um momento importantíssimo da minha vida e o Trindade um teatro marcante.
Conheci também um simpático casal de americanos que nem queria acreditar no que tínhamos feito da sua obra. O tímido Joshua e a voluntariosa Joanne deixaram-me marcas - sobretudo ela, que dificilmente susteve as lágrimas na despedida. E no ar ficou a promessa de nova estreia mundial, desta vez Os sonhos de Einstein, e Joanne de olhos brilhando dizendo que então a escrita ia seguir outros caminhos, já com aquele elenco em mente.
Mas o tempo, este que nós sentimos todos os dias, não o que Einstein sonhou, passa, e a vida dá voltas. As datas não foram as previstas. E a minha relação com o TNSJ obrigou-me a saltar fora do elenco deste inteligentíssimo musical que tão bem nos é servido agora no Teatro da Trindade. A evolução dos autores é notória, o material musical e dramático bem mais sólido, e novamente o romance de base é um manancial de ciência e quotidiano, magia e raciocínio. A encenação de Claudio Hochman é onírica quanto baste, jogando com códigos de BD e do musical e aproveitando da melhor forma o simples e funcional cenário que delimita bem aquilo que não tem fronteiras, o mundo real e o mundo dos sonhos. A coreografia de Jean-Paul Bucchieri é bonita, prazeirosa e certeira, pecando talvez por excesso, sobretudo no número Amor não é ciência: há tanto movimento que me preocupou mais o cansaço que os actores estavam certamente a sentir do que a qualidade witty do texto. A adaptação, de César Viana, é novamente um ponto fraco, ainda assim uns furos acima da relativa infelicidade que foi a de Fermat. Os figurinos, novamente de Rafaela Mapril, são elegantes e versáteis, bem mais conseguidos que os de Fermat, salvaguardadas as devidas distâncias de estilo. Em suma, um espectáculo talvez menos emotivo do que Fermat, até pela própria estrutura do texto e das relações entre as personagens, mas definitivamente mais bem conseguido, mais limado e oleado. Um passo à frente. Preciso é continuar a andar.
Do elenco de Fermat restou "apenas" o protagonista, o "mô maridinho" Mário Redondo, que novamente tem uma prestação de grande rigor, muito cool, divertido, desorientado e humano. A "minha" Josette, o espírito do Tempo que desafia e apaixona o jovem Einstein, não poderia estar mais bem entregue. Sara Belo agarra personagem e público e tem uma prestação irrepreensível a todos os níveis. O elenco é muito coeso, mas é justo destacar ainda o trabalho da Alexandra Filipe, o comovente solo da Margarida Marecos, e a maravilhosa Sílvia Filipe, que me impressiona sempre, mesmo a fazer coisas que destesto. O seu solo à boca de cena é um dos momentos altos do espectáculo.
A não perder, portanto, no Teatro da Trindade, em Lisboa, até 29 de Janeiro. Um espectáculo que, sem presunções, faz jus ao homem que, entre outras coisas infinitamente sábias, afirmou que a imaginação é mais importante que o conhecimento. Sem uma, atrevo-me a dizer, não se chega ao outro. Assim nos demonstram Os sonhos de Einstein.
Quando este blogue começou, começavam também os ensaios musicais de um espectáculo verdadeiramente especial para mim. Graças a O último tango de Fermat senti-me crescer em interpretação e domínio do corpo [obrigad@, Jardineiro-Truto, pelos abdominais definidos e pelos gémeos desenvergonhados ;)], trabalhei com um grupo que fez uma pérola onírica de uma peça que em NY fora tratada de um modo deploravelmente convencional e convencionalmente chato, cimentei amizades, gozei o trabalho nascido puramente das trocas e dos entendimentos não-verbais. Não falemos dos aspectos de produção, ou o tom do discurso muda radicalmente. Quero cá saber das picuinhices de gabinete. Artistica e pessoalmente, o Fermat foi um momento importantíssimo da minha vida e o Trindade um teatro marcante.
Conheci também um simpático casal de americanos que nem queria acreditar no que tínhamos feito da sua obra. O tímido Joshua e a voluntariosa Joanne deixaram-me marcas - sobretudo ela, que dificilmente susteve as lágrimas na despedida. E no ar ficou a promessa de nova estreia mundial, desta vez Os sonhos de Einstein, e Joanne de olhos brilhando dizendo que então a escrita ia seguir outros caminhos, já com aquele elenco em mente.
Mas o tempo, este que nós sentimos todos os dias, não o que Einstein sonhou, passa, e a vida dá voltas. As datas não foram as previstas. E a minha relação com o TNSJ obrigou-me a saltar fora do elenco deste inteligentíssimo musical que tão bem nos é servido agora no Teatro da Trindade. A evolução dos autores é notória, o material musical e dramático bem mais sólido, e novamente o romance de base é um manancial de ciência e quotidiano, magia e raciocínio. A encenação de Claudio Hochman é onírica quanto baste, jogando com códigos de BD e do musical e aproveitando da melhor forma o simples e funcional cenário que delimita bem aquilo que não tem fronteiras, o mundo real e o mundo dos sonhos. A coreografia de Jean-Paul Bucchieri é bonita, prazeirosa e certeira, pecando talvez por excesso, sobretudo no número Amor não é ciência: há tanto movimento que me preocupou mais o cansaço que os actores estavam certamente a sentir do que a qualidade witty do texto. A adaptação, de César Viana, é novamente um ponto fraco, ainda assim uns furos acima da relativa infelicidade que foi a de Fermat. Os figurinos, novamente de Rafaela Mapril, são elegantes e versáteis, bem mais conseguidos que os de Fermat, salvaguardadas as devidas distâncias de estilo. Em suma, um espectáculo talvez menos emotivo do que Fermat, até pela própria estrutura do texto e das relações entre as personagens, mas definitivamente mais bem conseguido, mais limado e oleado. Um passo à frente. Preciso é continuar a andar.
Do elenco de Fermat restou "apenas" o protagonista, o "mô maridinho" Mário Redondo, que novamente tem uma prestação de grande rigor, muito cool, divertido, desorientado e humano. A "minha" Josette, o espírito do Tempo que desafia e apaixona o jovem Einstein, não poderia estar mais bem entregue. Sara Belo agarra personagem e público e tem uma prestação irrepreensível a todos os níveis. O elenco é muito coeso, mas é justo destacar ainda o trabalho da Alexandra Filipe, o comovente solo da Margarida Marecos, e a maravilhosa Sílvia Filipe, que me impressiona sempre, mesmo a fazer coisas que destesto. O seu solo à boca de cena é um dos momentos altos do espectáculo.
A não perder, portanto, no Teatro da Trindade, em Lisboa, até 29 de Janeiro. Um espectáculo que, sem presunções, faz jus ao homem que, entre outras coisas infinitamente sábias, afirmou que a imaginação é mais importante que o conhecimento. Sem uma, atrevo-me a dizer, não se chega ao outro. Assim nos demonstram Os sonhos de Einstein.
A vantagem de me esquecer do chapéu em todo o lado
...é andar na rua a ouvir Gotan Project, à chuva, e sentir-me uma personagem num filme passado em Buenos Aires, daqueles que estão cheios de romance, traição e tragédia.
(nada que um café não cure, trazendo-me de volta ao mau humor habitual).
...é andar na rua a ouvir Gotan Project, à chuva, e sentir-me uma personagem num filme passado em Buenos Aires, daqueles que estão cheios de romance, traição e tragédia.
(nada que um café não cure, trazendo-me de volta ao mau humor habitual).
terça-feira, outubro 25, 2005
A boa Lisboa, o bom Portugal. Olé!
Campo Pequeno - uma das zonas mais "finas" de Lisboa, onde só por uma remotíssima coincidência se podem encontrar plebeus como eu. Os cães chamam-se Camões e os donos gostam de touradas, as senhoras resistem estoicamente ao peso incalculável da base Dior e fumam cigarros com boquilha, as meninas finas de nove anos vestem todos os dias fantasias de fada e princesa para andar na rua com os papás [esta família de dez apelidos existe mesmo, juro por estes dois olhos que a terra não há-de comer porque vão para doação ou cremação], porque na realidade, que são elas nas suas redomas cor-de-rosa senão princesinhas mimadas?
É hora do almoço no Magnolia. O pessoal mistura-se, clientes do pediatra do prédio, reformad@s com e sem pingentes dourados, estudantes, executiv@s, mas tudo com um ar minimamente bem-posto, esclarecido, cosmopolita, até "fino da c*#&", como diz um querido amigo meu. Ora o sistema de atendimento no café que tem a melhor tarte de maçã do mundo é simples. Pagas, servem-te ao balcão, levas para a mesa. Está-se mesmo a ver que polulam os chicos-espertos, e não são raros os que, independentemente do tamanho da fila e da lotação, correm a marcar a mesa enquanto os acompanhantes fazem o pedido. Os que vêm sozinhos, que se lixem. Mas este senhor, de cerca de cinquenta anos e com um ar perfeitamente saudável, à hora de almoço chega, pega num jornal do café e senta-se à mesa a ler. Mas só enquanto esperava que quem tinha almoços a pedir desamparasse o balcão e se desenrascasse a sentar nas poucas mesas que sobravam ainda. Quando o balcão ficou livre, lá se levantou, deixando o jornal a marcar a mesa, claro, e foi buscar um café. Estive à beira de ir cumprimentá-lo... bateu tudo o que já tinha visto em termos de estratégias neste tipo de situações.
Após este espectáculo, deveria ter mantido o nariz no meu tabuleiro. Mas não, levantei a cabeça. Estando de frente para a rua, foi mesmo a tempo de ver a porta de vidro a bater, na cara de uma pessoa parada aguardando espaço para entrar no café. De facto, a pessoa sentada na cadeira de rodas não estava ao nível do olhar de quem acabara de sair, mas estava quem a empurrava e teve de ir segurar a porta enquanto ajudava a cadeira a transpô-la. Não valia a pena tentar chegar à porta para ajudar, estava longe demais. Olhei apenas, abismada. E elas lá entraram, sem dificuldades de maior. Deve ser a isto que estão habituadas. Voltei a enfiar o nariz no tabuleiro.
Mas não por muito tempo. No corredor à minha esquerda passava uma coquette já entradota para recolocar o jornal do café na zona lounge. Para cá, trouxe o cigarro aceso, numa elegante boquilha, ao nível das cabeças de quem almoçava, e o jornal na mão direita. Para lá, mudou o cigarro de mão, ou seja, novamente o passou simpaticamente por baixo do nariz de toda a gente. Mas enfiei novamente o nariz no tabuleiro, hoje não estava para me chatear. Felizmente. Ou teria sido uma hora bem difícil.
Morar num bairro elitista em Portugal pode ser verdadeiramente deprimente. Nestes momentos não parece nada estranho que sejamos a anedota que somos. Pois se é com gente que se constrói alguma coisa, não com queques arrogantes com um espelho de aumento umbilical. O que é que ainda estou cá a fazer? Quando perceber, digo-vos qualquer coisa.
Campo Pequeno - uma das zonas mais "finas" de Lisboa, onde só por uma remotíssima coincidência se podem encontrar plebeus como eu. Os cães chamam-se Camões e os donos gostam de touradas, as senhoras resistem estoicamente ao peso incalculável da base Dior e fumam cigarros com boquilha, as meninas finas de nove anos vestem todos os dias fantasias de fada e princesa para andar na rua com os papás [esta família de dez apelidos existe mesmo, juro por estes dois olhos que a terra não há-de comer porque vão para doação ou cremação], porque na realidade, que são elas nas suas redomas cor-de-rosa senão princesinhas mimadas?
É hora do almoço no Magnolia. O pessoal mistura-se, clientes do pediatra do prédio, reformad@s com e sem pingentes dourados, estudantes, executiv@s, mas tudo com um ar minimamente bem-posto, esclarecido, cosmopolita, até "fino da c*#&", como diz um querido amigo meu. Ora o sistema de atendimento no café que tem a melhor tarte de maçã do mundo é simples. Pagas, servem-te ao balcão, levas para a mesa. Está-se mesmo a ver que polulam os chicos-espertos, e não são raros os que, independentemente do tamanho da fila e da lotação, correm a marcar a mesa enquanto os acompanhantes fazem o pedido. Os que vêm sozinhos, que se lixem. Mas este senhor, de cerca de cinquenta anos e com um ar perfeitamente saudável, à hora de almoço chega, pega num jornal do café e senta-se à mesa a ler. Mas só enquanto esperava que quem tinha almoços a pedir desamparasse o balcão e se desenrascasse a sentar nas poucas mesas que sobravam ainda. Quando o balcão ficou livre, lá se levantou, deixando o jornal a marcar a mesa, claro, e foi buscar um café. Estive à beira de ir cumprimentá-lo... bateu tudo o que já tinha visto em termos de estratégias neste tipo de situações.
Após este espectáculo, deveria ter mantido o nariz no meu tabuleiro. Mas não, levantei a cabeça. Estando de frente para a rua, foi mesmo a tempo de ver a porta de vidro a bater, na cara de uma pessoa parada aguardando espaço para entrar no café. De facto, a pessoa sentada na cadeira de rodas não estava ao nível do olhar de quem acabara de sair, mas estava quem a empurrava e teve de ir segurar a porta enquanto ajudava a cadeira a transpô-la. Não valia a pena tentar chegar à porta para ajudar, estava longe demais. Olhei apenas, abismada. E elas lá entraram, sem dificuldades de maior. Deve ser a isto que estão habituadas. Voltei a enfiar o nariz no tabuleiro.
Mas não por muito tempo. No corredor à minha esquerda passava uma coquette já entradota para recolocar o jornal do café na zona lounge. Para cá, trouxe o cigarro aceso, numa elegante boquilha, ao nível das cabeças de quem almoçava, e o jornal na mão direita. Para lá, mudou o cigarro de mão, ou seja, novamente o passou simpaticamente por baixo do nariz de toda a gente. Mas enfiei novamente o nariz no tabuleiro, hoje não estava para me chatear. Felizmente. Ou teria sido uma hora bem difícil.
Morar num bairro elitista em Portugal pode ser verdadeiramente deprimente. Nestes momentos não parece nada estranho que sejamos a anedota que somos. Pois se é com gente que se constrói alguma coisa, não com queques arrogantes com um espelho de aumento umbilical. O que é que ainda estou cá a fazer? Quando perceber, digo-vos qualquer coisa.
She sat down in order that we might stand up.
As palavras de Jesse Jackson resumem bem o que significa esta mulher. Mas aconselho vivamente a leitura do artigo do New York Times, aqui. Rosa Parks morreu ontem, aos 92 anos, tranquila, em sua casa. Como merecia.
Rosa Parks, em Montgomery, após o Supremo Tribunal ter considerado ilegal a segregação nos autocarros.
Os direitos, antes de nos serem concedidos, têm de ser intrinsecamente nossos e invioláveis. Rosa Parks sabia isso. Nós todos, hoje... por que esperamos?
As palavras de Jesse Jackson resumem bem o que significa esta mulher. Mas aconselho vivamente a leitura do artigo do New York Times, aqui. Rosa Parks morreu ontem, aos 92 anos, tranquila, em sua casa. Como merecia.
Rosa Parks, em Montgomery, após o Supremo Tribunal ter considerado ilegal a segregação nos autocarros.
Os direitos, antes de nos serem concedidos, têm de ser intrinsecamente nossos e invioláveis. Rosa Parks sabia isso. Nós todos, hoje... por que esperamos?
E há resultados que nos fazem sorrir... (por mais que eu deteste este cabelo espetado do Principezinho)
You are the little prince.
Saint Exupery's 'The Little Prince' Quiz.
brought to you by Quizilla
You are the little prince.
Saint Exupery's 'The Little Prince' Quiz.
brought to you by Quizilla
segunda-feira, outubro 24, 2005
Para os "pilotos" em busca de estrelas, palavras de um de nós que achou um dia que ia ao encontro delas...
Seria bem pior, digo eu, ser uma praga como as baobabs... assim ao menos chateamos menos gente.
BEM ESTREITO é o fio da navalha! Entre dois perigos me equilibro: de um lado ameaça-me a ávida boca do excesso, do outro a amargura da avareza que de si mesma se alimenta. E teimo na recusa de optar entre a orgia e a ascese, ainda que com isso me sujeite ao suplício em brasa dos desejos. Não sou livre nos meus actos, por isso tudo me pode ser desculpado. Mas este conhecimento não me basta. O que procuro para a vida não é uma desculpa, mas exactamente o seu contrário: é o perdão que busco. Descubro, afinal, que se não levar em conta a minha liberdade, todo o consolo é enganador, mera imagem reflectida do desespero. De facto, assim que o desespero me diz- "perde a esperança, o dia não passa de um momento de trevas entre duas noites", há uma falsa voz que me grita- "tem confiança, a noite não é mais que um momento de trevas entre dois dias".
A humanidade, porém, não é de palavras que precisa; anseia por um consolo que ilumine. E mesmo aquele que deseje tornar-se mau - agir como se todos os actos fossem defensáveis - deve ter ao menos a bondade de notar quando o consegue.
É impossível saber quando cairá o crepúsculo, impossível enumerar todos os casos em que o consolo se fará necessário. A vida não é um problema que se possa resolver dividindo a luz pela escuridão ou os dias pelas noites, mas sim uma viagem imprevisível entre lugares que não existem.
POR VEZES, à beira-mar, no perpétuo movimento das águas e no eterno fugir do vento, sinto o desafio que a eternidade me lança. Pergunto-me então o que vem a ser o tempo, e descubro que não passa do consolo que nos resta por não durarmos sempre. Miserável consolo, que só os Suiços enriquece...
Noites há, em que, sentado à lareira, no quarto mais resguardado de todos, sinto subitamente a morte cercar-me: no fogo, nos objectos ponteagudos que me rodeiam, no peso do tecto e na massa das paredes; na água, na neve, no calor, no meu sangue. Pergunto-me então o que vem a ser a nossa muito humana sensação de segurança, e percebo que não passa de um consolo para o facto de a morte ser o que há de mais próximo à vida. Pobre consolo, que não cessa de nos recordar o que desejaria fazer-nos esquecer!
Decido encher todas as minhas páginas em branco com as mais belas combinações de palavras que seja capaz de engendrar. E depois, porque quero assegurar-me de que a vida não é absurda e não me encontro só sobre a terra, reúno-as todas num livro e ofereço-o ao mundo. Este, retribui-me com a riqueza, a glória e o silêncio. Mas não sei que fazer com este dinheiro, nem que prazer tirar de contribuir para o progresso da literatura, pois só desejo o que jamais obterei - a certeza de que as minhas palavras tocaram o coração do mundo. É então que me pergunto o que vem a ser o meu talento, e descubro que não passa de uma forma de me consolar da solidão. Risível consolo - que apenas me torna cinco vezes mais pesada a solidão.
Nesse animal que, veloz, atravessa a clareira, sou por vezes capaz de ver encarnada a liberdade e ouvir uma voz que me insinua: "Vive com simplicidade, frui do que desejas e não temas as leis"! Excelente conselho. Mas de que se trata senão de uma forma de consolo para o facto da liberdade não existir? Impiedoso consolo - para quem sabe que o Homem levou milhões de anos para não conseguir ser senão um lagarto, podre de indiferença!
Quando, por fim, me apercebo que esta terra é uma vala comum, onde Salomão, Ofélia e Himmler repousam lado a lado, concluo que tanto o crápula como a infeliz têm o mesmo fim que o sábio. Por isso, para uma vida falhada, a morte pode tornar-se numa forma de consolo - e bem atroz, sobretudo para quem na vida queria encontrar formas de vencer a morte.
Stig Dagerman, in A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer, versão de Paula Castro e José Daniel Ribeiro, FENDA
Seria bem pior, digo eu, ser uma praga como as baobabs... assim ao menos chateamos menos gente.
BEM ESTREITO é o fio da navalha! Entre dois perigos me equilibro: de um lado ameaça-me a ávida boca do excesso, do outro a amargura da avareza que de si mesma se alimenta. E teimo na recusa de optar entre a orgia e a ascese, ainda que com isso me sujeite ao suplício em brasa dos desejos. Não sou livre nos meus actos, por isso tudo me pode ser desculpado. Mas este conhecimento não me basta. O que procuro para a vida não é uma desculpa, mas exactamente o seu contrário: é o perdão que busco. Descubro, afinal, que se não levar em conta a minha liberdade, todo o consolo é enganador, mera imagem reflectida do desespero. De facto, assim que o desespero me diz- "perde a esperança, o dia não passa de um momento de trevas entre duas noites", há uma falsa voz que me grita- "tem confiança, a noite não é mais que um momento de trevas entre dois dias".
A humanidade, porém, não é de palavras que precisa; anseia por um consolo que ilumine. E mesmo aquele que deseje tornar-se mau - agir como se todos os actos fossem defensáveis - deve ter ao menos a bondade de notar quando o consegue.
É impossível saber quando cairá o crepúsculo, impossível enumerar todos os casos em que o consolo se fará necessário. A vida não é um problema que se possa resolver dividindo a luz pela escuridão ou os dias pelas noites, mas sim uma viagem imprevisível entre lugares que não existem.
POR VEZES, à beira-mar, no perpétuo movimento das águas e no eterno fugir do vento, sinto o desafio que a eternidade me lança. Pergunto-me então o que vem a ser o tempo, e descubro que não passa do consolo que nos resta por não durarmos sempre. Miserável consolo, que só os Suiços enriquece...
Noites há, em que, sentado à lareira, no quarto mais resguardado de todos, sinto subitamente a morte cercar-me: no fogo, nos objectos ponteagudos que me rodeiam, no peso do tecto e na massa das paredes; na água, na neve, no calor, no meu sangue. Pergunto-me então o que vem a ser a nossa muito humana sensação de segurança, e percebo que não passa de um consolo para o facto de a morte ser o que há de mais próximo à vida. Pobre consolo, que não cessa de nos recordar o que desejaria fazer-nos esquecer!
Decido encher todas as minhas páginas em branco com as mais belas combinações de palavras que seja capaz de engendrar. E depois, porque quero assegurar-me de que a vida não é absurda e não me encontro só sobre a terra, reúno-as todas num livro e ofereço-o ao mundo. Este, retribui-me com a riqueza, a glória e o silêncio. Mas não sei que fazer com este dinheiro, nem que prazer tirar de contribuir para o progresso da literatura, pois só desejo o que jamais obterei - a certeza de que as minhas palavras tocaram o coração do mundo. É então que me pergunto o que vem a ser o meu talento, e descubro que não passa de uma forma de me consolar da solidão. Risível consolo - que apenas me torna cinco vezes mais pesada a solidão.
Nesse animal que, veloz, atravessa a clareira, sou por vezes capaz de ver encarnada a liberdade e ouvir uma voz que me insinua: "Vive com simplicidade, frui do que desejas e não temas as leis"! Excelente conselho. Mas de que se trata senão de uma forma de consolo para o facto da liberdade não existir? Impiedoso consolo - para quem sabe que o Homem levou milhões de anos para não conseguir ser senão um lagarto, podre de indiferença!
Quando, por fim, me apercebo que esta terra é uma vala comum, onde Salomão, Ofélia e Himmler repousam lado a lado, concluo que tanto o crápula como a infeliz têm o mesmo fim que o sábio. Por isso, para uma vida falhada, a morte pode tornar-se numa forma de consolo - e bem atroz, sobretudo para quem na vida queria encontrar formas de vencer a morte.
Stig Dagerman, in A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer, versão de Paula Castro e José Daniel Ribeiro, FENDA
A hipocrisia é um vício da moda e os vícios da moda passam por virtudes, Tomo III
ou
Post dedicado a todos os resistentes à amnésia galopante que ataca novamente o país em todas as frentes
sacado d'A Peste, pronto para ser sacado por todas as pestes ainda com sinapses em funcionamento
ou
Post dedicado a todos os resistentes à amnésia galopante que ataca novamente o país em todas as frentes
sacado d'A Peste, pronto para ser sacado por todas as pestes ainda com sinapses em funcionamento
E há resultados que se adivinham, não é, Azulita? ;)
Já calculava. Talvez por isso tenha levado tanto a decidir fazer o teste. Olhei para as perguntas e até tremi... Sei o que a última frase quer dizer. Mas ainda não consegui perceber bem como se faz.
Já calculava. Talvez por isso tenha levado tanto a decidir fazer o teste. Olhei para as perguntas e até tremi... Sei o que a última frase quer dizer. Mas ainda não consegui perceber bem como se faz.
A hipocrisia é um vício da moda e os vícios da moda passam por virtudes, Tomo II
ou
Ana Sá Lopes à presidência! Que em terra de vesgos quem tem dois olhos e um cérebro bem afinado é rei.
Visto n' A Praia
Ninguém da família vai fazer campanha
Ana Sá Lopes
Público, 23 de Outubro de 2005
Ontem, a primeira página do Expresso era dominada por uma notícia interessante: "Maria Cavaco Silva antecipa campanha presidencial do marido - One Man Show". O Expresso, que passou o "dia d" com o casal Cavaco e quatro netos, recolheu uma informação preciosa da mulher do candidato a Presidente: "Ninguém da família vai fazer campanha".
A possibilidade de desenvolver uma qualquer mitologia, política ou outra, passa por criar o efeito de "verosimilhança". Não interessa se for falso, desde que seja verosímil. A ideia de verdade não é para aqui chamada, nem nunca foi. De resto, a verdade obriga a um grande esforço de recolha de elementos e não tem lugar no tempo veloz da tomada de uma decisão política (que, como toda a gente sabe, é uma decisão que resvala habitualmente para o campo da irracionalidade, próprio da tomada de uma decisão afectiva).
É no efeito de verosimilhança, e não na velha dicotomia verdadeiro-falso, que se desenrola boa parte da acção política. Mas isto não é novo, está particularmente bem explicado nos "simulacros" de Baudrillard e, de resto, sempre assim foi, desde os primórdios da democracia romana.
A peça do Expresso de ontem é um monumento a essa "sabedoria". Não é qualquer sujeito político que põe a família a fazer campanha, abre as portas ao semanário mais vendido em Portugal, mostra os netos e as suas conversas com os netos, e consegue depois transmitir ao povo uma informação superior: "Ninguém na família vai fazer campanha". É quase comovente a ingenuidade colectiva que leva a um assentimento perante a formulação que se anula a si própria. O acontecimento revelado pelo Expresso - Cavaco a explicar aritmética aos netos: "Se o João tem sete balões e dá três à Maria com quantos fica?" e Maria a esclarecer que "se for letras é com a avó", a família fotografada feliz na primeira página - convive serenamente com a tonitruante declaração de Maria: "Ninguém na família vai fazer campanha". O acto de campanha que enuncia a não campanha pode ficar nos anais do "marketing". A mensagem que está subjacente é exactamente a mesma do famoso vídeo Dinis-Bárbara-Carrilho, com a diferença de que Cavaco Silva percebe muito mais do assunto e não leva o recato do lar para a apresentação da candidatura. Mostra-o, simplesmente, ao Expresso. "One man show", é Maria quem o diz.
A mitologia cavaquista - e a adesão popular que conseguiu durante quase 10 anos - é um dos fenómenos mais interessantes da política contemporânea portuguesa. Vinte anos depois de ter chegado ao poder com a aura de "político não profissional" e "especialista em finanças", Cavaco Silva regressa invocando a sua categoria de "político não profissional" e "especialista em finanças". É como se o hiato de dez anos em que Cavaco Silva esteve afastado da vida política activa, depois de ter sido derrotado nas presidenciais por Jorge Sampaio, tivessem o condão de apagar todo o "disco rígido" do passado profissional de Cavaco Silva enquanto político e enquanto gestor de finanças do país. Ao candidato só faltou, no Centro Cultural de Belém, vestir a toga branca e virginal com que os candidatos ao senado de Roma se passeavam na rua de modo a ser facilmente identificados. O cavaquismo nunca existiu e o disco rígido nacional, aparentemente, foi destruído por uma qualquer incapacidade do cérebro informático.
Quem quiser que esqueça. Eu não. Nem a Ana Sá Lopes. Mas já me deprime o suficiente que uma figurinha da estirpe do Cavaco seja tão consensual. Mas depois do retrato do país traçado nas últimas autárquicas, porquê esperar alguma inteligência seja onde for? Isto deve ser uma doença incurável, que ataca até os mais inesperados membros da elite político-intelectual deste país. Se é que ela existe em si, e não em meras ramificações de interesses de classe e grupinhos auto-fágicos. Acho que vou beber para esquecer, que é o melhor, já dizia a Mariquinhas. Mas esquecer só a dôr de existir neste país que gosta de viver na merda. Não quero esquecer mais nada.
Adenda: se bem que esta gentil acção de campanha do Espesso ainda tem muito que aprender com os profissionais do calibre do Georginho Dâbliú... ide ver, ide, e riam enquanto conseguirem não pensar no que estas provas descaradas significam relativamente a tudo aquilo que nos é dado a engolir nos noticiários.
ou
Ana Sá Lopes à presidência! Que em terra de vesgos quem tem dois olhos e um cérebro bem afinado é rei.
Visto n' A Praia
Ninguém da família vai fazer campanha
Ana Sá Lopes
Público, 23 de Outubro de 2005
Ontem, a primeira página do Expresso era dominada por uma notícia interessante: "Maria Cavaco Silva antecipa campanha presidencial do marido - One Man Show". O Expresso, que passou o "dia d" com o casal Cavaco e quatro netos, recolheu uma informação preciosa da mulher do candidato a Presidente: "Ninguém da família vai fazer campanha".
A possibilidade de desenvolver uma qualquer mitologia, política ou outra, passa por criar o efeito de "verosimilhança". Não interessa se for falso, desde que seja verosímil. A ideia de verdade não é para aqui chamada, nem nunca foi. De resto, a verdade obriga a um grande esforço de recolha de elementos e não tem lugar no tempo veloz da tomada de uma decisão política (que, como toda a gente sabe, é uma decisão que resvala habitualmente para o campo da irracionalidade, próprio da tomada de uma decisão afectiva).
É no efeito de verosimilhança, e não na velha dicotomia verdadeiro-falso, que se desenrola boa parte da acção política. Mas isto não é novo, está particularmente bem explicado nos "simulacros" de Baudrillard e, de resto, sempre assim foi, desde os primórdios da democracia romana.
A peça do Expresso de ontem é um monumento a essa "sabedoria". Não é qualquer sujeito político que põe a família a fazer campanha, abre as portas ao semanário mais vendido em Portugal, mostra os netos e as suas conversas com os netos, e consegue depois transmitir ao povo uma informação superior: "Ninguém na família vai fazer campanha". É quase comovente a ingenuidade colectiva que leva a um assentimento perante a formulação que se anula a si própria. O acontecimento revelado pelo Expresso - Cavaco a explicar aritmética aos netos: "Se o João tem sete balões e dá três à Maria com quantos fica?" e Maria a esclarecer que "se for letras é com a avó", a família fotografada feliz na primeira página - convive serenamente com a tonitruante declaração de Maria: "Ninguém na família vai fazer campanha". O acto de campanha que enuncia a não campanha pode ficar nos anais do "marketing". A mensagem que está subjacente é exactamente a mesma do famoso vídeo Dinis-Bárbara-Carrilho, com a diferença de que Cavaco Silva percebe muito mais do assunto e não leva o recato do lar para a apresentação da candidatura. Mostra-o, simplesmente, ao Expresso. "One man show", é Maria quem o diz.
A mitologia cavaquista - e a adesão popular que conseguiu durante quase 10 anos - é um dos fenómenos mais interessantes da política contemporânea portuguesa. Vinte anos depois de ter chegado ao poder com a aura de "político não profissional" e "especialista em finanças", Cavaco Silva regressa invocando a sua categoria de "político não profissional" e "especialista em finanças". É como se o hiato de dez anos em que Cavaco Silva esteve afastado da vida política activa, depois de ter sido derrotado nas presidenciais por Jorge Sampaio, tivessem o condão de apagar todo o "disco rígido" do passado profissional de Cavaco Silva enquanto político e enquanto gestor de finanças do país. Ao candidato só faltou, no Centro Cultural de Belém, vestir a toga branca e virginal com que os candidatos ao senado de Roma se passeavam na rua de modo a ser facilmente identificados. O cavaquismo nunca existiu e o disco rígido nacional, aparentemente, foi destruído por uma qualquer incapacidade do cérebro informático.
Quem quiser que esqueça. Eu não. Nem a Ana Sá Lopes. Mas já me deprime o suficiente que uma figurinha da estirpe do Cavaco seja tão consensual. Mas depois do retrato do país traçado nas últimas autárquicas, porquê esperar alguma inteligência seja onde for? Isto deve ser uma doença incurável, que ataca até os mais inesperados membros da elite político-intelectual deste país. Se é que ela existe em si, e não em meras ramificações de interesses de classe e grupinhos auto-fágicos. Acho que vou beber para esquecer, que é o melhor, já dizia a Mariquinhas. Mas esquecer só a dôr de existir neste país que gosta de viver na merda. Não quero esquecer mais nada.
Adenda: se bem que esta gentil acção de campanha do Espesso ainda tem muito que aprender com os profissionais do calibre do Georginho Dâbliú... ide ver, ide, e riam enquanto conseguirem não pensar no que estas provas descaradas significam relativamente a tudo aquilo que nos é dado a engolir nos noticiários.
domingo, outubro 23, 2005
Boca às Trutas intermitentes
ou, mais sentimentalmente,
Tenho saudades da Azul e da Laranja
É fundamental haver mais bloggers a parar nos passeios para tomar notas das suas ideias.
blog a blog enchem os favoritos o papo...
ou, mais sentimentalmente,
Tenho saudades da Azul e da Laranja
É fundamental haver mais bloggers a parar nos passeios para tomar notas das suas ideias.
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sábado, outubro 22, 2005
Amar não é pecado, pecado é andar no mundo sem ter amor a ninguém.
Já conhecedora desta mágica noite de fados à luz da candeia, ontem rumei ao S.Luiz para rever Cabelo branco é saudade. E foi emocionante. Da terceira fila da plateia os arroubos e os pianíssimos ornamentos de Argentina Santos são mais arrebatados e mais requintados na filigrana, mais profunda a voz cava de Celeste Rodrigues, mais canalha, charmoso e comovente o canto castiço de Alcindo Carvalho, mais amplos o vozeirão, a sensibilidade e a maturidade musical do puto Ricardo Ribeiro, mais impressionantes a qualidade e o profissionalismo dos também putos Bernardo Couto [guitarra], Diogo Clemente [viola e direcção musical] e Nando Araújo [viola baixo].
O espaço cénico de Nuno Carinhas é belíssimo, dourado e negro, assomado pela classe de um biombo de cascas de sobreiro que a luz torna cor do ouro. Jóias da voz e do sentir são todos estes fadistas, os três primeiros na casa dos oitenta, o puto com vinte e quatro anos. E vive-se uma privilegiada partilha de energia e alma, fado, amor e experiências de vida. Só Ricardo Pais poderia de modo tão sublime transformar Celeste Rodrigues e Ricardo Ribeiro num casal que desfia mágoas e felicidades, só Ricardo Pais poderia criar um objecto tão simples, com marcações tão certeiras e tão sensíveis aos "bichos" especiais que com este espectáculo se passeiam nos maiores palcos do país e da Europa como se sozinhos estivessem num buraco de Alfama, em comunhão de música e alma. Só o cosmopolita Ricardo, que sempre olhou para a frente e para fora, poderia tratar o fado de modo tão interior, respeitoso, amoroso.
Conheço mais do que um alérgico ao fado que sucumbiu a este espectáculo - só uma pedra consegue ficar indiferente à primeira intervenção da fabulosa Argentina, daí para a frente é ver passar as lágrimas. Ontem, mais um me confessou que também já era repetente do espectáculo - Mas não contem a ninguém que vos disse isto, é que eu odeio fado!
Cabelo Branco é Saudade, de Ricardo Pais, hoje, dia 22, às 21h e amanhã às 17h no Teatro Municipal de São Luiz, em Lisboa. Regressa-se então à casa-mãe, o Teatro Nacional de São João, no Porto, para espectáculos a 3, 4 e 5 de Novembro.
Já conhecedora desta mágica noite de fados à luz da candeia, ontem rumei ao S.Luiz para rever Cabelo branco é saudade. E foi emocionante. Da terceira fila da plateia os arroubos e os pianíssimos ornamentos de Argentina Santos são mais arrebatados e mais requintados na filigrana, mais profunda a voz cava de Celeste Rodrigues, mais canalha, charmoso e comovente o canto castiço de Alcindo Carvalho, mais amplos o vozeirão, a sensibilidade e a maturidade musical do puto Ricardo Ribeiro, mais impressionantes a qualidade e o profissionalismo dos também putos Bernardo Couto [guitarra], Diogo Clemente [viola e direcção musical] e Nando Araújo [viola baixo].
O espaço cénico de Nuno Carinhas é belíssimo, dourado e negro, assomado pela classe de um biombo de cascas de sobreiro que a luz torna cor do ouro. Jóias da voz e do sentir são todos estes fadistas, os três primeiros na casa dos oitenta, o puto com vinte e quatro anos. E vive-se uma privilegiada partilha de energia e alma, fado, amor e experiências de vida. Só Ricardo Pais poderia de modo tão sublime transformar Celeste Rodrigues e Ricardo Ribeiro num casal que desfia mágoas e felicidades, só Ricardo Pais poderia criar um objecto tão simples, com marcações tão certeiras e tão sensíveis aos "bichos" especiais que com este espectáculo se passeiam nos maiores palcos do país e da Europa como se sozinhos estivessem num buraco de Alfama, em comunhão de música e alma. Só o cosmopolita Ricardo, que sempre olhou para a frente e para fora, poderia tratar o fado de modo tão interior, respeitoso, amoroso.
Conheço mais do que um alérgico ao fado que sucumbiu a este espectáculo - só uma pedra consegue ficar indiferente à primeira intervenção da fabulosa Argentina, daí para a frente é ver passar as lágrimas. Ontem, mais um me confessou que também já era repetente do espectáculo - Mas não contem a ninguém que vos disse isto, é que eu odeio fado!
Cabelo Branco é Saudade, de Ricardo Pais, hoje, dia 22, às 21h e amanhã às 17h no Teatro Municipal de São Luiz, em Lisboa. Regressa-se então à casa-mãe, o Teatro Nacional de São João, no Porto, para espectáculos a 3, 4 e 5 de Novembro.
sexta-feira, outubro 21, 2005
O filhos e os enteados
ou
A hipocrisia é uma vício na moda, e os vícios da moda passam por virtudes...
«PS e PSD querem procriação assistida só para casais heterossexuais, casados ou a viver em união de facto há pelo menos dois anos. BE abre excepção para mulheres sós, desde que inférteis as que, sendo férteis, queiram ter um filho sem recurso a relação sexual, não são contempladas no respectivo projecto-lei. Também a selecção de um embrião com o objectivo de fazer nascer um bebé que permita salvar a vida de uma criança já existente (o "bebé-medicamento") é afastada pelo PS, PSD e BE. Só o PCP admite essa possibilidade e a da "produção independente". (...) Desolado, Mário Sousa vê-se a "enviar gente para Espanha", como aliás já faz agora, por ausência de resposta dos serviços portugueses. "Estou sempre a enviar mulheres para lá. É muito mau, até porque essas pessoas depois têm de lá ter os bebés."»
Extraordinário. Ok, parece-me que fiz um desvio de rota, mas vou voltar a votar preferencialmente CDU, uma vez que o comportamento do Bloco nestes assuntos, que supostamente são pedras de toque para a sua "identidade", é pura e simplesmente gelatinoso, vergonhoso, capachoso e outras coisas acabadas em oso. Quanto aos outros relicários de beatices políticas e tiranias [a]morais, já pouco resta a dizer: o PSD é o que é, o PS, nomeadamente desde o início da era Guterres, também. Agora, o Bloco? Cujos slogans sempre contemplaram a homoparentalidade e o combate à homofobia? O direito ao casamento e a igualdade de direitos tout court? Esta capachosa e invertebrada posição do Bloco só me vem demonstrar que o embarque na onda do segundo referendo acerca da IVG não foi um acidente de percurso, mas uma opção de linha de acção. E sinceramente, cheira-me muito mal. É preciso chegar ao poder, sim, não tenho qualquer tipo de entusiasmo artistico-literário em ser um eterno marginal, mas se para fazê-lo é preciso renunciar aos mais básicos princípios de liberdade e tornar-se o side-car do PS, não contem comigo para ajudar. O eleitorado do Bloco merecia mais que isto, senhores.
E eu tenciono, num futuro próximo, ter um filho com um homem que amo muito, com quem me entendo muito bem e com quem não quero ir para a cama [bom, resumindo e concluindo, ele também não está numa de ir para a cama comigo, já que é gay]. Teremos, por isso, de ir a Espanha ou de arranjar uns riscos de coca e muito álcool a ver se conseguimos saltar para cima um do outro sem desatar a rir. Porque nos livros de quadradinhos que esta gente lê o príncipe manda sempre três fadas na princesa e depois têm muitos filhinhos. E eu estou a fugir à norma das princesas. Ainda se fosse infértil, entrava na norma das coitadinhas. Agora, fértil, solteira e sem querer dormir com o pai do próprio filho? T'arrenego, puta, que nem consegues caçar numa esquina qualquer um homem que te emprenhe! Pensas que o Estado é o quê, lá porque vos fode quotidianamente?
Quase nem vale a pena falar das células estaminais. Resta-nos esperar que o Cavaco fique com Alzheimer para os ver mudar de opinião. A única razão porque uma investigação que pode salvar inúmeras vidas é ilegalizada deve-se à necessidade de sustentar o serôdio e hipócrita compêndio de argumentos anti-IVG. Novamente, os pró-vida escolhem a morte.
ou
A hipocrisia é uma vício na moda, e os vícios da moda passam por virtudes...
«PS e PSD querem procriação assistida só para casais heterossexuais, casados ou a viver em união de facto há pelo menos dois anos. BE abre excepção para mulheres sós, desde que inférteis as que, sendo férteis, queiram ter um filho sem recurso a relação sexual, não são contempladas no respectivo projecto-lei. Também a selecção de um embrião com o objectivo de fazer nascer um bebé que permita salvar a vida de uma criança já existente (o "bebé-medicamento") é afastada pelo PS, PSD e BE. Só o PCP admite essa possibilidade e a da "produção independente". (...) Desolado, Mário Sousa vê-se a "enviar gente para Espanha", como aliás já faz agora, por ausência de resposta dos serviços portugueses. "Estou sempre a enviar mulheres para lá. É muito mau, até porque essas pessoas depois têm de lá ter os bebés."»
Extraordinário. Ok, parece-me que fiz um desvio de rota, mas vou voltar a votar preferencialmente CDU, uma vez que o comportamento do Bloco nestes assuntos, que supostamente são pedras de toque para a sua "identidade", é pura e simplesmente gelatinoso, vergonhoso, capachoso e outras coisas acabadas em oso. Quanto aos outros relicários de beatices políticas e tiranias [a]morais, já pouco resta a dizer: o PSD é o que é, o PS, nomeadamente desde o início da era Guterres, também. Agora, o Bloco? Cujos slogans sempre contemplaram a homoparentalidade e o combate à homofobia? O direito ao casamento e a igualdade de direitos tout court? Esta capachosa e invertebrada posição do Bloco só me vem demonstrar que o embarque na onda do segundo referendo acerca da IVG não foi um acidente de percurso, mas uma opção de linha de acção. E sinceramente, cheira-me muito mal. É preciso chegar ao poder, sim, não tenho qualquer tipo de entusiasmo artistico-literário em ser um eterno marginal, mas se para fazê-lo é preciso renunciar aos mais básicos princípios de liberdade e tornar-se o side-car do PS, não contem comigo para ajudar. O eleitorado do Bloco merecia mais que isto, senhores.
E eu tenciono, num futuro próximo, ter um filho com um homem que amo muito, com quem me entendo muito bem e com quem não quero ir para a cama [bom, resumindo e concluindo, ele também não está numa de ir para a cama comigo, já que é gay]. Teremos, por isso, de ir a Espanha ou de arranjar uns riscos de coca e muito álcool a ver se conseguimos saltar para cima um do outro sem desatar a rir. Porque nos livros de quadradinhos que esta gente lê o príncipe manda sempre três fadas na princesa e depois têm muitos filhinhos. E eu estou a fugir à norma das princesas. Ainda se fosse infértil, entrava na norma das coitadinhas. Agora, fértil, solteira e sem querer dormir com o pai do próprio filho? T'arrenego, puta, que nem consegues caçar numa esquina qualquer um homem que te emprenhe! Pensas que o Estado é o quê, lá porque vos fode quotidianamente?
Quase nem vale a pena falar das células estaminais. Resta-nos esperar que o Cavaco fique com Alzheimer para os ver mudar de opinião. A única razão porque uma investigação que pode salvar inúmeras vidas é ilegalizada deve-se à necessidade de sustentar o serôdio e hipócrita compêndio de argumentos anti-IVG. Novamente, os pró-vida escolhem a morte.
quinta-feira, outubro 20, 2005
Ovinos, sEnhor!
Roubado ao Hetero_doxo
Il n'y a plus de honte maintenant à cela: l'hypocrisie est un vice à la mode, et tous les vices à la mode passent pour vertus. Le personnage d'homme de bien est le meilleur de tous le personnages qu'on puisse jouer aujourd'hui, et la profession d'hypocrite a de merveilleux avantages. C'est un art de qui l'imposture est toujours respectée; et quoiqu'on la découvre, on n'ose rien dire contre elle. Tous les autres vices des hommes sont exposés à la censure, et chacun a la liberté de les attaquer hautement; mais l'hypocrisie est un vice privilégié, qui, de sa main, ferme la bouche à tout le monde, et jouis en repos d'une impunité souveraine.
Molière, pela boca de Dom Juan
Quem quiser que se esqueça do "homem do leme", do "nunca tenho dúvidas e raramente me engano", dos rios de dinheiro que entraram em Portugal durante uma década com vista ao desenvolvimento e que em vez disso nos alimentaram o ego, o desperdício e a estupidez enquanto víamos ao lado Espanha a passar. Quem quiser que esqueça. Eu não.
Roubado ao Hetero_doxo
Il n'y a plus de honte maintenant à cela: l'hypocrisie est un vice à la mode, et tous les vices à la mode passent pour vertus. Le personnage d'homme de bien est le meilleur de tous le personnages qu'on puisse jouer aujourd'hui, et la profession d'hypocrite a de merveilleux avantages. C'est un art de qui l'imposture est toujours respectée; et quoiqu'on la découvre, on n'ose rien dire contre elle. Tous les autres vices des hommes sont exposés à la censure, et chacun a la liberté de les attaquer hautement; mais l'hypocrisie est un vice privilégié, qui, de sa main, ferme la bouche à tout le monde, et jouis en repos d'une impunité souveraine.
Molière, pela boca de Dom Juan
Quem quiser que se esqueça do "homem do leme", do "nunca tenho dúvidas e raramente me engano", dos rios de dinheiro que entraram em Portugal durante uma década com vista ao desenvolvimento e que em vez disso nos alimentaram o ego, o desperdício e a estupidez enquanto víamos ao lado Espanha a passar. Quem quiser que esqueça. Eu não.
Eu adoro este homem...
Em conferência de imprensa, Robbie Williams, o menino feio das bandas de meninos bonitos, veio acusar os media de perseguição a Kate Moss, afirmando, entre outras coisas, que muitos dos que agoram a "apedrejam" nos jornais já o acompanharam numas belas linhas em diversas festas da moda. Haja alguém, finalmente, que diz a verdade. Ponto.
Canta bem que se farta, é giro que se farta, é fotogénico que se farta [aliás, fotogénico é pouco, ele devora a câmara] e interessante e subversivo que se farta. A cereja no topo do bolo é a sua afirmação de que só se limpou de cocaína e álcool porque estava a ficar demasiado gordo, eheheh, o que não é muito diferente de deixar de fumar porque estraga a pele. Pena a música não ser grande merda, mas o que é isto, senão uma verdadeira estrela pop, cumprindo as suas funções? Hail to the clowns!
Em conferência de imprensa, Robbie Williams, o menino feio das bandas de meninos bonitos, veio acusar os media de perseguição a Kate Moss, afirmando, entre outras coisas, que muitos dos que agoram a "apedrejam" nos jornais já o acompanharam numas belas linhas em diversas festas da moda. Haja alguém, finalmente, que diz a verdade. Ponto.
Canta bem que se farta, é giro que se farta, é fotogénico que se farta [aliás, fotogénico é pouco, ele devora a câmara] e interessante e subversivo que se farta. A cereja no topo do bolo é a sua afirmação de que só se limpou de cocaína e álcool porque estava a ficar demasiado gordo, eheheh, o que não é muito diferente de deixar de fumar porque estraga a pele. Pena a música não ser grande merda, mas o que é isto, senão uma verdadeira estrela pop, cumprindo as suas funções? Hail to the clowns!
quarta-feira, outubro 19, 2005
Ligações insuspeitas
Estranho reflexo este, estar a ouvir Chet Baker e de repente lembrar-me de bahianas de alvos vestidos rodados.
Estranho reflexo este, estar a ouvir Chet Baker e de repente lembrar-me de bahianas de alvos vestidos rodados.
Golpe de estado
Ora nem mais. Do alto da sua cátedra de servidor de interesses e capacho de ganâncias, Nuno Morais Sarmento esclarece-nos sobre o que está em causa caso Cavaco ganhe as presidenciais. Eu por mim, agradeço-lhe que me recorde que os tiranos fazem planos para dez mil anos. Aqui fica então um testemunho da minha boa vontade, por quem o diz melhor do que eu.
A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração:
Isto é apenas o meu começo
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nòs queremos nunca mais o alcançaremos
Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nòs
De quem depende que ela acabe? Também de nòs
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aì que o retenha?
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
Bertold Brecht, Elogio da Dialética
Ora nem mais. Do alto da sua cátedra de servidor de interesses e capacho de ganâncias, Nuno Morais Sarmento esclarece-nos sobre o que está em causa caso Cavaco ganhe as presidenciais. Eu por mim, agradeço-lhe que me recorde que os tiranos fazem planos para dez mil anos. Aqui fica então um testemunho da minha boa vontade, por quem o diz melhor do que eu.
A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração:
Isto é apenas o meu começo
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nòs queremos nunca mais o alcançaremos
Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nòs
De quem depende que ela acabe? Também de nòs
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aì que o retenha?
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
Bertold Brecht, Elogio da Dialética
segunda-feira, outubro 17, 2005
Uma ausência feita de azul e chuva
Alice é sobretudo um filme sobre a ausência, diz Marco Martins na sua nota de intenções. Sobre a ausência de Alice - e sobre a ausência dos seus pais, Nuno Lopes e Beatriz Batarda, que com a perda da filha entram em realidades próprias e paralelas - a mãe Luísa num mundo de depressão e comprimidos, o pai Mário num big brother artesanal e clandestino que obsessivamente procura o casaco azul e os caracóis castanhos claros - como os seus - pelas ruas de Lisboa e pelo efervescer do aeroporto. Não é caminho óbvio, para um realizador que assim chega com uma primeira longa-metragem, investir pelo minimalismo das palavras e pela implosão lenta dos rostos submetidos a emoções demasiado duras para serem verbalizadas. Como farão eles, para fazer estas batatas todas iguais?, e o público ri da conversa sem sumo até ser finalmente calado por uma lágrima e finalmente ouvir o caudal de interrogações e desesperos que se debate violentamente sob a divagação de Luísa acerca de batatas fritas congeladas e assim se manifesta apenas, com uma primeira e impotente lágrima. E se em três ou quatro cenas Beatriz Batarda nos faz entrar pelo postigo na angústia de Luísa, todas as restantes são de Nuno Lopes. Não é fácil falar de um trabalho assim, será sempre redutor. E se há momentos em que alguma imaturidade consegue transpôr a barba e o olhar vazio e infinitamente triste de Mário, a verdade é que o Nuno carrega consigo o filme de modo admirável e tocante, rigoroso e entregue, oferecendo-nos largos minutos verdadeiramente extraordinários de representação e de cinema. Silenciosamente, Mário mostra-se-nos como um homem que parece sempre à beira da desintegração, soldado apenas pela rotina que se torna sua missão e última esperança de não perder definitivamente a filha que há quase duzentos dias procura. Talvez por isso fale tão pouco e apenas o estritamente necessário ou trivial. Há diques que não se podem abrir, o caudal que seguram seria, sem dúvida, demasiado arrasador. Não será despropositado falar de culpa, as propabilidades estão contra si e Mário sabe-o, mas como poderia ele viver com a culpa de não ter passado nas mesmas ruas, repetido os mesmos passos, observado os mesmos recantos, como poderia viver com a culpa de desistir? Com Mário vivemos as ilusões que uma obsessão pode ver de tanto procurar, o encerramento do cérebro sobre si mesmo, vivendo apenas das referências que crê seguras e que o podem ancorar - pois quais seriam as probabilidades de, duzentos dias depois, Alice vestir o mesmo casaco azul e ostentar os mesmos caracóis castanhos? Mas, e sem essas pistas, como procurar? O filme desperta brilhantemente todas as dúvidas com que convivemos nos imponderáveis quotidianos que habitamos e que nos esforçamos de forma sobre-humana para tornar mais previsíveis, mais seguros. Poderá este pequeno filme, com um pequeno elenco e uma grande beleza, revelar-se mais uma privilegiada reflexão cinematográfica sobre essa tal "condição humana"?
Pouco resta para dizer, senão que fiquei na boca com um doce sabor a cinema. O ambiente, os planos, a fotografia, a luz. O "sozinho na multidão" que é a própria definição de cidade, a ominipresença da câmara, na busca de Mário e por todo o lado [deliciosa a cena no aeroporto, em que se esconde bem à vista no meio do parque de estacionamento o único local livre e não vigiado, porque não é do Aeroporto nem da EMEL]; o trabalho do restante elenco, nomeadamente o do Gonçalo Waddington - definitivamente um dos meus actores favoritos -, e o do sublime Miguel Guilherme, um actor de cinema como poucos, hei-de repetir isto até que a voz me doa. Por fim a música de Bernardo Sassetti, azul e chuvosa, como este Alice.
A não perder, mesmo. Ou a punição justa teria de ser não falar mal do cinema português durante os próximos dez anos. Ou pelo menos até ao próximo filme de Marco Martins.
Alice é sobretudo um filme sobre a ausência, diz Marco Martins na sua nota de intenções. Sobre a ausência de Alice - e sobre a ausência dos seus pais, Nuno Lopes e Beatriz Batarda, que com a perda da filha entram em realidades próprias e paralelas - a mãe Luísa num mundo de depressão e comprimidos, o pai Mário num big brother artesanal e clandestino que obsessivamente procura o casaco azul e os caracóis castanhos claros - como os seus - pelas ruas de Lisboa e pelo efervescer do aeroporto. Não é caminho óbvio, para um realizador que assim chega com uma primeira longa-metragem, investir pelo minimalismo das palavras e pela implosão lenta dos rostos submetidos a emoções demasiado duras para serem verbalizadas. Como farão eles, para fazer estas batatas todas iguais?, e o público ri da conversa sem sumo até ser finalmente calado por uma lágrima e finalmente ouvir o caudal de interrogações e desesperos que se debate violentamente sob a divagação de Luísa acerca de batatas fritas congeladas e assim se manifesta apenas, com uma primeira e impotente lágrima. E se em três ou quatro cenas Beatriz Batarda nos faz entrar pelo postigo na angústia de Luísa, todas as restantes são de Nuno Lopes. Não é fácil falar de um trabalho assim, será sempre redutor. E se há momentos em que alguma imaturidade consegue transpôr a barba e o olhar vazio e infinitamente triste de Mário, a verdade é que o Nuno carrega consigo o filme de modo admirável e tocante, rigoroso e entregue, oferecendo-nos largos minutos verdadeiramente extraordinários de representação e de cinema. Silenciosamente, Mário mostra-se-nos como um homem que parece sempre à beira da desintegração, soldado apenas pela rotina que se torna sua missão e última esperança de não perder definitivamente a filha que há quase duzentos dias procura. Talvez por isso fale tão pouco e apenas o estritamente necessário ou trivial. Há diques que não se podem abrir, o caudal que seguram seria, sem dúvida, demasiado arrasador. Não será despropositado falar de culpa, as propabilidades estão contra si e Mário sabe-o, mas como poderia ele viver com a culpa de não ter passado nas mesmas ruas, repetido os mesmos passos, observado os mesmos recantos, como poderia viver com a culpa de desistir? Com Mário vivemos as ilusões que uma obsessão pode ver de tanto procurar, o encerramento do cérebro sobre si mesmo, vivendo apenas das referências que crê seguras e que o podem ancorar - pois quais seriam as probabilidades de, duzentos dias depois, Alice vestir o mesmo casaco azul e ostentar os mesmos caracóis castanhos? Mas, e sem essas pistas, como procurar? O filme desperta brilhantemente todas as dúvidas com que convivemos nos imponderáveis quotidianos que habitamos e que nos esforçamos de forma sobre-humana para tornar mais previsíveis, mais seguros. Poderá este pequeno filme, com um pequeno elenco e uma grande beleza, revelar-se mais uma privilegiada reflexão cinematográfica sobre essa tal "condição humana"?
Pouco resta para dizer, senão que fiquei na boca com um doce sabor a cinema. O ambiente, os planos, a fotografia, a luz. O "sozinho na multidão" que é a própria definição de cidade, a ominipresença da câmara, na busca de Mário e por todo o lado [deliciosa a cena no aeroporto, em que se esconde bem à vista no meio do parque de estacionamento o único local livre e não vigiado, porque não é do Aeroporto nem da EMEL]; o trabalho do restante elenco, nomeadamente o do Gonçalo Waddington - definitivamente um dos meus actores favoritos -, e o do sublime Miguel Guilherme, um actor de cinema como poucos, hei-de repetir isto até que a voz me doa. Por fim a música de Bernardo Sassetti, azul e chuvosa, como este Alice.
A não perder, mesmo. Ou a punição justa teria de ser não falar mal do cinema português durante os próximos dez anos. Ou pelo menos até ao próximo filme de Marco Martins.
quinta-feira, outubro 13, 2005
Mas este é que é mesmo bonito...
Anda vem..., porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,
Porque esmoreces,
Boca vermelha --- rosa de lume?
Se a luz do dia
Te cobre de pejo,
Esperemos a noite presos num beijo.
Dá-me o infinito gozo
De contigo adormecer
Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor
Da tua carne, meu amor!
E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
--- Nem todo o prazer
Tem vileza ou tem pecado!
Anda, vem!... Dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos...
Tenho saudades da vida!
Tenho sede dos teus beijos!
Anda vem..., porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,
Porque esmoreces,
Boca vermelha --- rosa de lume?
Se a luz do dia
Te cobre de pejo,
Esperemos a noite presos num beijo.
Dá-me o infinito gozo
De contigo adormecer
Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor
Da tua carne, meu amor!
E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
--- Nem todo o prazer
Tem vileza ou tem pecado!
Anda, vem!... Dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos...
Tenho saudades da vida!
Tenho sede dos teus beijos!
"O outro" poema do Botto, "aquele"...
Nunca te foram ao cu
nem às perninhas, aposto!
mas um homem como tu,
lavadinho, todo nu, gosto!
Sem ter pentelho nenhum,
com certeza, não desgosto.
Até gosto!
Mas... gosto mais de fedelhos.
Vou-lhes ao cu,.
Dou-lhes conselhos.
Enfim... gosto!
Nunca te foram ao cu
nem às perninhas, aposto!
mas um homem como tu,
lavadinho, todo nu, gosto!
Sem ter pentelho nenhum,
com certeza, não desgosto.
Até gosto!
Mas... gosto mais de fedelhos.
Vou-lhes ao cu,.
Dou-lhes conselhos.
Enfim... gosto!
13 de Ótubro
Na nossa laica televisão, multiplicam-se as devoções e as preces, os comentadores-acólitos, nada de novo, enfim, de há cinquenta anos para cá. Não olharei Fátima da mesma forma, agora que fui ao Vaticano. Os vendilhões do templo foram absorvidos e nutridos, estão nas suas mais altas instâncias, porque haveria Fátima de ser diferente? Mas Fátima é diferente numa coisa, deveras. Símbolo máximo do conservadorismo e do obscurantismo luso, imagem da maternidade santa que aparentemente confere aos seus devotos a autoridade para lutarem ferozmente contra os direitos sociais, sexuais e reprodutivos, em Fátima canta-se um hino feito por um poeta homossexual e subversivo, que baixou as calças uma vez na vida: quando escreveu estes versos em troca de uma palavrinha do saudoso Cerejeira junto de Santo Oliveira Salazar, a fim de ver graciosamente permitido o seu regresso do exílio. O santo quartel da luta anti-direitos lgbt canta a plenos pulmões os versos de um panasca marginal. Juntemo-nos, irmãos: A TREZE DE MAAAAAIO, NA COVAAAA DA IRIIIIAAAA!!!!...
Ora portanto, qualquer dia de Fátima é dia de celebração de António Botto. Pois celebremos, a sua vida, a sua poesia, os seus amores com este Soneto...
Soneto
Se, para possuir o que me é dado,
Tudo perdi e eu própio andei perdido,
Se, para ver o que hoje é realizado,
Cheguei a ser negado e combatido.
Se, para estar agora apaixonado,
Foi necessário andar desiludido,
Alegra-me sentir que fui odiado
Na certeza imortal de ter vencido!
Porque, depois de tantas cicatrizes,
Só se encontra sabor apetecido
Àquilo que nos fez ser infelizes!
E assim cheguei à luz de um pensamento
De que afinal um roseiral florido
Vive de um triste e oculto movimento.
... e nada de choques, ok?, já sorte têm de não postar "o outro" poema do Botto, "aquele".
Mas dia 13 de Outubro há outro motivo para celebrar. O meu Sombra Yin Gomes faz 4 aninhos. Aliás, nem de propósito, fui abençoada com dois gatos marianos, já que o outro é de 13 de Maio, eheheh.
Sombra, 13 de Outubro de 2005
Fotografia de P.
Na nossa laica televisão, multiplicam-se as devoções e as preces, os comentadores-acólitos, nada de novo, enfim, de há cinquenta anos para cá. Não olharei Fátima da mesma forma, agora que fui ao Vaticano. Os vendilhões do templo foram absorvidos e nutridos, estão nas suas mais altas instâncias, porque haveria Fátima de ser diferente? Mas Fátima é diferente numa coisa, deveras. Símbolo máximo do conservadorismo e do obscurantismo luso, imagem da maternidade santa que aparentemente confere aos seus devotos a autoridade para lutarem ferozmente contra os direitos sociais, sexuais e reprodutivos, em Fátima canta-se um hino feito por um poeta homossexual e subversivo, que baixou as calças uma vez na vida: quando escreveu estes versos em troca de uma palavrinha do saudoso Cerejeira junto de Santo Oliveira Salazar, a fim de ver graciosamente permitido o seu regresso do exílio. O santo quartel da luta anti-direitos lgbt canta a plenos pulmões os versos de um panasca marginal. Juntemo-nos, irmãos: A TREZE DE MAAAAAIO, NA COVAAAA DA IRIIIIAAAA!!!!...
Ora portanto, qualquer dia de Fátima é dia de celebração de António Botto. Pois celebremos, a sua vida, a sua poesia, os seus amores com este Soneto...
Soneto
Se, para possuir o que me é dado,
Tudo perdi e eu própio andei perdido,
Se, para ver o que hoje é realizado,
Cheguei a ser negado e combatido.
Se, para estar agora apaixonado,
Foi necessário andar desiludido,
Alegra-me sentir que fui odiado
Na certeza imortal de ter vencido!
Porque, depois de tantas cicatrizes,
Só se encontra sabor apetecido
Àquilo que nos fez ser infelizes!
E assim cheguei à luz de um pensamento
De que afinal um roseiral florido
Vive de um triste e oculto movimento.
... e nada de choques, ok?, já sorte têm de não postar "o outro" poema do Botto, "aquele".
Mas dia 13 de Outubro há outro motivo para celebrar. O meu Sombra Yin Gomes faz 4 aninhos. Aliás, nem de propósito, fui abençoada com dois gatos marianos, já que o outro é de 13 de Maio, eheheh.
Sombra, 13 de Outubro de 2005
Fotografia de P.
Cruz y ficción II
-Adenda ilustrativa ao post da Vermelha-
eran las 3: 30 de la tarde siempre eran
las 3: 30 de la tarde
Outubro de 2005
Via del Corso, Roma
Fotografia de Manel da Truta
-Adenda ilustrativa ao post da Vermelha-
eran las 3: 30 de la tarde siempre eran
las 3: 30 de la tarde
Outubro de 2005
Via del Corso, Roma
Fotografia de Manel da Truta
quarta-feira, outubro 12, 2005
Informação relevante
Mãe e tio de Joana entre a absolvição e a pena máxima
Tendo em conta que o julgamento ainda não começou, eu diria que o jornalista é um grande fã de La Pallice...
Mãe e tio de Joana entre a absolvição e a pena máxima
Tendo em conta que o julgamento ainda não começou, eu diria que o jornalista é um grande fã de La Pallice...
terça-feira, outubro 11, 2005
Blue!
Estação Termini [exterior], Roma
Outubro de 2005
Fotografia de Manel da Truta
ANSWER TO A SONNET ENDING THUS:
Dark eyes are dearer far
Than orbs that mock the hyacinthine bell -
J.H.Reynolds
Blue! 'Tis the life of heaven, the domain
Of Cynthia, the wide palace of the sun,
The tent of Hesperus, and all his train,
The bosomer of clouds, gold, grey and dun.
Blue! 'Tis the life of waters - Ocean
And all its vassal streams, pools numberless,
May rage, and foam, and fret, but never can
Subside, if not to dark blue nativeness.
Blue! Gentle cousin to the forest-green,
Married to green in all the sweetest flowers -
Forget-me-not, the blue-bell, and, that queen
Of secrecy,the violet. What strange powers
Hast thou, as a mere shadow! But how great,
When in an eye thou art, alive with fate!
John Keats
Adenda:
Kyoto, Outubro de 2005
Fotografia deste outro Manel, também conhecido por Nic [é linda, obrigad@; um beijo para ti]
Estação Termini [exterior], Roma
Outubro de 2005
Fotografia de Manel da Truta
ANSWER TO A SONNET ENDING THUS:
Dark eyes are dearer far
Than orbs that mock the hyacinthine bell -
J.H.Reynolds
Blue! 'Tis the life of heaven, the domain
Of Cynthia, the wide palace of the sun,
The tent of Hesperus, and all his train,
The bosomer of clouds, gold, grey and dun.
Blue! 'Tis the life of waters - Ocean
And all its vassal streams, pools numberless,
May rage, and foam, and fret, but never can
Subside, if not to dark blue nativeness.
Blue! Gentle cousin to the forest-green,
Married to green in all the sweetest flowers -
Forget-me-not, the blue-bell, and, that queen
Of secrecy,the violet. What strange powers
Hast thou, as a mere shadow! But how great,
When in an eye thou art, alive with fate!
John Keats
Adenda:
Kyoto, Outubro de 2005
Fotografia deste outro Manel, também conhecido por Nic [é linda, obrigad@; um beijo para ti]
Keat's view
Beauty is truth, truth beauty'-
that is all
Ye know on earth, and all ye need
to know.
John Keats
Piazza di Spagna, a Fonte-Barco de Bernini
Scalinata della Trinitá dei Monti
Sobre a Scalinata morreu Keats, aos vinte e cinco anos. Aos dezassete terminara a sua formação médica para decidir não ser médico, mas poeta. Na escrevaninha sob a janela donde admirava, se conseguia erguer-se, os degraus chuvosos e a fonte de Bernini, as mãos tocam a madeira como se lessem, o espírito inebriado de poesia e verdade, os olhos gratos e perplexos com as emoções que podem irromper em três metros quadrados de quarto, com uma cama estreita em que há quase duzentos anos morreu um génio tuberculoso, e uma janela de onde se avista um tapete ondulante de gente que sobe e desce degraus e dispara flashes de câmaras digitais. Se a verdade é beleza, esta cidade monumental e monumentalmente contraditória existe realmente. Só assim de tal me convenço.
Roma, 3 de Outubro de 2005
O último quarto de John Keats, Keats-Shelley Memorial House
Fotografias de P.
Beauty is truth, truth beauty'-
that is all
Ye know on earth, and all ye need
to know.
John Keats
Piazza di Spagna, a Fonte-Barco de Bernini
Scalinata della Trinitá dei Monti
Sobre a Scalinata morreu Keats, aos vinte e cinco anos. Aos dezassete terminara a sua formação médica para decidir não ser médico, mas poeta. Na escrevaninha sob a janela donde admirava, se conseguia erguer-se, os degraus chuvosos e a fonte de Bernini, as mãos tocam a madeira como se lessem, o espírito inebriado de poesia e verdade, os olhos gratos e perplexos com as emoções que podem irromper em três metros quadrados de quarto, com uma cama estreita em que há quase duzentos anos morreu um génio tuberculoso, e uma janela de onde se avista um tapete ondulante de gente que sobe e desce degraus e dispara flashes de câmaras digitais. Se a verdade é beleza, esta cidade monumental e monumentalmente contraditória existe realmente. Só assim de tal me convenço.
Roma, 3 de Outubro de 2005
O último quarto de John Keats, Keats-Shelley Memorial House
Fotografias de P.
segunda-feira, outubro 10, 2005
Vaticano - Vocações III
Entretanto, de ala para ala, o comércio cresce e multiplica-se.
Museu Vaticano
Fotografias de Manel da Truta
Entretanto, de ala para ala, o comércio cresce e multiplica-se.
Museu Vaticano
Fotografias de Manel da Truta
Vaticano - Vocações II
Enquanto que, sensual e contraditoriamente, nos vai inebriando os sentidos de cor e de arte.
Museu Vaticano
Fotografias de Manel da Truta
Enquanto que, sensual e contraditoriamente, nos vai inebriando os sentidos de cor e de arte.
Museu Vaticano
Fotografias de Manel da Truta
Vaticano - Vocações
Assim que se entra, a dúvida dissipa-se. A vocação prioritária é a castração.
Até nas crianças é fatalmente pecaminoso...
... e este, está-se mesmo a ver, deve ter exagerado na auto-indulgência.
Museu Vaticano
Fotografias de Manel da Truta
Assim que se entra, a dúvida dissipa-se. A vocação prioritária é a castração.
Até nas crianças é fatalmente pecaminoso...
... e este, está-se mesmo a ver, deve ter exagerado na auto-indulgência.
Museu Vaticano
Fotografias de Manel da Truta
Gatos de Roma
-para a Micas-
Os gatos,
não vagabundos mas sem ter um dono,
ao sol adormecidos
em ruas sem passeios,
ou esperando uma mão generosa
talvez entre ruínas,
os gatos
imortais de um modo tão humilde,
desafiam o tempo, permanecem
suportando bons e maus momentos,
nada sabendo da História
que levanta edifícios
ou os deixa abismar-se entre pedaços
belos ainda, agora nobres pedestais
dessas figuras: livres.
Olhar fixo de uns olhos muito verdes,
em solidão, em ócio e luz distante.
Olhos semicerrados, olhos quase chineses,
loira a pele em calma iluminada.
Erguido junto a um mármore,
resto sobrevivente de coluna,
alguém feliz e pulcro
alisa-se com a pata bem lambida.
Gatos. Frente à História,
sensíveis, sérios, sozinhos, inocentes.
Jorge Guillén, 1893, trad. José Bento
Santuário de gatos de Campus Martius, Largo Argentina
Fotografias de Manel da Truta e de P.
-para a Micas-
Os gatos,
não vagabundos mas sem ter um dono,
ao sol adormecidos
em ruas sem passeios,
ou esperando uma mão generosa
talvez entre ruínas,
os gatos
imortais de um modo tão humilde,
desafiam o tempo, permanecem
suportando bons e maus momentos,
nada sabendo da História
que levanta edifícios
ou os deixa abismar-se entre pedaços
belos ainda, agora nobres pedestais
dessas figuras: livres.
Olhar fixo de uns olhos muito verdes,
em solidão, em ócio e luz distante.
Olhos semicerrados, olhos quase chineses,
loira a pele em calma iluminada.
Erguido junto a um mármore,
resto sobrevivente de coluna,
alguém feliz e pulcro
alisa-se com a pata bem lambida.
Gatos. Frente à História,
sensíveis, sérios, sozinhos, inocentes.
Jorge Guillén, 1893, trad. José Bento
Santuário de gatos de Campus Martius, Largo Argentina
Fotografias de Manel da Truta e de P.
domingo, outubro 09, 2005
Fermate
Enquanto os Ubus se preparam para ocupar novamente os seus postos de cacique por este país afora, aqui vai um recado que pode ser alargado a todos eles. Ou se calhar o melhor é pensarmos em irmos nós...
O Uburlusconi tem aqui uma fermata especialmente preparada para si...
Via Cavour
...ou então pode subir um pouco até à fermata de Santa Maria degli Angeli. O motorista já entrou ao serviço.
Basillica Santa Maria degli Angeli e dei Martiri, Piazza della Republica
Fotografias de Manel da Truta
Enquanto os Ubus se preparam para ocupar novamente os seus postos de cacique por este país afora, aqui vai um recado que pode ser alargado a todos eles. Ou se calhar o melhor é pensarmos em irmos nós...
O Uburlusconi tem aqui uma fermata especialmente preparada para si...
Via Cavour
...ou então pode subir um pouco até à fermata de Santa Maria degli Angeli. O motorista já entrou ao serviço.
Basillica Santa Maria degli Angeli e dei Martiri, Piazza della Republica
Fotografias de Manel da Truta
Via Cavour
Uma semana muda tudo.
Mas na urbe nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
Roma, 1 e 4 de Outubro de 2005
Fotografias de Manel da Truta
Uma semana muda tudo.
Mas na urbe nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
Roma, 1 e 4 de Outubro de 2005
Fotografias de Manel da Truta
Acabada de chegar de Roma, receio levantar suspeitas de dopping com este teste...
Your Inner Child Is Surprised |
You see many things through the eyes of a child. Meaning, you're rarely cynical or jaded. You cherish all of the details in life. Easily fascinated, you enjoy experiencing new things. |
Previsão para os próximos dias
Prevê-se uma avalanche de fotografias de calhaus, gatos, gente, cores, edifícios, imperadores, manuscritos, pormenores de Bernini e do quotidiano possível - não posto o tecto da Capela Sistina porque os senhores têm de fazer dinheiro com os posteres que vendem, por isso é que é proibido fotografar [ordem que, como calculam, é diligentemente ignorada por quase toda a gente]; não quero ir parar ao inferno, por isso, quem quiser ver os bíceps do Adão, é favor comprar um postalito, ou procurar na net, essa coisa do demo.
Se eu exagerar, agradeço que não mo digam. Estou apaixonada. E no amor por uma cidade vorazmente sensual, como Roma, não há exagero possível.
Prevê-se uma avalanche de fotografias de calhaus, gatos, gente, cores, edifícios, imperadores, manuscritos, pormenores de Bernini e do quotidiano possível - não posto o tecto da Capela Sistina porque os senhores têm de fazer dinheiro com os posteres que vendem, por isso é que é proibido fotografar [ordem que, como calculam, é diligentemente ignorada por quase toda a gente]; não quero ir parar ao inferno, por isso, quem quiser ver os bíceps do Adão, é favor comprar um postalito, ou procurar na net, essa coisa do demo.
Se eu exagerar, agradeço que não mo digam. Estou apaixonada. E no amor por uma cidade vorazmente sensual, como Roma, não há exagero possível.
No caos se transformam as almas
Arte, chuva, história. Uma energia acelerada que ferve esquina a esquina. Poluição - os romanos buzinam demais, caramba! -, turistas, confusão. E por incrível que pareça nunca me orientei tão bem e tão rapidamente numa cidade desconhecida - talvez porque nunca uma cidade desconhecida me tenha parecido tão familiar e próxima. Mais chuva. O peso da ICAR por todo o lado não é suficiente para castrar todo o instinto, toda a sedução que percorre os poros destes latinos. E que melhor meio pode existir de subversão? Só às esculturas do Museu Vaticano conseguiram cortar caralhos e mamilos, nunca aos romanos [hão de cair, cair, cair, cair]. Persegue-nos a beleza. E a atrocidade. Os novos mártires não constroem termas com nomes imperiais, dormem antes a poucos metros do muito que delas resta, sob as arcadas da estação Termini, mal abrigados da chuva. Famintos e sós. Dormem, porque o sono é meio sustento, mesmo os novatos, que acordam ainda em sobressalto ao som de quaisquer passos, mesmo esses o sabem já [cair sempre e sempre, ininterruptamente]. A energia que se desprende das pedras envolve e arrasta para uma vertigem de emoções e sentidos. As pedras confundem-se com os rostos dos romanos. Com os sorrisos insinuantes. Com os olhares despudorados. Com os cabelos escuros e as auras vivas. E Roma mantém-se eterna [na razão directa do quadrado dos tempos].
Roma, 7 de Outubro de 2005
Arte, chuva, história. Uma energia acelerada que ferve esquina a esquina. Poluição - os romanos buzinam demais, caramba! -, turistas, confusão. E por incrível que pareça nunca me orientei tão bem e tão rapidamente numa cidade desconhecida - talvez porque nunca uma cidade desconhecida me tenha parecido tão familiar e próxima. Mais chuva. O peso da ICAR por todo o lado não é suficiente para castrar todo o instinto, toda a sedução que percorre os poros destes latinos. E que melhor meio pode existir de subversão? Só às esculturas do Museu Vaticano conseguiram cortar caralhos e mamilos, nunca aos romanos [hão de cair, cair, cair, cair]. Persegue-nos a beleza. E a atrocidade. Os novos mártires não constroem termas com nomes imperiais, dormem antes a poucos metros do muito que delas resta, sob as arcadas da estação Termini, mal abrigados da chuva. Famintos e sós. Dormem, porque o sono é meio sustento, mesmo os novatos, que acordam ainda em sobressalto ao som de quaisquer passos, mesmo esses o sabem já [cair sempre e sempre, ininterruptamente]. A energia que se desprende das pedras envolve e arrasta para uma vertigem de emoções e sentidos. As pedras confundem-se com os rostos dos romanos. Com os sorrisos insinuantes. Com os olhares despudorados. Com os cabelos escuros e as auras vivas. E Roma mantém-se eterna [na razão directa do quadrado dos tempos].
Roma, 7 de Outubro de 2005
Que bom!
Ao contrário do que parecia com o bafo nocturno que apanhei a noite passada entre a Portela e o Campo Pequeno, o Outono não se ficou chovendo na Via Cavour. Seguiu-nos até Lisboa. E eu regresso feliz. E enamorada da mais bela das cidades.
Ao contrário do que parecia com o bafo nocturno que apanhei a noite passada entre a Portela e o Campo Pequeno, o Outono não se ficou chovendo na Via Cavour. Seguiu-nos até Lisboa. E eu regresso feliz. E enamorada da mais bela das cidades.
sexta-feira, outubro 07, 2005
A taste of America - parte II
O antigo responsável pela política externa da Autoridade Palestiniana, Nabil Shaath, revela num documentário da BBC que o Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, disse acreditar que foi enviado por Deus para combater os terroristas no Afeganistão e no Iraque.
De acordo com Nabil Shaath, esta polémica declaração de Bush foi proferida em 2003, durante uma ronda de negociações israelo-palestinianas, na instância turística egípcia de Sharm el-Sheik, quatro meses depois do início da invasão do Iarque.
"O Presidente Bush disse-nos: ‘Estou a cumprir uma missão que Deus me confiou. Deus disse-me: George, vai combater os terroristas no Afeganistão. E eu fui. E depois Deus disse-me: George, vai acabar com a tirania no Iraque. E assim fiz’”, revela Nabil Shaath numa entrevista a incluir num documentário da BBC que vai estrear na próxima segunda-feira.
Segundo o ex-chefe da diplomacia palestiniana, George W. Bush disse ainda, na mesma ocasião: “E agora, mais uma vez, sinto que ouço as palavras de Deus: ‘Vai arranjar um Estado para os palestinianos e estabelecer a segurança em Israel'. E, por Deus, vou conseguir esse objectivo’”.
E quando pensamos que já tínhamos visto tudo...
O antigo responsável pela política externa da Autoridade Palestiniana, Nabil Shaath, revela num documentário da BBC que o Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, disse acreditar que foi enviado por Deus para combater os terroristas no Afeganistão e no Iraque.
De acordo com Nabil Shaath, esta polémica declaração de Bush foi proferida em 2003, durante uma ronda de negociações israelo-palestinianas, na instância turística egípcia de Sharm el-Sheik, quatro meses depois do início da invasão do Iarque.
"O Presidente Bush disse-nos: ‘Estou a cumprir uma missão que Deus me confiou. Deus disse-me: George, vai combater os terroristas no Afeganistão. E eu fui. E depois Deus disse-me: George, vai acabar com a tirania no Iraque. E assim fiz’”, revela Nabil Shaath numa entrevista a incluir num documentário da BBC que vai estrear na próxima segunda-feira.
Segundo o ex-chefe da diplomacia palestiniana, George W. Bush disse ainda, na mesma ocasião: “E agora, mais uma vez, sinto que ouço as palavras de Deus: ‘Vai arranjar um Estado para os palestinianos e estabelecer a segurança em Israel'. E, por Deus, vou conseguir esse objectivo’”.
E quando pensamos que já tínhamos visto tudo...