quinta-feira, setembro 30, 2004
quarta-feira, setembro 29, 2004
Para o K., com um doce trompete em fundo.
What good are words I say to you?
They can’t convey to you what’s in my heart
If you could hear instead the things I’ve left unsaid
Time after time
I tell myself that i’m so lucky to be loving you
So lucky to be
The one you run to see in the evening, when the day is through
I only know what I know
The passing years will show you’ve kept my love so young, so new
And time after time
You’ll hear me say that i’m so lucky to be loving you
[J.Styne, S.Cahn.]
What good are words I say to you?
They can’t convey to you what’s in my heart
If you could hear instead the things I’ve left unsaid
Time after time
I tell myself that i’m so lucky to be loving you
So lucky to be
The one you run to see in the evening, when the day is through
I only know what I know
The passing years will show you’ve kept my love so young, so new
And time after time
You’ll hear me say that i’m so lucky to be loving you
[J.Styne, S.Cahn.]
Poesia
Lisboa, 20 de Março de 2004
Fotografia de Manel da Truta
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto.
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isto acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA
António Gedeão
Lisboa, 20 de Março de 2004
Fotografia de Manel da Truta
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto.
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isto acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA
António Gedeão
terça-feira, setembro 28, 2004
Até dá gosto, ter amigos assim!
Recebi um e-mail do meu amigo Louzeiro, filho dilecto de Lagos e cidadão do mundo. O Pedro é um espírito livre que cruzou o meu caminho há meia-dúzia de anos, provavelmente o único colega dos meus tempos de estudante de Formação Musical na ESML com quem mantenho algum contacto. E em boa hora o mantivémos, pois gente como o Pedro é de guardar na carteira de amizades e influências. Admirava-lhe já tantas coisas: a liberdade e a coragem, o talento musical, a simplicidade, a honestidade, a calma e uma candura natural que mantém e que o distingue de tantos outros homens que conheço. Agora admiro-lhe também a escrita. O Pedro escreveu que queria só partilhar esta "discussãozita" ocorrida na mailing list da comunidade Apple portuguesa com os amigos. Eu pedi-lhe autorização para fazer o mesmo. Ele deu. E aqui vai, então, o argumento infantilóide de um(a) cois@ e a resposta do meu amigo Pedro. E digam lá que não é bonito de se ler...
O "post" vinha a propósito de uma discussão sobre Português – sobre os erros ortográficos e gramaticais que o pessoal comete quando escreve para lá – onde o nome de Saramago apareceu a propósito de ,?;... pontuação!
PORTUGUES:
Mas O Saramago afinal e português????
Pensava que ele era um "expatriado"!!!
O homem só é portugês quando lhe interessa!
Quando não interessa, vive coitadito naquela ilhota de Lanzarote!! Qual emigrante desprotegido!!!!
Nós não escolhemos onde nascemos, e no nosso caso somos portugueses.
Mas quem escolhe um país diferente do seu de origem, não deveria ser considerado cidadão donde nasceu mas SIM de onde mora, por escolha própria!
A hipocrisia é uma coisa muuuuuuito feia, mas tão comum!!
E esse homem é o protótipo da hipocrisia.
Take my word!!
Oca
__________________________________________
Há cerca de dois mil e quatrocentos anos, um homem chamado Sócrates disse não ser grego nem ateniense mas antes um cidadão do mundo.
A meu ver, um homem é livre de viver onde se sente bem.
A meu ver, um homem que exalta de forma sublime a cultura de um país deve ser acarinhado por quem sente pertencer a essa cultura.
A meu ver, hipocrisia é cuspir no prato depois de saciar a fome.
A meu ver, hipócrita é aquele que anda toda uma vida a dizer que "isto aqui não presta para nada" ou "isto aqui não há condições" ou ainda "isto aqui está cada vez pior" sem, no entanto, fazer algo no sentido de mudar "isto aqui" para melhor mas, quando chega a hora de mostrar o seu valente patriotismo, compra uma bandeira de cinco metros e estica-a na varanda do seu nono andar ou no tejadilho do seu Opel Frontera estacionado em segunda fila.
A meu ver, mais faz por um país esse cidadão do mundo que edifica uma obra de inquestionável valor estético baseada no principal brasão cultural desse país, que é a língua, do que um patriota nacionalista ingrato velho do restelo que só não arreda pé donde nasceu pelo simples facto de não ter condições ou mais provavelmente coragem para o fazer ... e que ainda por cima nos vem falar de hipocrisia!
Pedro Louzeiro
p.s. - A meu ver, uma coisa muita feia mas, efectivamente, tão comum (porque é tãããão fácil!...) é votar ao desprezo os artistas da nossa terra, os motores da nossa cultura, da nossa identidade. Já agora: qual seria o significado de pátria sem elas?
Tanto caminho que há ainda a palmilhar contra a tacanhez deste santo país... felizmente para nós, há Louzeiros por aí, cruzando o mundo e as culturas, recebendo de braços abertos o que de melhor existe na vida e lembrando-nos, ainda que num sussurro, que somos todos feitos do mesmo.
Recebi um e-mail do meu amigo Louzeiro, filho dilecto de Lagos e cidadão do mundo. O Pedro é um espírito livre que cruzou o meu caminho há meia-dúzia de anos, provavelmente o único colega dos meus tempos de estudante de Formação Musical na ESML com quem mantenho algum contacto. E em boa hora o mantivémos, pois gente como o Pedro é de guardar na carteira de amizades e influências. Admirava-lhe já tantas coisas: a liberdade e a coragem, o talento musical, a simplicidade, a honestidade, a calma e uma candura natural que mantém e que o distingue de tantos outros homens que conheço. Agora admiro-lhe também a escrita. O Pedro escreveu que queria só partilhar esta "discussãozita" ocorrida na mailing list da comunidade Apple portuguesa com os amigos. Eu pedi-lhe autorização para fazer o mesmo. Ele deu. E aqui vai, então, o argumento infantilóide de um(a) cois@ e a resposta do meu amigo Pedro. E digam lá que não é bonito de se ler...
O "post" vinha a propósito de uma discussão sobre Português – sobre os erros ortográficos e gramaticais que o pessoal comete quando escreve para lá – onde o nome de Saramago apareceu a propósito de ,?;... pontuação!
PORTUGUES:
Mas O Saramago afinal e português????
Pensava que ele era um "expatriado"!!!
O homem só é portugês quando lhe interessa!
Quando não interessa, vive coitadito naquela ilhota de Lanzarote!! Qual emigrante desprotegido!!!!
Nós não escolhemos onde nascemos, e no nosso caso somos portugueses.
Mas quem escolhe um país diferente do seu de origem, não deveria ser considerado cidadão donde nasceu mas SIM de onde mora, por escolha própria!
A hipocrisia é uma coisa muuuuuuito feia, mas tão comum!!
E esse homem é o protótipo da hipocrisia.
Take my word!!
Oca
__________________________________________
Há cerca de dois mil e quatrocentos anos, um homem chamado Sócrates disse não ser grego nem ateniense mas antes um cidadão do mundo.
A meu ver, um homem é livre de viver onde se sente bem.
A meu ver, um homem que exalta de forma sublime a cultura de um país deve ser acarinhado por quem sente pertencer a essa cultura.
A meu ver, hipocrisia é cuspir no prato depois de saciar a fome.
A meu ver, hipócrita é aquele que anda toda uma vida a dizer que "isto aqui não presta para nada" ou "isto aqui não há condições" ou ainda "isto aqui está cada vez pior" sem, no entanto, fazer algo no sentido de mudar "isto aqui" para melhor mas, quando chega a hora de mostrar o seu valente patriotismo, compra uma bandeira de cinco metros e estica-a na varanda do seu nono andar ou no tejadilho do seu Opel Frontera estacionado em segunda fila.
A meu ver, mais faz por um país esse cidadão do mundo que edifica uma obra de inquestionável valor estético baseada no principal brasão cultural desse país, que é a língua, do que um patriota nacionalista ingrato velho do restelo que só não arreda pé donde nasceu pelo simples facto de não ter condições ou mais provavelmente coragem para o fazer ... e que ainda por cima nos vem falar de hipocrisia!
Pedro Louzeiro
p.s. - A meu ver, uma coisa muita feia mas, efectivamente, tão comum (porque é tãããão fácil!...) é votar ao desprezo os artistas da nossa terra, os motores da nossa cultura, da nossa identidade. Já agora: qual seria o significado de pátria sem elas?
Tanto caminho que há ainda a palmilhar contra a tacanhez deste santo país... felizmente para nós, há Louzeiros por aí, cruzando o mundo e as culturas, recebendo de braços abertos o que de melhor existe na vida e lembrando-nos, ainda que num sussurro, que somos todos feitos do mesmo.
sábado, setembro 25, 2004
Estes testes fazem maravilhas pela minha auto-estima!
E estou muito contente, também, com a companhia, parca mas boa. Estes aqui em baixo...
...e este aqui [e, já agora, obrigad@;)].
Faz o teste.
E estou muito contente, também, com a companhia, parca mas boa. Estes aqui em baixo...
...e este aqui [e, já agora, obrigad@;)].
Faz o teste.
sexta-feira, setembro 24, 2004
É por estas e por outras que eu defendo os palhaços...
Agora a sério, este teste é impressionante, ó Vermelhita... [claro que gosto sobretudo daquela parte que diz: the fool is God, eheheh]
You are the Fool card. The Fool fearlessly begins the journey into the unknown. To do this, he does not regard the world he knows as firm and fixed. He has a seemingly reckless disregard for obstacles. In the Ryder-Waite deck, he is seen stepping off a cliff with his gaze on the sky, and a rainbow is there to catch him. In order to explore and expand, one must disregard convention and conformity. Those in the throes of convention look at the unconventional, non-conformist personality and think What a fool. They lack the point of view to understand The Fool's actions. But The Fool has roots in tradition as one who is closest to the spirit world. In many tribal cultures, those born with strange and unusual character traits were held in awe. Shamans were people who could see visions and go on journeys that we now label hallucinations and schizophrenia. Those with physical differences had experience and knowledge that the average person could not understand. The Fool is God. The number of the card is zero, which when drawn is a perfect circle. This circle represents both emptiness and infinity. The Fool is not shackled by mountains and valleys or by his physical body. He does not accept the appearance of cliff and air as being distinct or real.
Image from: Mary DeLave http://www.marydelave.com/
Which Tarot Card Are You?
brought to you by Quizilla
Agora a sério, este teste é impressionante, ó Vermelhita... [claro que gosto sobretudo daquela parte que diz: the fool is God, eheheh]
You are the Fool card. The Fool fearlessly begins the journey into the unknown. To do this, he does not regard the world he knows as firm and fixed. He has a seemingly reckless disregard for obstacles. In the Ryder-Waite deck, he is seen stepping off a cliff with his gaze on the sky, and a rainbow is there to catch him. In order to explore and expand, one must disregard convention and conformity. Those in the throes of convention look at the unconventional, non-conformist personality and think What a fool. They lack the point of view to understand The Fool's actions. But The Fool has roots in tradition as one who is closest to the spirit world. In many tribal cultures, those born with strange and unusual character traits were held in awe. Shamans were people who could see visions and go on journeys that we now label hallucinations and schizophrenia. Those with physical differences had experience and knowledge that the average person could not understand. The Fool is God. The number of the card is zero, which when drawn is a perfect circle. This circle represents both emptiness and infinity. The Fool is not shackled by mountains and valleys or by his physical body. He does not accept the appearance of cliff and air as being distinct or real.
Image from: Mary DeLave http://www.marydelave.com/
Which Tarot Card Are You?
brought to you by Quizilla
quinta-feira, setembro 23, 2004
Preocupações para a rentrée
ao som de uma paráfrase de Geogia on my Mind
giorgio
eu tive um sonho risonho e terno
sonhei que eu era um anjo elegante no inferno
giorgio
eu sinto medo na longa estrada
o medo é a moda desta triste temporada
giorgio
'tá tudo assim nem sei 'tá tão estranho
a cor dessa estação é cinza como o céu de estanho
quando um dia enfim findar
este outono eterno
eu quero que você me aqueça
com a sua coleção de inverno
giorgio
pobre de quem não tem
será que eu estou bem
na capa da revista
Zeca Baleiro, balada para giorgio armani, Líricas
ao som de uma paráfrase de Geogia on my Mind
giorgio
eu tive um sonho risonho e terno
sonhei que eu era um anjo elegante no inferno
giorgio
eu sinto medo na longa estrada
o medo é a moda desta triste temporada
giorgio
'tá tudo assim nem sei 'tá tão estranho
a cor dessa estação é cinza como o céu de estanho
quando um dia enfim findar
este outono eterno
eu quero que você me aqueça
com a sua coleção de inverno
giorgio
pobre de quem não tem
será que eu estou bem
na capa da revista
Zeca Baleiro, balada para giorgio armani, Líricas
quarta-feira, setembro 22, 2004
Acho piada àquele spot em que o Luís Represas diz que não sabe como vai ser a música do futuro.
Raio de pergunta: pois se o homem nem sabe como é a música do presente...
Raio de pergunta: pois se o homem nem sabe como é a música do presente...
Aqui continua uma interessantísima troca de galhardetes e aqui está bem claro por que razão o governo deve demitir-se ou ser demitido.
Sampaio Travará Taxas Moderadoras Baseadas em Declarações de Impostos
Então e demiti-los, não? Ou ainda é cedo? Olhe que o país é pequeno, senhor presidente do conselho capicua, daqui a pouco já pouco resta para destruir...
Então e demiti-los, não? Ou ainda é cedo? Olhe que o país é pequeno, senhor presidente do conselho capicua, daqui a pouco já pouco resta para destruir...
terça-feira, setembro 21, 2004
Haverá ainda alguém que se lembre?...
Fotografia de Laranja, num carro em andamento
Somos todos o quê? Todos?... Ahhh...
Fotografia de Laranja, num carro em andamento
Somos todos o quê? Todos?... Ahhh...
segunda-feira, setembro 20, 2004
Friends, romans, countrymen...
No fórum da Antena 1 sucedem-se os ouvintes que acusam. Mas não acusam preferencialmente os governos que temos tido mais recentemente. Não aceitam a desculpa dos cinquenta anos de ditadura face a uma democracia que já leva trinta e que poucas marcas parece deixar nas mentalidades e na cidadania. Acusam-nos a nós - e a si mesmos: o cidadão que não exerce a cidadania, que assina de cruz no boletim de voto quando se dá ao trabalho de ir votar e acha que o seu dever está, assim, cumprido, que diz mal de tudo e constrói pouco e mal, que assiste apático à degradação da educação dos filhos, que não se manifesta nem entra em greve, mas que falta ao trabalho para encher estádios e festejar vitórias. O cidadão que acaba por votar no paizinho mais mediático que lhe apareça nos quatro canais. O cidadão que cultiva o não pensar. Que cultiva a ausência de cidadania. E que infelizmente é a espécie mais comum neste zoo chamado Portugal.
Obrigad@, Vermelha, tinhas razão. Vale bem a pena escutar este fórum. Mas nós telefonamos, mas nós pensamos, mas nós blogamos. Nós duas estivémos no sábado na rua, marchando pelos direitos dos animais, com tanta outra gente, muita da qual talvez se mobilize por essa causa e só por essa. Pois bem, senhores, a nossa causa é a vida, a liberdade, a verdade, a igualdade, o fim do preconceito e do medo. Quantos de vós ficaram em casa nas últimas manifestações pela legalização do aborto e contra o golpe palaciano que nos instalou este governo PP-PSD? Quantos de vós se revoltaram e zangaram sentados no sofá? Onde estareis daqui para a frente?
Ainda no sofá?
No fórum da Antena 1 sucedem-se os ouvintes que acusam. Mas não acusam preferencialmente os governos que temos tido mais recentemente. Não aceitam a desculpa dos cinquenta anos de ditadura face a uma democracia que já leva trinta e que poucas marcas parece deixar nas mentalidades e na cidadania. Acusam-nos a nós - e a si mesmos: o cidadão que não exerce a cidadania, que assina de cruz no boletim de voto quando se dá ao trabalho de ir votar e acha que o seu dever está, assim, cumprido, que diz mal de tudo e constrói pouco e mal, que assiste apático à degradação da educação dos filhos, que não se manifesta nem entra em greve, mas que falta ao trabalho para encher estádios e festejar vitórias. O cidadão que acaba por votar no paizinho mais mediático que lhe apareça nos quatro canais. O cidadão que cultiva o não pensar. Que cultiva a ausência de cidadania. E que infelizmente é a espécie mais comum neste zoo chamado Portugal.
Obrigad@, Vermelha, tinhas razão. Vale bem a pena escutar este fórum. Mas nós telefonamos, mas nós pensamos, mas nós blogamos. Nós duas estivémos no sábado na rua, marchando pelos direitos dos animais, com tanta outra gente, muita da qual talvez se mobilize por essa causa e só por essa. Pois bem, senhores, a nossa causa é a vida, a liberdade, a verdade, a igualdade, o fim do preconceito e do medo. Quantos de vós ficaram em casa nas últimas manifestações pela legalização do aborto e contra o golpe palaciano que nos instalou este governo PP-PSD? Quantos de vós se revoltaram e zangaram sentados no sofá? Onde estareis daqui para a frente?
Ainda no sofá?
domingo, setembro 19, 2004
Bom domingo!
A Pública desta semana é de ler de fio a pavio. Sem passar por cima dos artigos sobre o Sudão [ao qual falta, a meu ver, uma perspectiva sobre a actuação dos "desenvolvidos" - e sobretudo da UE - face a uma realidade de guerra, repressão e carência extrema que parece não ter fim] e sobre os candidatos a secretário-geral do PS [fiquei com a pulga atrás da orelha: se João Soares também tem obra feita, por que razão apenas José Sócrates tem direito a rol exaustivo?... critérios...], os meus destaques não poderiam deixar de ser os três que se seguem.
A entrevista de Alexandra Lucas Coelho a Miguel Vale de Almeida é mais uma boa oportunidade para aproveitar a forma clara, fundamentada e honesta com que o Miguel sempre trata as questões sociais - qualidades da formação ou da essência ou ambas - e reflectir sobre a importância que a luta pelos direitos LGBT necessariamente tem numa sociedade que desejaríamos - e não encontramos - igualitária e justa. Sem o peso do preconceito na legislação, na vida pública, nas relações laborais, enfim, nos direitos humanos.
Os 40 anos da Mafalda, por Ana Sá Lopes. Terá desaparecido nas brumas da ditadura argentina, deixando a sua mãe na Praça de Maio, ou será hoje, como sempre aspirou, intérprete na ONU? Os pequenos perfis das personagens deixam-me com saudades daquela gente de quem gosto e com quem embirro de modo quase tridimensional. Os perfis de Filipe e das suas "laborações oníricas" e do pai dependente de Nervocalm são especialmente ternurentos. Don't mind me, nas mais diversas situações quotidianas e não só socorrem-me os axiomas mafaldianos, não sou de fiar. Mas melhor do que eu, e com uma ironia deliciosa, explicará a citação de Marcello Bernardi, autor do prefácio à edição italiana de Toda a Mafalda, a importância desta menina inteligente, atenta e pespineta, muito mais que uma simples contestatária: "É a ideologia da revolução total. A sua crítica não poupa nada, nem a organização social, nem as alquimias políticas, nem as leis económicas, nem a industrialização, nem a polícia, nem a escola, nem as instituições em geral. Nem o homem. Nada. (...) Nós, os poucos que pensávamos e pensamos como ela, sempre nos atormentámos com o medo de não sermos serenos, de sermos influenciados por rancores pessoais, de não vermos as coisas como estão. A Mafalda tranquilizou-nos. As coisas estão mesmo assim. Mal. Pessimamente mesmo."
E last but not you know what, a entrevista de Paulo Moura a Valérie Tasso, autora do livro Diário de uma Ninfomaníaca. Frases a reter: "Para uma mulher, viver livremente a sua sexualidade implica um grande sentimento de culpa. Para um homem não. (...) O medo de dizer as coisas anula a nossa liberdade. (...)[uma mulher que exerce a sua liberdade sexual será mais vulnerável a uma relação de dominação psicológica] Porque se sente sempre culpada, o que a leva ter um desejo inconsciente de regressar ao modelo convencional. Quando encontra alguém, deixa-se dominar porque se sente insegura, tem medo de ser uma marginal. [no fundo sempre procurou o seu príncipe encantado] para poder cumprir o objectivo vital para que me educaram." Quanto à prostituição, acautelem-se os olhos sensíveis: "Prefiro ser prostituta, que me paguem e volte à noite para casa, do que casar-me com um homem, quatro anos depois não o desejar mas ter de continuar com ele para poder viver. [o casamento é então uma forma de prostituição] Ou pior, porque não tem um preço fixo, é preciso pagar sempre...". A última pergunta só poderia ser como se imagina uma sociedade com total liberdade sexual. A resposta dificilmente poderia ser outra: "Quem me dera saber. Só tenho uma certeza, não se falaria tanto de sexo."
Nas primeira páginas, o Miguel falava do interesse que lhe desperta a actual sociedade espanhola, fervilhante nas discussões políticas e sociais que em Portugal a muito custo se conseguem manter acesas. Valérie Tasso, filha de boas famílias francesas, vive e publica em Espanha. E assim se fecha o círculo. Acautelai-vos, ó Nobre Casa de Bragança. De Espanha sopram hoje os ventos da dissolução. Ventos de liberdade.
A Pública desta semana é de ler de fio a pavio. Sem passar por cima dos artigos sobre o Sudão [ao qual falta, a meu ver, uma perspectiva sobre a actuação dos "desenvolvidos" - e sobretudo da UE - face a uma realidade de guerra, repressão e carência extrema que parece não ter fim] e sobre os candidatos a secretário-geral do PS [fiquei com a pulga atrás da orelha: se João Soares também tem obra feita, por que razão apenas José Sócrates tem direito a rol exaustivo?... critérios...], os meus destaques não poderiam deixar de ser os três que se seguem.
A entrevista de Alexandra Lucas Coelho a Miguel Vale de Almeida é mais uma boa oportunidade para aproveitar a forma clara, fundamentada e honesta com que o Miguel sempre trata as questões sociais - qualidades da formação ou da essência ou ambas - e reflectir sobre a importância que a luta pelos direitos LGBT necessariamente tem numa sociedade que desejaríamos - e não encontramos - igualitária e justa. Sem o peso do preconceito na legislação, na vida pública, nas relações laborais, enfim, nos direitos humanos.
Os 40 anos da Mafalda, por Ana Sá Lopes. Terá desaparecido nas brumas da ditadura argentina, deixando a sua mãe na Praça de Maio, ou será hoje, como sempre aspirou, intérprete na ONU? Os pequenos perfis das personagens deixam-me com saudades daquela gente de quem gosto e com quem embirro de modo quase tridimensional. Os perfis de Filipe e das suas "laborações oníricas" e do pai dependente de Nervocalm são especialmente ternurentos. Don't mind me, nas mais diversas situações quotidianas e não só socorrem-me os axiomas mafaldianos, não sou de fiar. Mas melhor do que eu, e com uma ironia deliciosa, explicará a citação de Marcello Bernardi, autor do prefácio à edição italiana de Toda a Mafalda, a importância desta menina inteligente, atenta e pespineta, muito mais que uma simples contestatária: "É a ideologia da revolução total. A sua crítica não poupa nada, nem a organização social, nem as alquimias políticas, nem as leis económicas, nem a industrialização, nem a polícia, nem a escola, nem as instituições em geral. Nem o homem. Nada. (...) Nós, os poucos que pensávamos e pensamos como ela, sempre nos atormentámos com o medo de não sermos serenos, de sermos influenciados por rancores pessoais, de não vermos as coisas como estão. A Mafalda tranquilizou-nos. As coisas estão mesmo assim. Mal. Pessimamente mesmo."
E last but not you know what, a entrevista de Paulo Moura a Valérie Tasso, autora do livro Diário de uma Ninfomaníaca. Frases a reter: "Para uma mulher, viver livremente a sua sexualidade implica um grande sentimento de culpa. Para um homem não. (...) O medo de dizer as coisas anula a nossa liberdade. (...)[uma mulher que exerce a sua liberdade sexual será mais vulnerável a uma relação de dominação psicológica] Porque se sente sempre culpada, o que a leva ter um desejo inconsciente de regressar ao modelo convencional. Quando encontra alguém, deixa-se dominar porque se sente insegura, tem medo de ser uma marginal. [no fundo sempre procurou o seu príncipe encantado] para poder cumprir o objectivo vital para que me educaram." Quanto à prostituição, acautelem-se os olhos sensíveis: "Prefiro ser prostituta, que me paguem e volte à noite para casa, do que casar-me com um homem, quatro anos depois não o desejar mas ter de continuar com ele para poder viver. [o casamento é então uma forma de prostituição] Ou pior, porque não tem um preço fixo, é preciso pagar sempre...". A última pergunta só poderia ser como se imagina uma sociedade com total liberdade sexual. A resposta dificilmente poderia ser outra: "Quem me dera saber. Só tenho uma certeza, não se falaria tanto de sexo."
Nas primeira páginas, o Miguel falava do interesse que lhe desperta a actual sociedade espanhola, fervilhante nas discussões políticas e sociais que em Portugal a muito custo se conseguem manter acesas. Valérie Tasso, filha de boas famílias francesas, vive e publica em Espanha. E assim se fecha o círculo. Acautelai-vos, ó Nobre Casa de Bragança. De Espanha sopram hoje os ventos da dissolução. Ventos de liberdade.
sábado, setembro 18, 2004
Passou
Fotografia de P.
En allant se coucher le soleil
Se reflète au vernis de ma table:
C'est le fromage rond de la fable
Au bec de mes ciseaux de vermeil.
Mais où est le corbeau?
Il vole.
Je voudrais coudre mais un aimant
Attire à lui toutes mes aguilles.
Sur la place les joueurs de quilles
De belle en belle passent le temps.
Mais où est mon amant?
Il vole.
C'est un voleur que j'ai pour amant.
Le corbeau vole et mon amant vole,
Voleur de coeur manque à sa parole
Et voleur de fromage est absent.
Mais où est le bonheur?
Il vole.
Je pleure sous le saule pleureur
Je mêle mes larmes à ses feuilles
Je pleure car je veux qu'on me veuille
Et je ne plais pas à mon voleur.
Mais où donc est l'amour?
Il vole.
Trouvez la rime à ma déraison
Et par les routes du paysage
Ramenez-moi mon amant volage
Qui prend les coeurs et perd ma raison.
Je veux que mon voleur me vole.
Louise de Vilmorin, Fiançailles pour rire
Fotografia de P.
En allant se coucher le soleil
Se reflète au vernis de ma table:
C'est le fromage rond de la fable
Au bec de mes ciseaux de vermeil.
Mais où est le corbeau?
Il vole.
Je voudrais coudre mais un aimant
Attire à lui toutes mes aguilles.
Sur la place les joueurs de quilles
De belle en belle passent le temps.
Mais où est mon amant?
Il vole.
C'est un voleur que j'ai pour amant.
Le corbeau vole et mon amant vole,
Voleur de coeur manque à sa parole
Et voleur de fromage est absent.
Mais où est le bonheur?
Il vole.
Je pleure sous le saule pleureur
Je mêle mes larmes à ses feuilles
Je pleure car je veux qu'on me veuille
Et je ne plais pas à mon voleur.
Mais où donc est l'amour?
Il vole.
Trouvez la rime à ma déraison
Et par les routes du paysage
Ramenez-moi mon amant volage
Qui prend les coeurs et perd ma raison.
Je veux que mon voleur me vole.
Louise de Vilmorin, Fiançailles pour rire
domingo, setembro 12, 2004
Uau, afinal eu sei falar baleiês!!!
Which Finding Nemo Character Are You?
brought to you by Quizilla
Retirado d'As minhas histórias, não aconselhável a coisos...
Which Finding Nemo Character Are You?
brought to you by Quizilla
Retirado d'As minhas histórias, não aconselhável a coisos...
Frase do dia
Não achas piada aos que consideram os dois sexos «complementares» quanto se trata de atacar qualquer direito básico dado aos cidadão LGBT, mas, para todos os outros efeitos, consideram os dois sexos como «oposto» um do outro?
Ana, nos comentários d'Os tempos que correm.
Não achas piada aos que consideram os dois sexos «complementares» quanto se trata de atacar qualquer direito básico dado aos cidadão LGBT, mas, para todos os outros efeitos, consideram os dois sexos como «oposto» um do outro?
Ana, nos comentários d'Os tempos que correm.
Sombra
Fotografia de P.
Faz da tua vida em frente à luz
Um lúcido terraço exacto e branco
Docemente cortado
Pelo rio das noites.
Alheio o passo em tão perdida estrada
Vive, sem seres ele, o teu destino
Inflexível assiste
À tua própria ausência.
Sophia, in Dual, Caminho
Fotografia de P.
Faz da tua vida em frente à luz
Um lúcido terraço exacto e branco
Docemente cortado
Pelo rio das noites.
Alheio o passo em tão perdida estrada
Vive, sem seres ele, o teu destino
Inflexível assiste
À tua própria ausência.
Sophia, in Dual, Caminho
sábado, setembro 11, 2004
Reflexão
Hoje libertei, na Rua Guerra Junqueiro, os Vinte Poemas de Amor e a Canção Desesperada de Neruda... foi a minha contribuição para o atentado poético. Eis a razão porque, apesar de achar tão bonita a ideia do Bookcrossing, ainda não consegui aderir a ela. Custa muito, libertar um livro. For all that matters custa muito libertar seja o que for que nos seja querido. Colossal paradoxo.
Hoje libertei, na Rua Guerra Junqueiro, os Vinte Poemas de Amor e a Canção Desesperada de Neruda... foi a minha contribuição para o atentado poético. Eis a razão porque, apesar de achar tão bonita a ideia do Bookcrossing, ainda não consegui aderir a ela. Custa muito, libertar um livro. For all that matters custa muito libertar seja o que for que nos seja querido. Colossal paradoxo.
sexta-feira, setembro 10, 2004
Atentado poético
No próximo 11 de Setembro ocorrerá em diferentes
partes do mundo um atentado poético. Todas as
pessoas interessadas no saber estão convidadas a
sair pelas ruas nesse dia com um livro, dedicado
a um desconhecido, e deixar esse livro num
parque, num café, num lugar público, para que seja
encontrado e levado de presente.
Aos doadores, por sua vez, é permitido receber e
levar para casa os livros que encontrarem.
Você adoptará um livro?
Libertará um livro?
Por favor, circule esta informação.
Esperamos que o movimento cresça.
Obrigado a todos os leitores desconhecidos.
Atentado poético
El 11 de septiembre próximo se efectuará en
diferentes países del mundo un atentado poético.
Se invita a todas las personas interesadas en el
conocimiento a salir ese dia a la calle con un
libro, dedicado a un desconocido, y abandonar este
libro en un parque, un café, un lugar público,
para que sea encontrado como regalo.
Se permite a los donadores de recibir y de
llevar a la casa el libro que, a su vez,
encuentren.
Adoptará usted un libro?
Dejará en libertad un libro?
Haga circular esta informacion, por favor.
Quizás este movimiento crecerá.
Y gracias a los lectores desconocidos.
Poetic attack
On September 11th there will be a poetic attack
in many parts of the world. Everyone who is
interested in knowledge is invited to go out on
that day and leave a book in a park, in a cafe,
or in a public place, so that it can be found by
someone else and taken as a gift. Anyone who
donates a book is entitled to bring home the
books they find.
Will you adopt a book?
Will you set it free?
Please forward this information.
Let's hope the movement will grow.
Thanks to all the unknown readers.
Recebido por e-mail
No próximo 11 de Setembro ocorrerá em diferentes
partes do mundo um atentado poético. Todas as
pessoas interessadas no saber estão convidadas a
sair pelas ruas nesse dia com um livro, dedicado
a um desconhecido, e deixar esse livro num
parque, num café, num lugar público, para que seja
encontrado e levado de presente.
Aos doadores, por sua vez, é permitido receber e
levar para casa os livros que encontrarem.
Você adoptará um livro?
Libertará um livro?
Por favor, circule esta informação.
Esperamos que o movimento cresça.
Obrigado a todos os leitores desconhecidos.
Atentado poético
El 11 de septiembre próximo se efectuará en
diferentes países del mundo un atentado poético.
Se invita a todas las personas interesadas en el
conocimiento a salir ese dia a la calle con un
libro, dedicado a un desconocido, y abandonar este
libro en un parque, un café, un lugar público,
para que sea encontrado como regalo.
Se permite a los donadores de recibir y de
llevar a la casa el libro que, a su vez,
encuentren.
Adoptará usted un libro?
Dejará en libertad un libro?
Haga circular esta informacion, por favor.
Quizás este movimiento crecerá.
Y gracias a los lectores desconocidos.
Poetic attack
On September 11th there will be a poetic attack
in many parts of the world. Everyone who is
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or in a public place, so that it can be found by
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donates a book is entitled to bring home the
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Will you adopt a book?
Will you set it free?
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Recebido por e-mail
Blog-em-esfera
Ontem, no aniversário de um amigo, descobri que conheço a Ana Mello... conheço, quer dizer, vejo-a uma vez por ano nos anos desse amigo. Fiquei muito contente. E eu tanto gosto dos seus "cigarros do dia" [e da noite]. Um beijinho, Ana. E como o Letras tem andado em baixa rotação, hoje sou eu quem fuma o cigarro do dia.
Do rio que tudo arrasta
se diz que é violento
mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem
Bertold Brecht
Ontem, no aniversário de um amigo, descobri que conheço a Ana Mello... conheço, quer dizer, vejo-a uma vez por ano nos anos desse amigo. Fiquei muito contente. E eu tanto gosto dos seus "cigarros do dia" [e da noite]. Um beijinho, Ana. E como o Letras tem andado em baixa rotação, hoje sou eu quem fuma o cigarro do dia.
Do rio que tudo arrasta
se diz que é violento
mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem
Bertold Brecht
Para que fique bem claro, no dia em que as WOW nos deixam na nossa vidinha, entregues aos bichos
Women on Waves has 2 different permissions from the Dutch Ministry of Health.
1: The permission to do medical "16 day over time treatment" in the Mobile Clinic anywhere in the Netherlands and on the international waters.
2: The permission to do Medical and surgical abortions till 12 weeks of pregnancy in the Mobile Clinic when it is in Amsterdam. This permission is limited to Amsterdam for political reasons; Not medical. However we will comply with the law and do only 16-day over time treatments on the international waters.
Autorizações concedidas à Women on Waves pelo Ministério da Saúde Holandês:
1: Permissão para fazer o "tratamento médico dos 16 dias de atraso" na Clínica Móvel nos Países Baixos e em águas internacionais.
2: Permissão para praticar abortos médicos e cirúrgicos até às 12 semanas de gravidez na Clínica Móvel quando esta se encontra em Amsterdão. Esta permissão é limitada a Amsterdão por razões políticas, não médicas.
Para esclarecer algumas coisas que por aí se têm dito aos sete ventos. Para contrariar tanta desinformação e deslealdade com que esta luta tem sido combatida. O linque continua aí ao lado, por favor, em caso de dúvida consultem-no. Não se deixem embrulhar pelo obscurantismo de quem quer que todos vivam de acordo com os medos de quem manda. Se eu nem baptizad@ sou e vivo num estado laico, por alminha de quem é que devo ser obrigad@ a seguir os preceitos morais de uma instituição da qual não faço nem quero fazer parte?! Não, obrigad@s! Tremei, senhores! Nós, os pagãos, continuamos cá. Não nos calaremos enquanto as agulhas de croché forem uma alternativa viável para uma mulher que seja. Não descansaremos enquanto vocês tiverem na mão o poder para matar mulheres por ignorância, crueldade, soberba [é um pecado capital, não é?], enquanto tratarem as mulheres como seres menores sobre cujos corpos o estado deve ter uma palavra a dizer. Uma mulher morre a cada seis minutos em consequência de um aborto clandestino. Será que é o mesmo que avariar-se uma incubadora? Ou será que, se deixarmos que se instale, acaba por nos pesar na consciência? Ou será que quem prega a moral na testa dos outros - com pregos, mesmo, que é só isso que falta - tem a sua própria tão furada que a consciência lhe sai toda por ali?
Tantas perguntas
quantas respostas...
Women on Waves has 2 different permissions from the Dutch Ministry of Health.
1: The permission to do medical "16 day over time treatment" in the Mobile Clinic anywhere in the Netherlands and on the international waters.
2: The permission to do Medical and surgical abortions till 12 weeks of pregnancy in the Mobile Clinic when it is in Amsterdam. This permission is limited to Amsterdam for political reasons; Not medical. However we will comply with the law and do only 16-day over time treatments on the international waters.
Autorizações concedidas à Women on Waves pelo Ministério da Saúde Holandês:
1: Permissão para fazer o "tratamento médico dos 16 dias de atraso" na Clínica Móvel nos Países Baixos e em águas internacionais.
2: Permissão para praticar abortos médicos e cirúrgicos até às 12 semanas de gravidez na Clínica Móvel quando esta se encontra em Amsterdão. Esta permissão é limitada a Amsterdão por razões políticas, não médicas.
Para esclarecer algumas coisas que por aí se têm dito aos sete ventos. Para contrariar tanta desinformação e deslealdade com que esta luta tem sido combatida. O linque continua aí ao lado, por favor, em caso de dúvida consultem-no. Não se deixem embrulhar pelo obscurantismo de quem quer que todos vivam de acordo com os medos de quem manda. Se eu nem baptizad@ sou e vivo num estado laico, por alminha de quem é que devo ser obrigad@ a seguir os preceitos morais de uma instituição da qual não faço nem quero fazer parte?! Não, obrigad@s! Tremei, senhores! Nós, os pagãos, continuamos cá. Não nos calaremos enquanto as agulhas de croché forem uma alternativa viável para uma mulher que seja. Não descansaremos enquanto vocês tiverem na mão o poder para matar mulheres por ignorância, crueldade, soberba [é um pecado capital, não é?], enquanto tratarem as mulheres como seres menores sobre cujos corpos o estado deve ter uma palavra a dizer. Uma mulher morre a cada seis minutos em consequência de um aborto clandestino. Será que é o mesmo que avariar-se uma incubadora? Ou será que, se deixarmos que se instale, acaba por nos pesar na consciência? Ou será que quem prega a moral na testa dos outros - com pregos, mesmo, que é só isso que falta - tem a sua própria tão furada que a consciência lhe sai toda por ali?
Tantas perguntas
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quarta-feira, setembro 08, 2004
Domingo, 5 de Setembro
Só mais um dia. O corpo vai agradecer o descanso, o espírito agradecerá a renovação, a energia acumulada, a alegria e a vontade de continuar a lutar por este mundo e pela vida. O dia começa com a prometida visita à Cristina e, para não variar, regressa-se ao Espaço Internacional para carregar baterias para o que nos espera. Interpelados por um camarada catalão, é tempo de passar os olhos pelo Avant e ler o que Jordi Miralles tem a dizer acerca das medidas impulsionadas pela coligação de esquerdas e ecologista que desde os finais do ano passado governa a Catalunha: ampliação de 2 000 novos docentes, 163 novos médicos para a assistência primária, compromisso de 42 000 novas habitações de protecção oficial, um acordo para a ocupação e a internacionalização da economia catalã, a aprovação de 30 000 novos lugares no ensino infantil dos 0 a 3 anos, a protecção dos últimos quilómetros de costa não construídos. Esquerdas unidas e ecologistas: na Catalunha eu já não seria apenas um lírico. Definitivamente nasci ainda mais de 600 km à esquerda…
O estômago hoje leva-nos até Timor e a umas espetadas absolutamente divinais. Dentro da banca um dos cozinheiros passa a vida a reclamar – percebêmo-lo pelo tom, não pelo tetum - com os colegas, que ele sente não lhe acompanharem o ritmo. Está tudo disfarçadamente divertido com aquele homem pequenino e de voz aguda e que sempre que tem quatro espetadinhas prontas grita para o ajudante, com ar impaciente: -Éeeeehh, cômándánte! Mas quem com ferros mata com ferros morre, e a gargalhada geral rebenta quando o paciente ajudante, de tabuleiro na mão e aproveitando um momento de distracção do diligente cozinheiro, lhe berra ao ouvido, imitando-lhe o timbre e o tom: -Éeeeeh, cômándántéeee!!! O almoço é concorrido e tem de ser engolido rapidamente, se queremos apanhar o Vasco Gonçalves no Pavilhão Central. O ritmo dos batuques “Raízes de Cabo Verde”, ajuda a manter a cadência mastigatória, e em pouco tempo o entusiasmo do palco ali mesmo ao lado alastra para a plateia de costas para nós, que nos presenteia com uma espontânea sessão de anca a abanar. São maioritariamente brancos bem intencionados, mas alguns parecem mesmo ter já rebentado com o cinto de castidade invisível e intransponível com que a cultura europeia nos vai apertando com o avançar dos anos, que nos paraliza os quadris e nos torna uns belos monos. É bonito de se ver.
No Pavilhão Central discute-se o 25 de Abril. Vasco Gonçalves está velhinho, fala calma e claramente e a sua lucidez é impressionante. Apesar de tudo ficamos todos com a sensação de que no debate acaba por se lamentar demais e projectar de menos e acabamos por sair pouco depois da intervenção de Domingos Abrantes. Não sem antes ouvir duas intervenções do público, uma das quais me tocou bastante. Um homem de cerca de 50 anos fala da depressão por que passou, da dificuldade que é viver sempre contra a maré. Da tristeza que sente ao ver que não há reconhecimento aos comunistas, mas, acima de tudo, ao ouvir que “os partidos são todos iguais”. É nossa obrigação, diz, para com o Partido e para com todos os cidadãos, refutar essa afirmação sempre que ela surja e demonstrar porquê. E é obrigação do Partido procurar mais humildade e tolerância que o aproxime dos eleitores que constantemente lhe voltam as costas. O aplauso da assistência é caloroso eu participo honestamente impressionada com aquele homem, com a forma tão verdadeira como se apresentou, sem defesas, sem slogans. No Público de segunda-feira diz-se que o que se aplaudiu nessa intervenção foi a queixa de que o povo não tem gratidão para com o PCP, apenas e só, sem mais. Deve ter-se distraído com alguma mosca, o repórter, ou tem problemas graves com a noção de contexto. Mas esta leitura da Festa é comum nos media, a malta está habituada. A segunda desova deste blogue consiste precisamente numa resposta minha a uma crónica de EPC sobre a Festa – onde este, aliás, aparentemente não esteve presente - absolutamente básica e tosca. Eu, que tanto gosto de o ler, apressei-me a enviar uma carta ao director com a dita resposta: escusado será dizer que a carta nunca foi publicada, por mais que JPP [o Pereira] grite que a esquerda tomou os media de assalto. Mas isto tudo deixa-me a pensar. Nas minhas próprias neuras, na depressão que a P. me narrara na véspera, a caminho do concerto do Sérgio Godinho, no difícil e cruel que é, neste mundo, ser-se fiel a si mesmo e, sobretudo, não aceitar que haja quem nasça para estar por cima e quem nasça para estar por baixo. Especialmente quando tantos dos que estão por baixo gritam aos sete ventos que não são capachos ao mesmo tempo que lhes esfregam as solas na cara. Temos de ser fortes e autónomos. E temos de nos lembrar que candeia apagada não alumia o caminho. E que não somos nem devemos ser responsáveis pelas escolhas do nosso irmão, nem por ele mesmo a não ser que ele nos peça para sê-lo. É preciso distância, querida P., é preciso, apesar de tudo, auto-preservação.
Seguimos para o Centro do Livro, onde a catástrofe está sempre iminente e este ano – como em tantos outros – se concretizou. Zusammenfassung:
- Primeiro Livro de Poesia, selecção de Sophia de Mello Breyner com ilustrações de Júlio Resende, Caminho, para o Buba;
- Dual, de Sophia, Caminho
- Um deus passeando pela brisa da tarde, de Mário de Carvalho, Caminho
- Quatrocentos Mil Sestércios seguido de O Conde Jano, idem
- Gente descartável – A nova escravatura na economia global, de Kevin Bales, Caminho, Col.Nosso Mundo
- O universo numa casca de noz, de Stephen Hawking, Gradiva
- Água em Pena de Pato, de Mário de Carvalho, Caminho [é uma obsessão cá de casa, confessamos, o Mário de Carvalho, não os patos]
- Poesia, Textos, Teatro, Bertold Brecht, Dinossauro [outra obsessão, definitivamente]
- Fúria, de Salman Rushdie, Dom Quixote [Deixa-me ler primeiro, Tiago, a gente depois fala]
- Animal Tropical, de Pedro Juan Gutiérrez, Dom Quixote
- Potentes, prepotentes e impotentes, de Quino, Teorema [mais uma saudável obsessão]
E assim se vão trinta [aaaarrrghhhh!] contos…
O cd do Kommunix 1.0, sistema baseado no Linux que o Bruno me apresentara no sábado no Café-Concerto, visivelmente orgulhoso, já esgotou no Espaço Novas Tecnologias da Informação, aliás como seria de esperar. Resta ir espreitando o site do PCP de vez em quando e esperar uma reedição que é quase certa.
O pulo da praxe à Atalaia, para deixar livros e provar uma patanisca. Pelo caminho ainda se apanha um pouco do som possante dos Betagarri, com muitos fãs na Festa, e como já seria de esperar, a minha mãe tem os concertos da véspera no 1.º de Maio para relatar. O público não queria que Laginha e Sassetti saíssem do palco. E eles não queriam sair. Logo a seguir, “os vitorinos” [ó mãe, eles são os dois Salomé, Vitorino é só um] partiram a casa toda e puseram toda a gente a gritar que Fascismo nunca Mais. Eu acho sempre que vale a pena repetir isto, parece-me que anda muito boa gente por aí que ainda não ouviu bem. Fascismo Nunca Mais!
E ao descer da Atalia apanhamos novamente os Tocá Rufar abrindo caminho até ao palco para o comício. A única coisa que penso quando vejo estes putos é que quando for pequenina quero entrar também…
O comício… bem, um comício é um comício. Um rebuliço de energias. Eu confesso que já não estou num comício como peixe na água, mas não tenho grandes dúvidas de que é preciso fazê-los. E se o dirigente da Jota gaguejou um bocadinho, sem conseguir verdadeiramente prender a atenção de ninguém, e o discurso do Casanova qualquer dia pode ser dito de cor pelos presentes, por seu lado ninguém me consegue convencer a não gostar do Carvalhas. É irónico e inteligente e sssofre muito porque a malta sssssó ouve a forma como ele fala, nem tanto o que ele dizzzzz. Os pontos atacados foram os esperados, e não me venham falar em cassetes que se querem que o suporte mude o sistema de som também tem de mudar. E digam o que disserem, este mundo continua prenhe das mesmas merdas há muito, muito tempo. Isso é que já chateia! Não, eu também não quero alinhar na “pedagogia da resignação e do fatalismo” que Carvalhas denunciou no ser discurso. Não quero e não vou. Por isso o aplaudi. E gosto de ir para o meio do maralhal, porque vistos de longe os comícios parecem sempre mais consensuais do que são realmente e até nos esquecemos de que há motivações diferentes e perspectivas bastante diversas entre aquelas pessoas que ali erguem os punhos. Eu não quero esquecer-me. Acabam os discursos e é realmente indescritível assistir ao Avante Camarada! e à Internacional cantados por aquele enorme coro abraçado. Finalmente o Hino do Keill – cujo texto está bem mais seguro nestas gargantas do que o dos hinos anteriores, ó espanto dos espantos – e o encerramento do comício. Toda a gente aguarda a Carvalhesa. Começam os bombos. E rapidamente a dança desvairada rebenta e as zonas de mosh alargam-se. Para um partido que nos seus comícios só tem velhotes, como nos querem fazer crer, olhem que a malta está numa forma do caraças!
É preciso ir jantar, que a noite adivinha-se agitada e o arroz de marisco chama por nós no Algarve. Recarregadas as energias para as mulheres da noite, corre-se para o 1.º de Maio para ouvir um pouco do concerto da Aldina Duarte. Não fiquei satisfeit@, mas tenho de fazer uma visita ao Sr.Vinho. Aqueles primeiros quatro fados pareceram-me bastante prejudicados pela pouca familiaridade de Aldina com o microfone. Gosto demasiado do disco dela para me ficar por aqui, tenho de ir tirar teimas mais cedo ou mais tarde. A Mísia, segundo a minha mãe, pôs a seguir toda a gente a chorar. E nem sequer canta preferencialmente o fado da desgraçadinha…
O Rui Veloso aparentemente fez um concerto de baladas do qual fugimos a sete pés, mas ainda ouvimos cá em baixo o Chico Fininho quase no fim. Subamos, senhores, subamos, que a Manela Azevedo é mulher para se ver de perto e é preciso marcar lugar no carrossel dos esquisitos. Que dizer dos Clã, meus amigos, que dizer da Manuela Azevedo? Ainda não tinha ouvido Rosa Carne ao vivo e valeu cada segundo. Adoro o trabalho desta gente, no estúdio e no palco, comovem-me, arrastam-me, quase me fazem desejar voltar às bandas de pop-rock nas quais tive o primeiro contacto real com o público. É preciso amar a vida para se poder gritar sem reservas: Que se foda o GTI!!! O concerto tem de terminar, o Rui Veloso alongara-se e ficamos todos com aquela sensação horrível de coitus interruptus. A Manela podia ter terminado doutra forma, em vez de com um sério “Não nos deixam tocar mais uma”, até porque as regras não são as da organização, mas eu amo-a na mesma, não quero saber. Compreendo o choque que é não poder terminar um espectáculo daqueles. Mas espero que, como nós, ela tenha lavado as suas mágoas ao som da Carvalhesa. E que, como nós, regresse no ano que vem.
Só mais um dia. O corpo vai agradecer o descanso, o espírito agradecerá a renovação, a energia acumulada, a alegria e a vontade de continuar a lutar por este mundo e pela vida. O dia começa com a prometida visita à Cristina e, para não variar, regressa-se ao Espaço Internacional para carregar baterias para o que nos espera. Interpelados por um camarada catalão, é tempo de passar os olhos pelo Avant e ler o que Jordi Miralles tem a dizer acerca das medidas impulsionadas pela coligação de esquerdas e ecologista que desde os finais do ano passado governa a Catalunha: ampliação de 2 000 novos docentes, 163 novos médicos para a assistência primária, compromisso de 42 000 novas habitações de protecção oficial, um acordo para a ocupação e a internacionalização da economia catalã, a aprovação de 30 000 novos lugares no ensino infantil dos 0 a 3 anos, a protecção dos últimos quilómetros de costa não construídos. Esquerdas unidas e ecologistas: na Catalunha eu já não seria apenas um lírico. Definitivamente nasci ainda mais de 600 km à esquerda…
O estômago hoje leva-nos até Timor e a umas espetadas absolutamente divinais. Dentro da banca um dos cozinheiros passa a vida a reclamar – percebêmo-lo pelo tom, não pelo tetum - com os colegas, que ele sente não lhe acompanharem o ritmo. Está tudo disfarçadamente divertido com aquele homem pequenino e de voz aguda e que sempre que tem quatro espetadinhas prontas grita para o ajudante, com ar impaciente: -Éeeeehh, cômándánte! Mas quem com ferros mata com ferros morre, e a gargalhada geral rebenta quando o paciente ajudante, de tabuleiro na mão e aproveitando um momento de distracção do diligente cozinheiro, lhe berra ao ouvido, imitando-lhe o timbre e o tom: -Éeeeeh, cômándántéeee!!! O almoço é concorrido e tem de ser engolido rapidamente, se queremos apanhar o Vasco Gonçalves no Pavilhão Central. O ritmo dos batuques “Raízes de Cabo Verde”, ajuda a manter a cadência mastigatória, e em pouco tempo o entusiasmo do palco ali mesmo ao lado alastra para a plateia de costas para nós, que nos presenteia com uma espontânea sessão de anca a abanar. São maioritariamente brancos bem intencionados, mas alguns parecem mesmo ter já rebentado com o cinto de castidade invisível e intransponível com que a cultura europeia nos vai apertando com o avançar dos anos, que nos paraliza os quadris e nos torna uns belos monos. É bonito de se ver.
No Pavilhão Central discute-se o 25 de Abril. Vasco Gonçalves está velhinho, fala calma e claramente e a sua lucidez é impressionante. Apesar de tudo ficamos todos com a sensação de que no debate acaba por se lamentar demais e projectar de menos e acabamos por sair pouco depois da intervenção de Domingos Abrantes. Não sem antes ouvir duas intervenções do público, uma das quais me tocou bastante. Um homem de cerca de 50 anos fala da depressão por que passou, da dificuldade que é viver sempre contra a maré. Da tristeza que sente ao ver que não há reconhecimento aos comunistas, mas, acima de tudo, ao ouvir que “os partidos são todos iguais”. É nossa obrigação, diz, para com o Partido e para com todos os cidadãos, refutar essa afirmação sempre que ela surja e demonstrar porquê. E é obrigação do Partido procurar mais humildade e tolerância que o aproxime dos eleitores que constantemente lhe voltam as costas. O aplauso da assistência é caloroso eu participo honestamente impressionada com aquele homem, com a forma tão verdadeira como se apresentou, sem defesas, sem slogans. No Público de segunda-feira diz-se que o que se aplaudiu nessa intervenção foi a queixa de que o povo não tem gratidão para com o PCP, apenas e só, sem mais. Deve ter-se distraído com alguma mosca, o repórter, ou tem problemas graves com a noção de contexto. Mas esta leitura da Festa é comum nos media, a malta está habituada. A segunda desova deste blogue consiste precisamente numa resposta minha a uma crónica de EPC sobre a Festa – onde este, aliás, aparentemente não esteve presente - absolutamente básica e tosca. Eu, que tanto gosto de o ler, apressei-me a enviar uma carta ao director com a dita resposta: escusado será dizer que a carta nunca foi publicada, por mais que JPP [o Pereira] grite que a esquerda tomou os media de assalto. Mas isto tudo deixa-me a pensar. Nas minhas próprias neuras, na depressão que a P. me narrara na véspera, a caminho do concerto do Sérgio Godinho, no difícil e cruel que é, neste mundo, ser-se fiel a si mesmo e, sobretudo, não aceitar que haja quem nasça para estar por cima e quem nasça para estar por baixo. Especialmente quando tantos dos que estão por baixo gritam aos sete ventos que não são capachos ao mesmo tempo que lhes esfregam as solas na cara. Temos de ser fortes e autónomos. E temos de nos lembrar que candeia apagada não alumia o caminho. E que não somos nem devemos ser responsáveis pelas escolhas do nosso irmão, nem por ele mesmo a não ser que ele nos peça para sê-lo. É preciso distância, querida P., é preciso, apesar de tudo, auto-preservação.
Seguimos para o Centro do Livro, onde a catástrofe está sempre iminente e este ano – como em tantos outros – se concretizou. Zusammenfassung:
- Primeiro Livro de Poesia, selecção de Sophia de Mello Breyner com ilustrações de Júlio Resende, Caminho, para o Buba;
- Dual, de Sophia, Caminho
- Um deus passeando pela brisa da tarde, de Mário de Carvalho, Caminho
- Quatrocentos Mil Sestércios seguido de O Conde Jano, idem
- Gente descartável – A nova escravatura na economia global, de Kevin Bales, Caminho, Col.Nosso Mundo
- O universo numa casca de noz, de Stephen Hawking, Gradiva
- Água em Pena de Pato, de Mário de Carvalho, Caminho [é uma obsessão cá de casa, confessamos, o Mário de Carvalho, não os patos]
- Poesia, Textos, Teatro, Bertold Brecht, Dinossauro [outra obsessão, definitivamente]
- Fúria, de Salman Rushdie, Dom Quixote [Deixa-me ler primeiro, Tiago, a gente depois fala]
- Animal Tropical, de Pedro Juan Gutiérrez, Dom Quixote
- Potentes, prepotentes e impotentes, de Quino, Teorema [mais uma saudável obsessão]
E assim se vão trinta [aaaarrrghhhh!] contos…
O cd do Kommunix 1.0, sistema baseado no Linux que o Bruno me apresentara no sábado no Café-Concerto, visivelmente orgulhoso, já esgotou no Espaço Novas Tecnologias da Informação, aliás como seria de esperar. Resta ir espreitando o site do PCP de vez em quando e esperar uma reedição que é quase certa.
O pulo da praxe à Atalaia, para deixar livros e provar uma patanisca. Pelo caminho ainda se apanha um pouco do som possante dos Betagarri, com muitos fãs na Festa, e como já seria de esperar, a minha mãe tem os concertos da véspera no 1.º de Maio para relatar. O público não queria que Laginha e Sassetti saíssem do palco. E eles não queriam sair. Logo a seguir, “os vitorinos” [ó mãe, eles são os dois Salomé, Vitorino é só um] partiram a casa toda e puseram toda a gente a gritar que Fascismo nunca Mais. Eu acho sempre que vale a pena repetir isto, parece-me que anda muito boa gente por aí que ainda não ouviu bem. Fascismo Nunca Mais!
E ao descer da Atalia apanhamos novamente os Tocá Rufar abrindo caminho até ao palco para o comício. A única coisa que penso quando vejo estes putos é que quando for pequenina quero entrar também…
O comício… bem, um comício é um comício. Um rebuliço de energias. Eu confesso que já não estou num comício como peixe na água, mas não tenho grandes dúvidas de que é preciso fazê-los. E se o dirigente da Jota gaguejou um bocadinho, sem conseguir verdadeiramente prender a atenção de ninguém, e o discurso do Casanova qualquer dia pode ser dito de cor pelos presentes, por seu lado ninguém me consegue convencer a não gostar do Carvalhas. É irónico e inteligente e sssofre muito porque a malta sssssó ouve a forma como ele fala, nem tanto o que ele dizzzzz. Os pontos atacados foram os esperados, e não me venham falar em cassetes que se querem que o suporte mude o sistema de som também tem de mudar. E digam o que disserem, este mundo continua prenhe das mesmas merdas há muito, muito tempo. Isso é que já chateia! Não, eu também não quero alinhar na “pedagogia da resignação e do fatalismo” que Carvalhas denunciou no ser discurso. Não quero e não vou. Por isso o aplaudi. E gosto de ir para o meio do maralhal, porque vistos de longe os comícios parecem sempre mais consensuais do que são realmente e até nos esquecemos de que há motivações diferentes e perspectivas bastante diversas entre aquelas pessoas que ali erguem os punhos. Eu não quero esquecer-me. Acabam os discursos e é realmente indescritível assistir ao Avante Camarada! e à Internacional cantados por aquele enorme coro abraçado. Finalmente o Hino do Keill – cujo texto está bem mais seguro nestas gargantas do que o dos hinos anteriores, ó espanto dos espantos – e o encerramento do comício. Toda a gente aguarda a Carvalhesa. Começam os bombos. E rapidamente a dança desvairada rebenta e as zonas de mosh alargam-se. Para um partido que nos seus comícios só tem velhotes, como nos querem fazer crer, olhem que a malta está numa forma do caraças!
É preciso ir jantar, que a noite adivinha-se agitada e o arroz de marisco chama por nós no Algarve. Recarregadas as energias para as mulheres da noite, corre-se para o 1.º de Maio para ouvir um pouco do concerto da Aldina Duarte. Não fiquei satisfeit@, mas tenho de fazer uma visita ao Sr.Vinho. Aqueles primeiros quatro fados pareceram-me bastante prejudicados pela pouca familiaridade de Aldina com o microfone. Gosto demasiado do disco dela para me ficar por aqui, tenho de ir tirar teimas mais cedo ou mais tarde. A Mísia, segundo a minha mãe, pôs a seguir toda a gente a chorar. E nem sequer canta preferencialmente o fado da desgraçadinha…
O Rui Veloso aparentemente fez um concerto de baladas do qual fugimos a sete pés, mas ainda ouvimos cá em baixo o Chico Fininho quase no fim. Subamos, senhores, subamos, que a Manela Azevedo é mulher para se ver de perto e é preciso marcar lugar no carrossel dos esquisitos. Que dizer dos Clã, meus amigos, que dizer da Manuela Azevedo? Ainda não tinha ouvido Rosa Carne ao vivo e valeu cada segundo. Adoro o trabalho desta gente, no estúdio e no palco, comovem-me, arrastam-me, quase me fazem desejar voltar às bandas de pop-rock nas quais tive o primeiro contacto real com o público. É preciso amar a vida para se poder gritar sem reservas: Que se foda o GTI!!! O concerto tem de terminar, o Rui Veloso alongara-se e ficamos todos com aquela sensação horrível de coitus interruptus. A Manela podia ter terminado doutra forma, em vez de com um sério “Não nos deixam tocar mais uma”, até porque as regras não são as da organização, mas eu amo-a na mesma, não quero saber. Compreendo o choque que é não poder terminar um espectáculo daqueles. Mas espero que, como nós, ela tenha lavado as suas mágoas ao som da Carvalhesa. E que, como nós, regresse no ano que vem.
terça-feira, setembro 07, 2004
Sábado, 4 de Setembro
Hoje ainda não custa levantar da cama, amanhã me dirás. Vamos cedinho, quer dizer, assim que o Puto e o Daniel conseguirem arrastar-se até Lisboa. Uma feijoada PeTista e uma caipirinha aguardam-nos no Espaço Internacional.
Vamos até à tenda dos discos procurar a Cristina, que nos aparecera à frente na noite anterior no meio de um concerto de gaiteiros no Palco Arraial. É a única banca que ainda não abriu, diz-me a Inês que inesperadamente lá encontro. A festa deve ter sido rija. Procura-se um amigo, encontra-se outro. Então, estás boa, há tanto tempo, que tens feito? Eu tenho sempre tendência a dizer que as pessoas estão com bom ar, ou a não dizer nada se se passar o contrário. Infelizmente a recíproca comigo não costuma ser verdadeira, e curiosamente sucede sobretudo com outras mulheres. Então, muito trabalho? Muito, respondo eu, contente. Pois, oiço de volta, estás magrita e com olheiras. Deixei de ter pachorra para continuar conversas assim. Resultado, então adeus, boa Festa e costas voltadas que pela frente tenho muito mais coisas que valem a pena. Fica para aí a pensar como é que será que eu faço para não engordar, que a receita não passa a existir por causa disso. Para mim, que desde os 16 anos não ultrapasso os 50 quilos, ouvir constantemente “estás tão magrinha” equivale a ser coxo e ouvir “olha que estás mais manco, pá”. É patético. Pronto, já desabafei.
A tarde é passada entre o Café-Concerto e o pavilhão central, espaço a que os três dias de festa nunca me permitem dispensar a atenção devida. Bem, é certo que quando o Sr.Van Gogh nos visitou ninguém me arrancava lá de dentro, mas pronto, este ano fiquei-me pela exposição sobre a história do país desde a fundação do PCP em 1923 e sobre o 25 de Abril e já não foi pouco. Merecia outras salas, merecia visitas de estudo – ou antes, os estudantes mereciam esta exposição. Seria uma bela surpresa para quem esperasse um visão sectária do Portugal do século XX. Ora no pavilhão central, os painéis alusivos às transformações democráticas, à igualdade de direitos, às eleições livres e à reforma agrária eram quase totalmente escondidos por um grupito muito descontraído que relaxava e enrolava ganzas. Cansada de constantemente fazer papel de polícia nestas situações, limitei-me a torcer-me e retorcer-me para conseguir espreitar por detrás das costas dos filhos da revolução, tão simbolicamente voltadas para ela. Eles, como seria de esperar, nicles. Surge então um camarada da organização, com uma veeeery long face e um tom sério: -Os amigos não se importam de ir fazer isso lá para fora? Eles acedem, algo intimidados por tanta gravidade. Logo a seguir, outro camarada vem aliviar a tensão, Isto não é problema nenhum, é que é o espaço central da Festa, eu até fumava uma também, compreendam e tal. Eu, de braços cruzados, esperava ouvir qualquer coisa sobre o facto de estarem a tapar os painéis da exposição, impedindo toda a gente de vê-la convenientemente. Nada, nem uma palavra. Prioridades. Mas que porra de prioridades, ó camaradas!
Próxima paragem, os Açores e a morcela mais picante que comi nos últimos tempos. Bendito ananás! A Cristina foi entretanto ter ao 1.º de Maio, onde tencionávamos ouvir Zé Eduardo e compinchas A Jazzar no Zeca Afonso. A fome falou mais alto e a morcela ganhou. A Cristina voltou ao seu posto com a promessa de uma visita breve que só se viria a realizar no domingo. Esta Festa não se compadece dos planos. Mas abre aos encontros as mesmas portas que aos desencontros.
A tarde fecha-se novamente no 25 de Abril, com os Gaiteiros de Lisboa. É engraçado como há anos em que quase não assisto a concertos neste palco, este ano é mesmo atípico para mim. Mas os Gaiteiros arrancam-me a qualquer outro palco. Carlos Guerreiro inicia o concerto com uma piada inaudita: Santana Lopes é Primeiro-Ministro de Portugal! É um cómico, este gajo. E pôs tudo a rir, lá isso… Lagarto, lagarto, lagarto! Hã? Ah, eu pensava que isto tinha sido tudo um pesadelo, mas afinal… Merda! Bom, os Gaiteiros são os Gaiteiros. A nossa música mais autêntica é uma fonte de alegria e entusiasmo contagiantes. Olho à volta: não sou só eu que conheço algumas letras de cor. E sabe bem. A vedeta Zé Salgueiro teve direito a um solo de tambores para o qual a meio resolveu chamar o mais novo dos elementos do grupo, que eu não conhecia e de cujo nome não me lembro, o que lamento profundamente - além de tocar bem é giro que se farta. Foi absolutamente espantoso, ver a improvisação conjunta a acontecer, a sincronia, a comunicação, a música. O público ficou doido e com razões para isso. Só uma hora, duram estes concertos. Mas alguns, como este, parece que nem dez minutos levam. Os Tocá Rufar invadem o palco como introdução ao círculo de percussão dirigido por Rui Júnior do alto da torre de som. O público junta-se à volta e começa o concerto de palmas, gritos, garrafas e outros instrumentos, a que se juntam os tambores acabadinhos de chegar do palco.
Jantar onde? Na Atalaia, pois claro. O meu pai conta histórias e ouve histórias, as filhas do Zé e da Faustina vão e vêem com os filhos pela mão ou na barriga e tão longe parece já o tempo em que o Partido alugou uma casa na rua da loja dos meus pais, em que eu e a Valentina éramos miúdas e amigas e a União Soviética apenas para as mais velhas, nascidas na clandestinidade, era um segundo lar, entretanto transfigurado e falecido. A minha mãe gaiteira continua a pular. Planos para a noite? A indecisão partilhada entre o Sérgio Godinho e as Grândolas do Laginha e do Sassetti. Logo se vê para onde levam os passos, mas as saudades dos amigos falam mais alto e para o Sérgio Godinho zarpámos. Segundo a minha mãe, fizemos mal. Mas rever o Cabrita, o Miguel e a Mariana e, claro, o próprio Sérgio, são o complemento que justifica a escolha. Ainda temos o brinde de assistir ao aparato Pedro Abrunhosa, que até aqui tem seguranças da porta do camarim até ao palco. Enfim, teve azar, nasceu no país errado. E bem que podia arranjar um vocalista – aliás , já lá tem um, chama-se Diana Basto. Mas chega de maledicência. Assim se acaba a Festa, hoje em conversas de bastidores, amanhã será novamente do outro lado.
Hoje ainda não custa levantar da cama, amanhã me dirás. Vamos cedinho, quer dizer, assim que o Puto e o Daniel conseguirem arrastar-se até Lisboa. Uma feijoada PeTista e uma caipirinha aguardam-nos no Espaço Internacional.
Vamos até à tenda dos discos procurar a Cristina, que nos aparecera à frente na noite anterior no meio de um concerto de gaiteiros no Palco Arraial. É a única banca que ainda não abriu, diz-me a Inês que inesperadamente lá encontro. A festa deve ter sido rija. Procura-se um amigo, encontra-se outro. Então, estás boa, há tanto tempo, que tens feito? Eu tenho sempre tendência a dizer que as pessoas estão com bom ar, ou a não dizer nada se se passar o contrário. Infelizmente a recíproca comigo não costuma ser verdadeira, e curiosamente sucede sobretudo com outras mulheres. Então, muito trabalho? Muito, respondo eu, contente. Pois, oiço de volta, estás magrita e com olheiras. Deixei de ter pachorra para continuar conversas assim. Resultado, então adeus, boa Festa e costas voltadas que pela frente tenho muito mais coisas que valem a pena. Fica para aí a pensar como é que será que eu faço para não engordar, que a receita não passa a existir por causa disso. Para mim, que desde os 16 anos não ultrapasso os 50 quilos, ouvir constantemente “estás tão magrinha” equivale a ser coxo e ouvir “olha que estás mais manco, pá”. É patético. Pronto, já desabafei.
A tarde é passada entre o Café-Concerto e o pavilhão central, espaço a que os três dias de festa nunca me permitem dispensar a atenção devida. Bem, é certo que quando o Sr.Van Gogh nos visitou ninguém me arrancava lá de dentro, mas pronto, este ano fiquei-me pela exposição sobre a história do país desde a fundação do PCP em 1923 e sobre o 25 de Abril e já não foi pouco. Merecia outras salas, merecia visitas de estudo – ou antes, os estudantes mereciam esta exposição. Seria uma bela surpresa para quem esperasse um visão sectária do Portugal do século XX. Ora no pavilhão central, os painéis alusivos às transformações democráticas, à igualdade de direitos, às eleições livres e à reforma agrária eram quase totalmente escondidos por um grupito muito descontraído que relaxava e enrolava ganzas. Cansada de constantemente fazer papel de polícia nestas situações, limitei-me a torcer-me e retorcer-me para conseguir espreitar por detrás das costas dos filhos da revolução, tão simbolicamente voltadas para ela. Eles, como seria de esperar, nicles. Surge então um camarada da organização, com uma veeeery long face e um tom sério: -Os amigos não se importam de ir fazer isso lá para fora? Eles acedem, algo intimidados por tanta gravidade. Logo a seguir, outro camarada vem aliviar a tensão, Isto não é problema nenhum, é que é o espaço central da Festa, eu até fumava uma também, compreendam e tal. Eu, de braços cruzados, esperava ouvir qualquer coisa sobre o facto de estarem a tapar os painéis da exposição, impedindo toda a gente de vê-la convenientemente. Nada, nem uma palavra. Prioridades. Mas que porra de prioridades, ó camaradas!
Próxima paragem, os Açores e a morcela mais picante que comi nos últimos tempos. Bendito ananás! A Cristina foi entretanto ter ao 1.º de Maio, onde tencionávamos ouvir Zé Eduardo e compinchas A Jazzar no Zeca Afonso. A fome falou mais alto e a morcela ganhou. A Cristina voltou ao seu posto com a promessa de uma visita breve que só se viria a realizar no domingo. Esta Festa não se compadece dos planos. Mas abre aos encontros as mesmas portas que aos desencontros.
A tarde fecha-se novamente no 25 de Abril, com os Gaiteiros de Lisboa. É engraçado como há anos em que quase não assisto a concertos neste palco, este ano é mesmo atípico para mim. Mas os Gaiteiros arrancam-me a qualquer outro palco. Carlos Guerreiro inicia o concerto com uma piada inaudita: Santana Lopes é Primeiro-Ministro de Portugal! É um cómico, este gajo. E pôs tudo a rir, lá isso… Lagarto, lagarto, lagarto! Hã? Ah, eu pensava que isto tinha sido tudo um pesadelo, mas afinal… Merda! Bom, os Gaiteiros são os Gaiteiros. A nossa música mais autêntica é uma fonte de alegria e entusiasmo contagiantes. Olho à volta: não sou só eu que conheço algumas letras de cor. E sabe bem. A vedeta Zé Salgueiro teve direito a um solo de tambores para o qual a meio resolveu chamar o mais novo dos elementos do grupo, que eu não conhecia e de cujo nome não me lembro, o que lamento profundamente - além de tocar bem é giro que se farta. Foi absolutamente espantoso, ver a improvisação conjunta a acontecer, a sincronia, a comunicação, a música. O público ficou doido e com razões para isso. Só uma hora, duram estes concertos. Mas alguns, como este, parece que nem dez minutos levam. Os Tocá Rufar invadem o palco como introdução ao círculo de percussão dirigido por Rui Júnior do alto da torre de som. O público junta-se à volta e começa o concerto de palmas, gritos, garrafas e outros instrumentos, a que se juntam os tambores acabadinhos de chegar do palco.
Jantar onde? Na Atalaia, pois claro. O meu pai conta histórias e ouve histórias, as filhas do Zé e da Faustina vão e vêem com os filhos pela mão ou na barriga e tão longe parece já o tempo em que o Partido alugou uma casa na rua da loja dos meus pais, em que eu e a Valentina éramos miúdas e amigas e a União Soviética apenas para as mais velhas, nascidas na clandestinidade, era um segundo lar, entretanto transfigurado e falecido. A minha mãe gaiteira continua a pular. Planos para a noite? A indecisão partilhada entre o Sérgio Godinho e as Grândolas do Laginha e do Sassetti. Logo se vê para onde levam os passos, mas as saudades dos amigos falam mais alto e para o Sérgio Godinho zarpámos. Segundo a minha mãe, fizemos mal. Mas rever o Cabrita, o Miguel e a Mariana e, claro, o próprio Sérgio, são o complemento que justifica a escolha. Ainda temos o brinde de assistir ao aparato Pedro Abrunhosa, que até aqui tem seguranças da porta do camarim até ao palco. Enfim, teve azar, nasceu no país errado. E bem que podia arranjar um vocalista – aliás , já lá tem um, chama-se Diana Basto. Mas chega de maledicência. Assim se acaba a Festa, hoje em conversas de bastidores, amanhã será novamente do outro lado.
segunda-feira, setembro 06, 2004
Sexta-feira, 3 de Setembro
À última e em boa hora lá a vontade vence a preguiça. Ala, que hoje temos três pianos no Palco 25 de Abril e muito funáná no 1.º de Maio. Coragem para enfrentar o caminho para a margem sul numa sexta à tarde de fim de verão. Vamos antes pela Vasco da Gama, que ainda gostava de chegar lá hoje.
Chegando à Amora, circundando os acessos à Quinta, algo de diferente se começa a sentir. Para primeiro dia de festa, a movimentação parece muita. E é muita. Não me recordo de ver recentemente a festa tão cheia num primeiro dia. Agora que o fim-de-semana passou, acho que não vi a festa assim tão cheia em anos recentes. Sinal dos tempos, diziam-me ainda agora. Talvez isso, talvez o culminar de um ano sem férias com comes e bebes, cultura, debates e gente, muita gente, de todos os tamanhos e feitios, de todas as idades, de todas as tendências. Parece que o Marcelo Rebelo de Sousa anda por cá hoje, veio ver a orquestra. Pois claro. E só lhe fica bem. A festa não é só dos comunistas, portugueses e estrangeiros, e é esse o grande orgulho dos que a constroem. Num país cada vez mais fechado, não deixa de ser bonito ver aqueles que estão sob fogo constantemente, aqueles que são acusados de cinzentismo e cristalização, serem capazes de parir uma cidade de liberdade como esta. Onde encontro sempre amigos, filiados no PCP, eleitores da CDU, do Bloco, do PS, do PSD [lamento, do PP não tenho conhecimento de nenhum], ateus, cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, freaks e malabaristas, velhos que trazem a vida cravada na cara, crianças de colo, putos que pulam ao som da Carvalhesa, tambores e trombudos, debates, cantorias e cabeçudos. A olhos renitentes, talvez pareça um jardim zoológico. Para nós, meros animais vivos que a conhecemos quase como a nós mesmos, a festa é energia e vida.
Já se foi o pão com chouriço do Magoito, está na hora de dar um pulo à esplanada da Atalaia e dar um beijo aos meus pais, devidamente acompanhado por uma sangria e uma bela bifana. A minha mãe está linda, uma mulher que tem sido tão triste e tão amargurada está a transformar-se numa velha gaiteira, divertida e sedenta de vida. Até me sinto orgulhos@, vendo-a de lenço na cabeça a servir pataniscas aos saltinhos atrás do balcão [onde passou quase toda a vida], ao ritmo dos bombos da Carvalhesa. É mágico, este tema, rastilho de danças e de sorrisos entre praticamente todos os visitantes da festa. O poder da música há-de intrigar-me sempre. Há-de maravilhar-me sempre. Rever o Zé Carlos e a Faustina, se outros encontros o ano não proporciona, este é certo, seguro e esperado. Ouvir conversas, sorrir com os desacordos entre os comunistas de coração e os de cabeça, pensar, ainda bem que os há tão diferentes, ao contrário do que no geral se imagina. Já não me sinto um deles, definitivamente, mas continuo a ter por eles carinho e gratidão. E continuo a sentir que a minha luta é também ao seu lado, que a sua experiência e a sua visão estão longe de ser meros detritos de um passado de idealismo e entrega, que a desilusão e a defesa em dureza e rigidez tantas vezes transformam. E fico sempre feliz de ver que entre os que mais deram, muitas vezes entre os que mais sofreram, se encontram os mais felizes, apesar de tudo, os mais alegres, os mais abertos. E entre os que viram sofrer e esperaram, os mais amargurados e difíceis. Há uma lição de vida à espera em cada canto do mundo. Em cada canto da Festa também.
Espera-nos o 25 de Abril, Mozart, Bach e Händel, Rosado, Burmester e Laginha, a Sinfonietta de Lisboa povoada de amigos e colegas, dirigida pelo insigne maestro Vasco Azevedo, grande revolucionador da classe de orquestra na Escola Superior de Música de Lisboa [só falta construir um auditório decente, mas devem estar à espera que no intervalo dos ensaios o homem acarte também com algum tijolo]. Em que outro auditório se pode ouvir o concerto em Dó Maior enquanto se fuma uma, digam lá? E ter ao lado malta de outras várias gerações a lidar connosco da mesma exacta forma, antes, durante e depois? How’s that, for grey and reacctionary, han? O que interessa: a abertura das Bodas de Fígaro, muito bem, orquestra segura e com balanço, um Mozart com humor, com corpo e leveza. Enfim, um Mozart. O concerto em Dó Maior: sou fã do António Rosado, definitivamente. Gosto de o ouvir, gosto de seguir-lhe as mãos. As condições da Festa melhoram de ano para ano e o som do piano estava admirável, se descontarmos uma certa falta de corpo nos graves. O conjunto funcionou, na orquestra já se ouvem resultados do trabalho que, contra tudo e todos, se vai conseguindo fazer neste país. Um som consistente, mas maleável e vivo. Parabéns, pessoal. Parabéns, Vasco.
Com Bach, a coisa fia mais fino, e as condições revelam a sua ingratidão. No concerto a dois pianos, Pedro Burmester e Mário Laginha deram um ar da sua graça, mas o som não se compadece com tal filigrana e any further comments will be vain. O concerto para três pianos e orquestra, por seu lado, arrancou logo mal, com um tutti que não percebi onde começou e metade da orquestra também não. Rapidamente se acertaram os ponteiros, mas Bach é Bach e de facto não se safa com som captado e um palco daquelas dimensões ao ar livre. É a minha modesta opinião. E já agora, quando é que poderemos ouvir outras músicas, nomeadamente alguma da música erudita que por cá se faz? Não me parece de acordo com o espírito da Festa, reduzir a música erudita a Bach, Mozart e Beethoven - que me perdoem estes três deuses por usar esta horrível e mentirosa expressão, "reduzir", mas acho que me entendem...
Para um final em grande, a música para os Reais Fogos de Artifício, que desta vez eram vermelhos e não azuis. Que se pode dizer? Entre os rebentamentos de fogos e a festa de Händel no palco obviamente não há comentários musicais a fazer, que eu estava lá para me divertir. E assim se disse adeus no 25 de Abril ao primeiro dia de Festa. Mas no 1.º de Maio, Lura ainda ateava o fogo crioulo e o meu mano Daniel arregalava os olhos e os ouvidos e sussurava: -Isto não se aprende em escola nenhuma, bolas. Queriam saber como foi? Desculpem, não consigo. Uma mulher daquelas e uma voz daquelas não se descrevem, fruem-se. Só me ocorre reproduzir o último parágrafo do que sobre ela diz o programa: Dêem-lhe um causa e a voz desta mulher transforma-se em chicote. Dêem-lhe um chão e será raiz. Dêem-lhe uma raiz e será flor.
Regresso a casa, bicha para entrar na nacional, já é praxe e é até bom sinal. Só amanhã saberei, pelo meu Puto, que a nossa velha gaiteira esteve a noite toda a dançar ao som de Lura, no outro extremo do pavilhão.
À última e em boa hora lá a vontade vence a preguiça. Ala, que hoje temos três pianos no Palco 25 de Abril e muito funáná no 1.º de Maio. Coragem para enfrentar o caminho para a margem sul numa sexta à tarde de fim de verão. Vamos antes pela Vasco da Gama, que ainda gostava de chegar lá hoje.
Chegando à Amora, circundando os acessos à Quinta, algo de diferente se começa a sentir. Para primeiro dia de festa, a movimentação parece muita. E é muita. Não me recordo de ver recentemente a festa tão cheia num primeiro dia. Agora que o fim-de-semana passou, acho que não vi a festa assim tão cheia em anos recentes. Sinal dos tempos, diziam-me ainda agora. Talvez isso, talvez o culminar de um ano sem férias com comes e bebes, cultura, debates e gente, muita gente, de todos os tamanhos e feitios, de todas as idades, de todas as tendências. Parece que o Marcelo Rebelo de Sousa anda por cá hoje, veio ver a orquestra. Pois claro. E só lhe fica bem. A festa não é só dos comunistas, portugueses e estrangeiros, e é esse o grande orgulho dos que a constroem. Num país cada vez mais fechado, não deixa de ser bonito ver aqueles que estão sob fogo constantemente, aqueles que são acusados de cinzentismo e cristalização, serem capazes de parir uma cidade de liberdade como esta. Onde encontro sempre amigos, filiados no PCP, eleitores da CDU, do Bloco, do PS, do PSD [lamento, do PP não tenho conhecimento de nenhum], ateus, cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, freaks e malabaristas, velhos que trazem a vida cravada na cara, crianças de colo, putos que pulam ao som da Carvalhesa, tambores e trombudos, debates, cantorias e cabeçudos. A olhos renitentes, talvez pareça um jardim zoológico. Para nós, meros animais vivos que a conhecemos quase como a nós mesmos, a festa é energia e vida.
Já se foi o pão com chouriço do Magoito, está na hora de dar um pulo à esplanada da Atalaia e dar um beijo aos meus pais, devidamente acompanhado por uma sangria e uma bela bifana. A minha mãe está linda, uma mulher que tem sido tão triste e tão amargurada está a transformar-se numa velha gaiteira, divertida e sedenta de vida. Até me sinto orgulhos@, vendo-a de lenço na cabeça a servir pataniscas aos saltinhos atrás do balcão [onde passou quase toda a vida], ao ritmo dos bombos da Carvalhesa. É mágico, este tema, rastilho de danças e de sorrisos entre praticamente todos os visitantes da festa. O poder da música há-de intrigar-me sempre. Há-de maravilhar-me sempre. Rever o Zé Carlos e a Faustina, se outros encontros o ano não proporciona, este é certo, seguro e esperado. Ouvir conversas, sorrir com os desacordos entre os comunistas de coração e os de cabeça, pensar, ainda bem que os há tão diferentes, ao contrário do que no geral se imagina. Já não me sinto um deles, definitivamente, mas continuo a ter por eles carinho e gratidão. E continuo a sentir que a minha luta é também ao seu lado, que a sua experiência e a sua visão estão longe de ser meros detritos de um passado de idealismo e entrega, que a desilusão e a defesa em dureza e rigidez tantas vezes transformam. E fico sempre feliz de ver que entre os que mais deram, muitas vezes entre os que mais sofreram, se encontram os mais felizes, apesar de tudo, os mais alegres, os mais abertos. E entre os que viram sofrer e esperaram, os mais amargurados e difíceis. Há uma lição de vida à espera em cada canto do mundo. Em cada canto da Festa também.
Espera-nos o 25 de Abril, Mozart, Bach e Händel, Rosado, Burmester e Laginha, a Sinfonietta de Lisboa povoada de amigos e colegas, dirigida pelo insigne maestro Vasco Azevedo, grande revolucionador da classe de orquestra na Escola Superior de Música de Lisboa [só falta construir um auditório decente, mas devem estar à espera que no intervalo dos ensaios o homem acarte também com algum tijolo]. Em que outro auditório se pode ouvir o concerto em Dó Maior enquanto se fuma uma, digam lá? E ter ao lado malta de outras várias gerações a lidar connosco da mesma exacta forma, antes, durante e depois? How’s that, for grey and reacctionary, han? O que interessa: a abertura das Bodas de Fígaro, muito bem, orquestra segura e com balanço, um Mozart com humor, com corpo e leveza. Enfim, um Mozart. O concerto em Dó Maior: sou fã do António Rosado, definitivamente. Gosto de o ouvir, gosto de seguir-lhe as mãos. As condições da Festa melhoram de ano para ano e o som do piano estava admirável, se descontarmos uma certa falta de corpo nos graves. O conjunto funcionou, na orquestra já se ouvem resultados do trabalho que, contra tudo e todos, se vai conseguindo fazer neste país. Um som consistente, mas maleável e vivo. Parabéns, pessoal. Parabéns, Vasco.
Com Bach, a coisa fia mais fino, e as condições revelam a sua ingratidão. No concerto a dois pianos, Pedro Burmester e Mário Laginha deram um ar da sua graça, mas o som não se compadece com tal filigrana e any further comments will be vain. O concerto para três pianos e orquestra, por seu lado, arrancou logo mal, com um tutti que não percebi onde começou e metade da orquestra também não. Rapidamente se acertaram os ponteiros, mas Bach é Bach e de facto não se safa com som captado e um palco daquelas dimensões ao ar livre. É a minha modesta opinião. E já agora, quando é que poderemos ouvir outras músicas, nomeadamente alguma da música erudita que por cá se faz? Não me parece de acordo com o espírito da Festa, reduzir a música erudita a Bach, Mozart e Beethoven - que me perdoem estes três deuses por usar esta horrível e mentirosa expressão, "reduzir", mas acho que me entendem...
Para um final em grande, a música para os Reais Fogos de Artifício, que desta vez eram vermelhos e não azuis. Que se pode dizer? Entre os rebentamentos de fogos e a festa de Händel no palco obviamente não há comentários musicais a fazer, que eu estava lá para me divertir. E assim se disse adeus no 25 de Abril ao primeiro dia de Festa. Mas no 1.º de Maio, Lura ainda ateava o fogo crioulo e o meu mano Daniel arregalava os olhos e os ouvidos e sussurava: -Isto não se aprende em escola nenhuma, bolas. Queriam saber como foi? Desculpem, não consigo. Uma mulher daquelas e uma voz daquelas não se descrevem, fruem-se. Só me ocorre reproduzir o último parágrafo do que sobre ela diz o programa: Dêem-lhe um causa e a voz desta mulher transforma-se em chicote. Dêem-lhe um chão e será raiz. Dêem-lhe uma raiz e será flor.
Regresso a casa, bicha para entrar na nacional, já é praxe e é até bom sinal. Só amanhã saberei, pelo meu Puto, que a nossa velha gaiteira esteve a noite toda a dançar ao som de Lura, no outro extremo do pavilhão.
sábado, setembro 04, 2004
sexta-feira, setembro 03, 2004
Assim como sucedeu com o Sudão.
Perdoa, Nuno, nenhum de nós conseguiu ainda responder ao teu apelo. E quem conseguirá comparar a amplitude de dois terrores assim? Os nossos media, sem dúvida, não consideram os casos sequer comparáveis e todos estamos demasiado habituados à desumanidade naqueles ermos geográficos onde a África desconhecida se confunde com o desconhecido e temido Islão.
Pelo delito do silêncio, mea culpa.
Perdoa, Nuno, nenhum de nós conseguiu ainda responder ao teu apelo. E quem conseguirá comparar a amplitude de dois terrores assim? Os nossos media, sem dúvida, não consideram os casos sequer comparáveis e todos estamos demasiado habituados à desumanidade naqueles ermos geográficos onde a África desconhecida se confunde com o desconhecido e temido Islão.
Pelo delito do silêncio, mea culpa.
Hoje também eu queria dizer alguma coisa sobre o que se passa na Ossétia do Norte...
... mas, como a Vermelha a 11 de Março, não consigo.
... mas, como a Vermelha a 11 de Março, não consigo.
quinta-feira, setembro 02, 2004
Bem-hajas, Psycólogo!
Está desvendado. Esqueçam os iogurtes fora de prazo. A ameaça à saúde pública está no facto do Borndiep trazer a bordo the machine that goes: ping!!!!
Está desvendado. Esqueçam os iogurtes fora de prazo. A ameaça à saúde pública está no facto do Borndiep trazer a bordo the machine that goes: ping!!!!
Novo slogan
Uma das palavras de ordem de ontem foi: Uma lei medieval, só mesmo em Portugal!
Logo um arqueólogo meu amigo presente rectificou: a lei não pode ser medieval, pois se na Idade Média os abortos eram legais. E o nosso Pagan lembrou, e muito bem, que até muito tarde [segunda metada do século XIX] a ICAR defendeu que os fetos não tinham alma até, pelo menos, às 11 semanas. Ou seja, um novo slogan impõe-se e o Hugo, o tal arqueólogo, não descansou enquanto não resolveu o berbicacho. Aqui fica a proposta:
UMA LEI RENASCENTISTA, SÓ NUM PAÍS FASCISTA!
Uma das palavras de ordem de ontem foi: Uma lei medieval, só mesmo em Portugal!
Logo um arqueólogo meu amigo presente rectificou: a lei não pode ser medieval, pois se na Idade Média os abortos eram legais. E o nosso Pagan lembrou, e muito bem, que até muito tarde [segunda metada do século XIX] a ICAR defendeu que os fetos não tinham alma até, pelo menos, às 11 semanas. Ou seja, um novo slogan impõe-se e o Hugo, o tal arqueólogo, não descansou enquanto não resolveu o berbicacho. Aqui fica a proposta:
UMA LEI RENASCENTISTA, SÓ NUM PAÍS FASCISTA!
Éramos trezentos
Só trezentos, a 200 metros da porta do que nos foi descrito por um agente da PSP como "a casa de uma pessoa". Eu que sempre achei que aquilo era um edifício público, descobri ontem que afinal em S.Bento o que existe é uma casa senhorial. Enfim...
Hoje, com um olho aberto e outro fechado, já ouvi qualquer coisa sobre a disposição do PSL para discutir a lei da IVG já no próximo ano parlamentar. Ou se calhar foi só um surto de daydreaming. Não consigo ter respeito por esta gente que defende aquilo em que não acredita. Criminosamente. Lá está ele, repetindo: "Não gosto de dogmas, não gosto de intolerância". Mas nós, mulheres, vivemos coartadas, reprimidas, policiadas por um dogma e pelo cúmulo da intolerância, por uma minoria inquisitória e presunçosa, que não pensa, que não deduz, mas que impõe, que criminaliza, que rebaixa e humilha, enquanto hipocritamente se apresentam como defensores do próprio objecto do seu ímpeto persecutório. Orwell, que tanto nos assustou com a Polícia do Pensamento, bem que podia ter-nos avisado contra a Polícia do Corpo. São gémeas. Monozigóticas.
No fim disto tudo, no fim da vergonha que alimentamos neste país, no fim de tanta opinião, no fim de uma petição que recolheu - entre entradas idiotas bem ao nível de quem as fez - mais de 2000 assinaturas, por que razão éramos só trezentos? Por que razão fomos só 30% votar no referendo de má memória? Por que razão temos tanto medo, ou tanto desinteresse? Será porque nos reduzimos a um povo de cobardes ignotos?
HEI! PORTUGAL! Por que razão éramos só trezentos? Por que razão não encontro em nenhuma destas manifestações muitas das pessoas que comigo se indignam quotidianamente?
Hei, Portugal! Afinal, de que é que tu estás à espera?!
Só trezentos, a 200 metros da porta do que nos foi descrito por um agente da PSP como "a casa de uma pessoa". Eu que sempre achei que aquilo era um edifício público, descobri ontem que afinal em S.Bento o que existe é uma casa senhorial. Enfim...
Hoje, com um olho aberto e outro fechado, já ouvi qualquer coisa sobre a disposição do PSL para discutir a lei da IVG já no próximo ano parlamentar. Ou se calhar foi só um surto de daydreaming. Não consigo ter respeito por esta gente que defende aquilo em que não acredita. Criminosamente. Lá está ele, repetindo: "Não gosto de dogmas, não gosto de intolerância". Mas nós, mulheres, vivemos coartadas, reprimidas, policiadas por um dogma e pelo cúmulo da intolerância, por uma minoria inquisitória e presunçosa, que não pensa, que não deduz, mas que impõe, que criminaliza, que rebaixa e humilha, enquanto hipocritamente se apresentam como defensores do próprio objecto do seu ímpeto persecutório. Orwell, que tanto nos assustou com a Polícia do Pensamento, bem que podia ter-nos avisado contra a Polícia do Corpo. São gémeas. Monozigóticas.
No fim disto tudo, no fim da vergonha que alimentamos neste país, no fim de tanta opinião, no fim de uma petição que recolheu - entre entradas idiotas bem ao nível de quem as fez - mais de 2000 assinaturas, por que razão éramos só trezentos? Por que razão fomos só 30% votar no referendo de má memória? Por que razão temos tanto medo, ou tanto desinteresse? Será porque nos reduzimos a um povo de cobardes ignotos?
HEI! PORTUGAL! Por que razão éramos só trezentos? Por que razão não encontro em nenhuma destas manifestações muitas das pessoas que comigo se indignam quotidianamente?
Hei, Portugal! Afinal, de que é que tu estás à espera?!
quarta-feira, setembro 01, 2004
Women on Waves Hot Line
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Confissão
Há um ano atrás, por esta altura precisamente, parti às três da manhã em direcção a Badajoz num Daewoo Matiz com uma amiga repousando no banco de trás a caminho de pôr em prática a decisão mais difícil da sua vida.
Há um ano atrás aguardava na sala de espera da Clínica dos Arcos observando em meu redor a quase totalidade de mulheres portuguesas, jovens e menos jovens, que aguardavam a sua vez, e de pais mães irmãos namorados amigos maridos portugueses que aguardavam como eu, sem saber que mais fazer para minorar aquela etapa terrível para além de estar presente de corpo e alma. E compreender. E acompanhar. E ter compaixão. É curioso que escasseiem tanto estas capacidades nos abusivamente auto-intitulados de Pró-Vida. Perdoem-me, não é curioso. É revoltante.
Há um ano atrás, escutando a descrição feita pela minha amiga do acompanhamento social, psicológico e médico que a clínica em questão fornece e observando ainda assim o seu sofrimento, muito me revoltei sobre a imoralidade que é penalizar as mulheres ainda mais, obrigando-as a agir fora da lei, a maioria das vezes na vergonha e no isolamento e sem o mínimo de dignidade ou segurança. E pensei nos países que já ultrapassaram o problema, em que a legalização do aborto correspondeu a um menor recurso ao mesmo. Países em que as leis não se submetem eternamente ao obscurantismo e à prepotência de uns quantos que se consideram detentores de uma moral superior e designados por não sei quem para serem os guardas da função sagrada da maternidade de qualquer mulher, seja qual for o seu credo, cor, religião, personalidade, opinião pessoal, quaisquer que sejam os seus sentimentos mais íntimos. Gente que não entende o significado da palavra cristianismo. E para quem a democracia é a parca liberdade dos outros terminar onde começa a sua ampla, pura e santa liberdade. Não tem outro nome o que se passa em Portugal: é fascismo sexual e reprodutivo.
Há um ano atrás, como hoje, não senti vergonha de ser portuguesa. Mas senti vergonha do estado do meu país.
Há um ano atrás, por esta altura precisamente, parti às três da manhã em direcção a Badajoz num Daewoo Matiz com uma amiga repousando no banco de trás a caminho de pôr em prática a decisão mais difícil da sua vida.
Há um ano atrás aguardava na sala de espera da Clínica dos Arcos observando em meu redor a quase totalidade de mulheres portuguesas, jovens e menos jovens, que aguardavam a sua vez, e de pais mães irmãos namorados amigos maridos portugueses que aguardavam como eu, sem saber que mais fazer para minorar aquela etapa terrível para além de estar presente de corpo e alma. E compreender. E acompanhar. E ter compaixão. É curioso que escasseiem tanto estas capacidades nos abusivamente auto-intitulados de Pró-Vida. Perdoem-me, não é curioso. É revoltante.
Há um ano atrás, escutando a descrição feita pela minha amiga do acompanhamento social, psicológico e médico que a clínica em questão fornece e observando ainda assim o seu sofrimento, muito me revoltei sobre a imoralidade que é penalizar as mulheres ainda mais, obrigando-as a agir fora da lei, a maioria das vezes na vergonha e no isolamento e sem o mínimo de dignidade ou segurança. E pensei nos países que já ultrapassaram o problema, em que a legalização do aborto correspondeu a um menor recurso ao mesmo. Países em que as leis não se submetem eternamente ao obscurantismo e à prepotência de uns quantos que se consideram detentores de uma moral superior e designados por não sei quem para serem os guardas da função sagrada da maternidade de qualquer mulher, seja qual for o seu credo, cor, religião, personalidade, opinião pessoal, quaisquer que sejam os seus sentimentos mais íntimos. Gente que não entende o significado da palavra cristianismo. E para quem a democracia é a parca liberdade dos outros terminar onde começa a sua ampla, pura e santa liberdade. Não tem outro nome o que se passa em Portugal: é fascismo sexual e reprodutivo.
Há um ano atrás, como hoje, não senti vergonha de ser portuguesa. Mas senti vergonha do estado do meu país.