terça-feira, agosto 31, 2004
A tradição é um bem a defender IV
Ao ouvir Zita Seabra falar na RTP 1 sobre as alternativas ao aborto fornecidas pela sociedade e pelo estado portugueses, e considerando que:
- continua a ser boicotada, pelos mesmo arautos da "vida" que se manifestam furiosamente contra a auto-determinação das mulheres, a implementação de uma verdadeira educação sexual nas escolas;
- a educação, a informação e o interesse dos jovens e da população portuguesa em geral são reconhecida e comprovadamente deficientes;
- a informação sobre contraceptivos como a pílula, o DIU ou mesmo o método das temperaturas não me parecem muito eficazes à posteriori;
- e uma vez que a dita senhora não apresentou um único argumento esclarecedor da essência ou da prática dessas alternativas, cumpre-me deixar esta lista de opções ao dispôr das mulheres eventualmente interessadas e até do estado para que possa organizar melhor estes sectores da nossa sociedade, por forma a que a resposta a estes "momentos de terrível sofrimento na vida de qualquer mulher" sejam grandemente minorados. A saber:
- dar a criança para adopção, uma vez que eramá se colocou termo ao velhinho e eficiente sistema da "Roda" nos conventos e misericóridias por esse país fora;
- vender a criança a casais ricos do primeiro-mundo, prática que tem dado reconhecidos frutos em países que se debatem com situações semelhantes à nossa, como a China ou o Cambodja;
- o mui respeitável recurso ao trabalho como "alternadeiras";
- vender o corpinho na rua, de preferência sem chulo, que sempre mama um bocadito do income;
- o abandono puro e simples - alguém há-de dar pelo berreiro.
Perdoem-me o sarcasmo. Mas é cada vez mais difícil levar a sério o autismo e a prepotência. Em suma, o fascismo sobre o meu próprio corpo.
Ao ouvir Zita Seabra falar na RTP 1 sobre as alternativas ao aborto fornecidas pela sociedade e pelo estado portugueses, e considerando que:
- continua a ser boicotada, pelos mesmo arautos da "vida" que se manifestam furiosamente contra a auto-determinação das mulheres, a implementação de uma verdadeira educação sexual nas escolas;
- a educação, a informação e o interesse dos jovens e da população portuguesa em geral são reconhecida e comprovadamente deficientes;
- a informação sobre contraceptivos como a pílula, o DIU ou mesmo o método das temperaturas não me parecem muito eficazes à posteriori;
- e uma vez que a dita senhora não apresentou um único argumento esclarecedor da essência ou da prática dessas alternativas, cumpre-me deixar esta lista de opções ao dispôr das mulheres eventualmente interessadas e até do estado para que possa organizar melhor estes sectores da nossa sociedade, por forma a que a resposta a estes "momentos de terrível sofrimento na vida de qualquer mulher" sejam grandemente minorados. A saber:
- dar a criança para adopção, uma vez que eramá se colocou termo ao velhinho e eficiente sistema da "Roda" nos conventos e misericóridias por esse país fora;
- vender a criança a casais ricos do primeiro-mundo, prática que tem dado reconhecidos frutos em países que se debatem com situações semelhantes à nossa, como a China ou o Cambodja;
- o mui respeitável recurso ao trabalho como "alternadeiras";
- vender o corpinho na rua, de preferência sem chulo, que sempre mama um bocadito do income;
- o abandono puro e simples - alguém há-de dar pelo berreiro.
Perdoem-me o sarcasmo. Mas é cada vez mais difícil levar a sério o autismo e a prepotência. Em suma, o fascismo sobre o meu próprio corpo.
Cá está a prova de que não é preciso ser de esquerda para chamar os bois pelos nomes
Não aceito a negação da presunção de inocência. Não se mascare uma posição política com uma actuação administrativa.
Paula Teixeira da Cruz, jurista, 23h00, RTP 1.
Não aceito a negação da presunção de inocência. Não se mascare uma posição política com uma actuação administrativa.
Paula Teixeira da Cruz, jurista, 23h00, RTP 1.
Mistério desvendado!
Estou a ver o debate sobre o WOWgate na RTP 1. Zita Seabra parece uma beata de crucifixo, argumentando com o nada, com a moralidade ofendida, com o bom-gosto e o mau-gosto. Eu que, apesar de tudo, espero sempre o melhor das pessoas e tenho presentes as lutas passadas pela dignidade das mulheres que esta... - nem sei que lhe hei-de chamar - ...traz no seu currículo, fiquei literalmente de boca à banda.
Logo me sossegou o meu Puto, calmo e clarividente: -Bem me parecia que ela tinha feito uma lobotomia...
Estou a ver o debate sobre o WOWgate na RTP 1. Zita Seabra parece uma beata de crucifixo, argumentando com o nada, com a moralidade ofendida, com o bom-gosto e o mau-gosto. Eu que, apesar de tudo, espero sempre o melhor das pessoas e tenho presentes as lutas passadas pela dignidade das mulheres que esta... - nem sei que lhe hei-de chamar - ...traz no seu currículo, fiquei literalmente de boca à banda.
Logo me sossegou o meu Puto, calmo e clarividente: -Bem me parecia que ela tinha feito uma lobotomia...
"Ao Governo Português
Os cidadãos e as cidadãs abaixo-assinados, vêm por este meio apresentar a sua total discordância e perplexidade perante a decisão do governo de proibir a entrada em Portugal do barco da Women on Waves, que pretendia atracar no porto da Figueira da Foz, no âmbito de um projecto visando a defesa da saúde sexual e reprodutiva das mulheres, do direito à escolha responsável e da defesa da descriminalização do aborto.
Os argumentos apresentados pelo governo são incompreensíveis quer à luz da lei nacional, comunitária e internacional, quer à luz das normas democráticas e cívicas que implicam a participação dos cidadãos e das cidadãs, das suas organizações autónomas, a livre expressão de opiniões e o debate construtivo, neste caso em torno de problemas muito reais.
Quer a Women on Waves, quer as organizações portuguesas, reafirmaram por diversas vezes que a lei portuguesa nunca seria infringida e não existem motivos para não acreditar em tal; aliás, o Governo Português dispunha e dispõe de todos os meios e instrumentos para verificar se tal correspondia à realidade.
Este barco já desenvolveu o mesmo tipo de acção em dois países da União Europeia e nenhum proibiu a sua entrada, pese embora a situação de criminalização do aborto existir também nestes países (Irlanda e Polónia).
Portugal é o único país da União Europeia que leva mulheres a tribunal por terem realizado um aborto; passará agora a ser também o único país que impede a livre actuação de organizações cívicas.
Refutamos completamente os argumentos apresentados pelo Governo, de que esta iniciativa poria em causa a saúde pública e reafirmamos o seu carácter hipócrita. Saúde pública em causa é a situação que existe hoje, são as teias do aborto clandestino.
Reafirmamos a nossa vontade de prosseguir todas as iniciativas que levem à alteração de uma lei injusta, penalizadora das mulheres e atentatória da dignidade das pessoas.
Apelamos a todos os cidadãos e cidadãs, independentemente das suas convicções pessoais sobre a realização do aborto, mas que querem viver num país onde as mulheres não sejam penalizadas, onde o respeito pelas escolhas de cada mulher e cada família sejam respeitadas, onde a dignidade seja um valor concreto e a educação sexual, o planeamento familiar e o acesso à contracepção sejam garantidos conforme a lei estipula, para que manifestem o seu repúdio por esta decisão do governo e o seu apoio à alteração da actual lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. Apelam ainda aos órgãos de soberania para que se pronunciem sobre esta decisão.
29 de Agosto de 2004"
Cliquem AQUI para assinar. Será entregue amanhã, dia 1, a quem de direito.
Os cidadãos e as cidadãs abaixo-assinados, vêm por este meio apresentar a sua total discordância e perplexidade perante a decisão do governo de proibir a entrada em Portugal do barco da Women on Waves, que pretendia atracar no porto da Figueira da Foz, no âmbito de um projecto visando a defesa da saúde sexual e reprodutiva das mulheres, do direito à escolha responsável e da defesa da descriminalização do aborto.
Os argumentos apresentados pelo governo são incompreensíveis quer à luz da lei nacional, comunitária e internacional, quer à luz das normas democráticas e cívicas que implicam a participação dos cidadãos e das cidadãs, das suas organizações autónomas, a livre expressão de opiniões e o debate construtivo, neste caso em torno de problemas muito reais.
Quer a Women on Waves, quer as organizações portuguesas, reafirmaram por diversas vezes que a lei portuguesa nunca seria infringida e não existem motivos para não acreditar em tal; aliás, o Governo Português dispunha e dispõe de todos os meios e instrumentos para verificar se tal correspondia à realidade.
Este barco já desenvolveu o mesmo tipo de acção em dois países da União Europeia e nenhum proibiu a sua entrada, pese embora a situação de criminalização do aborto existir também nestes países (Irlanda e Polónia).
Portugal é o único país da União Europeia que leva mulheres a tribunal por terem realizado um aborto; passará agora a ser também o único país que impede a livre actuação de organizações cívicas.
Refutamos completamente os argumentos apresentados pelo Governo, de que esta iniciativa poria em causa a saúde pública e reafirmamos o seu carácter hipócrita. Saúde pública em causa é a situação que existe hoje, são as teias do aborto clandestino.
Reafirmamos a nossa vontade de prosseguir todas as iniciativas que levem à alteração de uma lei injusta, penalizadora das mulheres e atentatória da dignidade das pessoas.
Apelamos a todos os cidadãos e cidadãs, independentemente das suas convicções pessoais sobre a realização do aborto, mas que querem viver num país onde as mulheres não sejam penalizadas, onde o respeito pelas escolhas de cada mulher e cada família sejam respeitadas, onde a dignidade seja um valor concreto e a educação sexual, o planeamento familiar e o acesso à contracepção sejam garantidos conforme a lei estipula, para que manifestem o seu repúdio por esta decisão do governo e o seu apoio à alteração da actual lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. Apelam ainda aos órgãos de soberania para que se pronunciem sobre esta decisão.
29 de Agosto de 2004"
Cliquem AQUI para assinar. Será entregue amanhã, dia 1, a quem de direito.
Esta é a sério.
CONCENTRAÇÃO DE PROTESTO CONTRA A DECISÃO DO GOVERNO DE IMPEDIR A ENTRADA EM ÁGUAS PORTUGUESAS DO NAVIO DAS WOMEN ON WAVES: 4ª FEIRA, DIA 1, 18H, FRENTE À RESIDÊNCIA OFICIAL DO PRIMEIRO-MINISTRO.
Passem palavra. A gesta marítima portuguesa continua (he, he!).
CONCENTRAÇÃO DE PROTESTO CONTRA A DECISÃO DO GOVERNO DE IMPEDIR A ENTRADA EM ÁGUAS PORTUGUESAS DO NAVIO DAS WOMEN ON WAVES: 4ª FEIRA, DIA 1, 18H, FRENTE À RESIDÊNCIA OFICIAL DO PRIMEIRO-MINISTRO.
Passem palavra. A gesta marítima portuguesa continua (he, he!).
segunda-feira, agosto 30, 2004
Apelo
Este apelo é um dois em um. Duas SMS diferentes, dois objectivos-irmãos:
1- Quarta-feira às 18 horas frente à residência oficial do PM, na Calçada da Estrela, pela legalização do aborto em Portugal.
2- Amanhã, Terça-Feira, às 18 horas, frente ao Ministério da Defesa, no Restelo, ao lado do Estádio do Belenenses. Esta mensagem acrescentava que a comparência era pedida pela tripulação do Borndiep e pelas Women on Waves. Embora o sítio nada refira, é urgente que lá estejamos.
Pela maturidade de uma democracia. Pela tomada do Presente nas nossas próprias mãos. Nas mãos de tod@s.
Este apelo é um dois em um. Duas SMS diferentes, dois objectivos-irmãos:
1- Quarta-feira às 18 horas frente à residência oficial do PM, na Calçada da Estrela, pela legalização do aborto em Portugal.
2- Amanhã, Terça-Feira, às 18 horas, frente ao Ministério da Defesa, no Restelo, ao lado do Estádio do Belenenses. Esta mensagem acrescentava que a comparência era pedida pela tripulação do Borndiep e pelas Women on Waves. Embora o sítio nada refira, é urgente que lá estejamos.
Pela maturidade de uma democracia. Pela tomada do Presente nas nossas próprias mãos. Nas mãos de tod@s.
Is this a WAR?
Portuguese military circling Borndiep.
29-08-04, 17:15 hours: The Portugese Navy circles the Women on Waves ship and orders the captain to stop approaching Portugal. Photo: Nadya Peek for Women on Waves.
Sun 29-08-04 17 hours: After receiving no response from the harbour authorities to repeated requests for permission to enter, Ms Borndiep slowly started to sail for the coast. Within minutes, the portugese Navy appeared at the horizon and ordered the captain to immediately stop moving. Or else...
Saturday: Women on Waves and the Portuguese Organizations (Acção Jovem para a Paz, Clube Safo, Não Te Prives and UMAR ) which invited Women on Waves to come to Portugal, are giving a public statement at 13.00h, at Café Santa Cruz, Plaça 8 Maio, Coimbra.
26-08-2004: A opinion poll conducted by the Portuguese national newspaper Jornal de Notícias shows that 63% of the respondents are in favour that the boat comes to Portugal.
24-08-2004 14:00h Latest news from the ship: we just passed Dover. Rough weather with 25 meter high waves! Everything OK.
August 23: The women on Waves ship today set sail to Portugal. In this EU-country, abortion is illegal and women are prosecuted and punished for having abortions.
Portuguese military circling Borndiep.
29-08-04, 17:15 hours: The Portugese Navy circles the Women on Waves ship and orders the captain to stop approaching Portugal. Photo: Nadya Peek for Women on Waves.
Sun 29-08-04 17 hours: After receiving no response from the harbour authorities to repeated requests for permission to enter, Ms Borndiep slowly started to sail for the coast. Within minutes, the portugese Navy appeared at the horizon and ordered the captain to immediately stop moving. Or else...
Saturday: Women on Waves and the Portuguese Organizations (Acção Jovem para a Paz, Clube Safo, Não Te Prives and UMAR ) which invited Women on Waves to come to Portugal, are giving a public statement at 13.00h, at Café Santa Cruz, Plaça 8 Maio, Coimbra.
26-08-2004: A opinion poll conducted by the Portuguese national newspaper Jornal de Notícias shows that 63% of the respondents are in favour that the boat comes to Portugal.
24-08-2004 14:00h Latest news from the ship: we just passed Dover. Rough weather with 25 meter high waves! Everything OK.
August 23: The women on Waves ship today set sail to Portugal. In this EU-country, abortion is illegal and women are prosecuted and punished for having abortions.
Ironias do destino...
"Nos jogos que bateram todos os records em gastos com a segurança, para prevenir atentados terroristas de grupos fundamentalistas islâmicos, acabou por ser um fanático cristão a manchar a festa do desporto."
O nosso mal é não termos grande sentido de humor - que aliás, é uma qualidade humana demasiado ligada à liberdade e à inteligência para proliferar por aí.
"Nos jogos que bateram todos os records em gastos com a segurança, para prevenir atentados terroristas de grupos fundamentalistas islâmicos, acabou por ser um fanático cristão a manchar a festa do desporto."
O nosso mal é não termos grande sentido de humor - que aliás, é uma qualidade humana demasiado ligada à liberdade e à inteligência para proliferar por aí.
domingo, agosto 29, 2004
A tradição é um bem a defender III
Parece que, se se proporcionar o debate, talvez na próxima legislatura o PSD/PPD venha a rever a sua posição quanto à legalização do aborto. Han, han... entretanto estão à espera de cumprir os limites mínimos de mortes, septicémias e infertilidades para alguma competição obscura? Ou é mesmo só porque lhes apetece?
Parece que, se se proporcionar o debate, talvez na próxima legislatura o PSD/PPD venha a rever a sua posição quanto à legalização do aborto. Han, han... entretanto estão à espera de cumprir os limites mínimos de mortes, septicémias e infertilidades para alguma competição obscura? Ou é mesmo só porque lhes apetece?
Pesos e medidas
Querem saber do que se trata? Da democraciazinha portuguesa, nem mais. Mais palavras para quê? Vejam quanto vale a soberania de um país, AQUI.
Querem saber do que se trata? Da democraciazinha portuguesa, nem mais. Mais palavras para quê? Vejam quanto vale a soberania de um país, AQUI.
A tradição é um bem a defender II
Pensará Nuno Melo, o tal líder parlamentar do PP: Mas para que é que elas hão-de ir de barco, se de carro até Badajoz é um tirinho e sempre temos o ar condicionado, caramba!?!
Pensará Nuno Melo, o tal líder parlamentar do PP: Mas para que é que elas hão-de ir de barco, se de carro até Badajoz é um tirinho e sempre temos o ar condicionado, caramba!?!
A tradição é um bem a defender
Vejo na SIC Notícias o líder parlamentar do PP de cabelos ao vento elogiando as autoridades portuguesas por defenderem a saúde das mulheres que teriam de se deslocar a alto mar para fazer um aborto sem condições médicas e com medicamentos proibidos pelo INFARMED. Realmente, não há nada como a velha e fiável Fazedora de Anjos seguida de uma passagenzita pelo tribunal, pelo hospital ou mesmo pelo Instituto de Medicina Legal. Bem hajam, protectores nossos.
Vejo na SIC Notícias o líder parlamentar do PP de cabelos ao vento elogiando as autoridades portuguesas por defenderem a saúde das mulheres que teriam de se deslocar a alto mar para fazer um aborto sem condições médicas e com medicamentos proibidos pelo INFARMED. Realmente, não há nada como a velha e fiável Fazedora de Anjos seguida de uma passagenzita pelo tribunal, pelo hospital ou mesmo pelo Instituto de Medicina Legal. Bem hajam, protectores nossos.
sábado, agosto 28, 2004
Atirados aos bichos
Francis Bacon, Study after Velazquez II (1950)
Somos explorados no trabalho, e não só
Também somos o lixo
Lixo na tê-vê, quem lá está e quem vê
Lixo no jornal, voz do seu capital
Estamos entregues aos bichos
E o lixo produz mais lixo
E o tempo a passar
E eu a cantar
Eu também faço parte do lixo
Há quem viva bem do nosso mal-viver
Nós somos lixo
Somos só lixo
Já não há gente, há só lixo
Dispensável, descartável, reciclável
E agora parem um minuto p'ra pensar
Há que humanizar a humanidade, e não só
Há que varrer o lixo
O do Capital, que é o lixo global
O lixo do Estado, que é o seu braço armado
O mundo é de quem manda
E o resto é propaganda
Tudo é publicidade
Mas a liberdade
É escolher entre ser ou estar
Tens a boca cheia de palavras lindas
P'ra ti sou lixo
Somos só lixo
Nós não somos gente, somos lixo
Dispensável, descartável, reciclável
Mas vou parar mais um minuto p'ra pensar
Vamos a casa
Ao fim do dia
Só p'ra regenerar a mais-valia
Ganhar forças, fazer filhos
Cada um no seu caixote
E amanhã tomar o bote
Para o paraíso dos cadilhos
Quem é o lixo
Eles são o lixo do corpo e da alma
Como é que se pode ter calma
P'ra varrer este monturo
Dos escombros do futuro
José Mário Branco, in Resistir é vencer
Francis Bacon, Study after Velazquez II (1950)
Somos explorados no trabalho, e não só
Também somos o lixo
Lixo na tê-vê, quem lá está e quem vê
Lixo no jornal, voz do seu capital
Estamos entregues aos bichos
E o lixo produz mais lixo
E o tempo a passar
E eu a cantar
Eu também faço parte do lixo
Há quem viva bem do nosso mal-viver
Nós somos lixo
Somos só lixo
Já não há gente, há só lixo
Dispensável, descartável, reciclável
E agora parem um minuto p'ra pensar
Há que humanizar a humanidade, e não só
Há que varrer o lixo
O do Capital, que é o lixo global
O lixo do Estado, que é o seu braço armado
O mundo é de quem manda
E o resto é propaganda
Tudo é publicidade
Mas a liberdade
É escolher entre ser ou estar
Tens a boca cheia de palavras lindas
P'ra ti sou lixo
Somos só lixo
Nós não somos gente, somos lixo
Dispensável, descartável, reciclável
Mas vou parar mais um minuto p'ra pensar
Vamos a casa
Ao fim do dia
Só p'ra regenerar a mais-valia
Ganhar forças, fazer filhos
Cada um no seu caixote
E amanhã tomar o bote
Para o paraíso dos cadilhos
Quem é o lixo
Eles são o lixo do corpo e da alma
Como é que se pode ter calma
P'ra varrer este monturo
Dos escombros do futuro
José Mário Branco, in Resistir é vencer
Nuno Fernandes Thomaz, fantoche do momento, citações de monta:
Nenhum grupo, seja em que circunstâncias for, pode desafiar a ordem jurídica portuguesa ou incitar a actos contra a lei portuguesa.
É uma questão de legalidade e não de moralidade. Aceitar que terceiros viessem violar a nossa lei tornaria para nós mais difícil exercer a autoridade com os portugueses.
Sendo a pílula (abortiva) proibida em Portugal, se tencionam administrá-la significa que a trazem (a bordo), por esse motivo (o barco) deverá ficar em águas internacionais.
O barco vem exercer actividades de saúde que têm de ser devidamente regulamentadas (pelas autoridades portuguesas), senão poríamos em risco a saúde pública. Consideramos que a passagem do navio não é inofensiva.
Noutros países (Irlanda e Polónia, onde o aborto é proibido) este "golpe publicitário" originou situações de conflito muito complicadas.
Portugal hoje faz prevalecer a sua lei em mar territorial português, enquanto este barco vai ficar em águas internacionais.
Convém também saber que por outro lado, para o Governo, o barco é uma unidade de saúde móvel não certificada pelas autoridades de Saúde portuguesas e por esse motivo o barco pode pôr em risco a vida das mulheres que a ele recorram, apesar de ter sido verificado pelas autoridades de saúde holandesas(!!!).
Com isto o Estado dá como encerrado este episódio.
Parece-me que se esqueceram do "A bem da nação", "Orgulhosamente sós" ou mesmo um mais apropriado "Este quintal é meu, foi o meu pai que me deu e só entra aqui que eu quiser! Ass. Paulo Portas, perdão, Pedro Santana Lopes."
Ah, digno de nota é também o facto de esta ser a primeira recusa: o contrário sucedeu na Irlanda e na Polónia. Não nos contentamos em viver no lixo, ahn? Queremos mesmo o fundo dos fundos do contentor, para que ninguém possa agarrar-nos e puxar-nos para cima.
E agora dão-me licença? É que eu fiquei no estado do Misha quando soube da notícia:
FODA-SE!!! QUE MERDA DE PAÍS É ESTE, CARALHO?! COMO É QUE A PIOR ESCUMALHA DA EUROPA VEIO REUNIR-SE NO NOSSO TERRITÓRIO E NO NOSSO GOVERNO E ATÉ EM BELÉM?! QUANDO É QUE VAMOS DAR CABO DESTES FILHOS DA PUTA E TOMAR EM NOSSAS MÃOS O QUE É NOSSO?
DESOBEDIÊNCIA CIVIL, JÁ! TIVESSE eu UM BARQUITO, JÁ ESTAVA A FAZER TRANSPORTES DO PORTO DA FIGUEIRA ATÉ AO BARCO DA ESPERANÇA, OU SERÁ QUE NÃO PODIA SAIR DO PAÍS?!
Raiva, pá, uma raiva tal destes meninos patéticos e tristes que não conseguem aprender a respeitar os outros, mas há muito que sabem dar lições de moral.
ESTE GOVERNO É UM ABORTO DE UM FETO JÁ À PARTIDA MAL-FORMADO!
RUA, CABRÕES, RUA! QUEREMOS VIVER NUM PAÍS, NÃO NA VOSSA LATRINA!
Uma raiva que até dá vontade de chorar...
Agora é só esperar que a Europa - sim, porque nós, definitivamente, não fazemos parte dela - não assista de braços cruzados a esta cadeia inenarrável de violações: das leis de circulação europeias, dos direitos das mulheres, donde, dos direitos humanos.
Sobrará sempre esperança, no fim disto tudo?...
Nenhum grupo, seja em que circunstâncias for, pode desafiar a ordem jurídica portuguesa ou incitar a actos contra a lei portuguesa.
É uma questão de legalidade e não de moralidade. Aceitar que terceiros viessem violar a nossa lei tornaria para nós mais difícil exercer a autoridade com os portugueses.
Sendo a pílula (abortiva) proibida em Portugal, se tencionam administrá-la significa que a trazem (a bordo), por esse motivo (o barco) deverá ficar em águas internacionais.
O barco vem exercer actividades de saúde que têm de ser devidamente regulamentadas (pelas autoridades portuguesas), senão poríamos em risco a saúde pública. Consideramos que a passagem do navio não é inofensiva.
Noutros países (Irlanda e Polónia, onde o aborto é proibido) este "golpe publicitário" originou situações de conflito muito complicadas.
Portugal hoje faz prevalecer a sua lei em mar territorial português, enquanto este barco vai ficar em águas internacionais.
Convém também saber que por outro lado, para o Governo, o barco é uma unidade de saúde móvel não certificada pelas autoridades de Saúde portuguesas e por esse motivo o barco pode pôr em risco a vida das mulheres que a ele recorram, apesar de ter sido verificado pelas autoridades de saúde holandesas(!!!).
Com isto o Estado dá como encerrado este episódio.
Parece-me que se esqueceram do "A bem da nação", "Orgulhosamente sós" ou mesmo um mais apropriado "Este quintal é meu, foi o meu pai que me deu e só entra aqui que eu quiser! Ass. Paulo Portas, perdão, Pedro Santana Lopes."
Ah, digno de nota é também o facto de esta ser a primeira recusa: o contrário sucedeu na Irlanda e na Polónia. Não nos contentamos em viver no lixo, ahn? Queremos mesmo o fundo dos fundos do contentor, para que ninguém possa agarrar-nos e puxar-nos para cima.
E agora dão-me licença? É que eu fiquei no estado do Misha quando soube da notícia:
FODA-SE!!! QUE MERDA DE PAÍS É ESTE, CARALHO?! COMO É QUE A PIOR ESCUMALHA DA EUROPA VEIO REUNIR-SE NO NOSSO TERRITÓRIO E NO NOSSO GOVERNO E ATÉ EM BELÉM?! QUANDO É QUE VAMOS DAR CABO DESTES FILHOS DA PUTA E TOMAR EM NOSSAS MÃOS O QUE É NOSSO?
DESOBEDIÊNCIA CIVIL, JÁ! TIVESSE eu UM BARQUITO, JÁ ESTAVA A FAZER TRANSPORTES DO PORTO DA FIGUEIRA ATÉ AO BARCO DA ESPERANÇA, OU SERÁ QUE NÃO PODIA SAIR DO PAÍS?!
Raiva, pá, uma raiva tal destes meninos patéticos e tristes que não conseguem aprender a respeitar os outros, mas há muito que sabem dar lições de moral.
ESTE GOVERNO É UM ABORTO DE UM FETO JÁ À PARTIDA MAL-FORMADO!
RUA, CABRÕES, RUA! QUEREMOS VIVER NUM PAÍS, NÃO NA VOSSA LATRINA!
Uma raiva que até dá vontade de chorar...
Agora é só esperar que a Europa - sim, porque nós, definitivamente, não fazemos parte dela - não assista de braços cruzados a esta cadeia inenarrável de violações: das leis de circulação europeias, dos direitos das mulheres, donde, dos direitos humanos.
Sobrará sempre esperança, no fim disto tudo?...
Pausa para uma cerveja, muito caminho ainda pela frente
Fuzeta, Agosto de 2004
Fotografia de Manel da Truta
... 28 anos. Bolas... Parabéns a mim, por ter sobrevivido tanto tempo. E aos que me aturam, pelos mesmos motivos, eh eh eh.
Fuzeta, Agosto de 2004
Fotografia de Manel da Truta
... 28 anos. Bolas... Parabéns a mim, por ter sobrevivido tanto tempo. E aos que me aturam, pelos mesmos motivos, eh eh eh.
sexta-feira, agosto 27, 2004
Reflexões à hora do almoço
No geral, as pessoas comem mais do que precisam.
...
Rob Reiner e Sally Struthers
No geral, as pessoas comem mais do que precisam.
...
Rob Reiner e Sally Struthers
Decisão do Supremo chileno abre caminho a julgamento de ex-ditador
Amnistia: levantamento de imunidade de Pinochet é grande passo para a justiça
Será que é desta?
Amnistia: levantamento de imunidade de Pinochet é grande passo para a justiça
Será que é desta?
quinta-feira, agosto 26, 2004
Barco da Esperança
[com um piscar d'olho ao Pagan]
Está a chegar a Portugal o barco da Women on Waves, a convite das associações Não te Prives, UMAR, AJP e Clube Safo. O evento é digno de ser saudado, pois como qualquer organização responsável, a WOW não se fica pelo que para as organizações abusivamente auto-intituladas de "pró-vida" é uma "provocação", e para as mulheres e os defensores dos seus direitos e das mais elementares liberdades individuais é um acto de solidariedade, uma posição corajosa, livre e assumida face a legislações retrógradas e à fúria repressiva nascida da ignorância, da fragilidade do sentido democrático, da menorização da mulher como indivíduo. A WOW faz mais do que proporcionar abortos livres, que não darão lugar a exames ginecológicos compulsórios, à devassa da privacidade, à exposição pública, ao julgamento, à insensibilidade, à crueldade ilimitada sobre a mulher que decida não ser mãe. Ao contrário do que sucede nas casas de aborto clandestino a que tantas mulheres portuguesas se vêem forçadas a recorrer, a WOW presta ainda os seguintes serviços:
- Informação sobre e fornecimento de contraceptivos
- Informação sobre e fornecimento de contraceptivos de emergência
- Teste de gravidez
- Aconselhamento de gravidez não-directivo, com uma decisão pessoal informada por objectivo
- Abortos médicos
- Aconselhamento sobre doenças sexualmente transmissíveis
Que sejam bem-vindas e que ajudem quem sem elas estaria bem mais desesperado - e voltará a estar quando partirem. Que abram mais uma fresta neste caixote cada vez mais mofento que se chama Portugal. O linque está mesmo aqui ao lado. E a civilização também.
[com um piscar d'olho ao Pagan]
Está a chegar a Portugal o barco da Women on Waves, a convite das associações Não te Prives, UMAR, AJP e Clube Safo. O evento é digno de ser saudado, pois como qualquer organização responsável, a WOW não se fica pelo que para as organizações abusivamente auto-intituladas de "pró-vida" é uma "provocação", e para as mulheres e os defensores dos seus direitos e das mais elementares liberdades individuais é um acto de solidariedade, uma posição corajosa, livre e assumida face a legislações retrógradas e à fúria repressiva nascida da ignorância, da fragilidade do sentido democrático, da menorização da mulher como indivíduo. A WOW faz mais do que proporcionar abortos livres, que não darão lugar a exames ginecológicos compulsórios, à devassa da privacidade, à exposição pública, ao julgamento, à insensibilidade, à crueldade ilimitada sobre a mulher que decida não ser mãe. Ao contrário do que sucede nas casas de aborto clandestino a que tantas mulheres portuguesas se vêem forçadas a recorrer, a WOW presta ainda os seguintes serviços:
- Informação sobre e fornecimento de contraceptivos
- Informação sobre e fornecimento de contraceptivos de emergência
- Teste de gravidez
- Aconselhamento de gravidez não-directivo, com uma decisão pessoal informada por objectivo
- Abortos médicos
- Aconselhamento sobre doenças sexualmente transmissíveis
Que sejam bem-vindas e que ajudem quem sem elas estaria bem mais desesperado - e voltará a estar quando partirem. Que abram mais uma fresta neste caixote cada vez mais mofento que se chama Portugal. O linque está mesmo aqui ao lado. E a civilização também.
quarta-feira, agosto 25, 2004
Há 60 anos, Paris renascia
Robert Doisneau, Paris, 25 de Agosto de 1944
Mon épicier l'avait gardée dans son comptoir
Le percepteur la conservait dans son tiroir
La fleur si belle de notre espoir
Le pharmacien la dorlotait dans un bocal
L'ex-caporal en parlait à l'ex-général
Car c'était elle, notre idéal.
C'est une fleur de Paris
Du vieux Paris qui sourit
Car c'est la fleur du retour
Du retour des beaux jours
Pendant quatre ans dans nos cœurs
Elle a gardé ses couleurs
Bleu, blanc, rouge, avec l'espoir elle a fleuri,
Fleur de Paris
Le paysan la voyait fleurir dans ses champs
Le vieux curé l'adorait dans un ciel tout blanc
Fleur d'espérance
Fleur de bonheur
Tout ceux qui se sont battus pour nos libertés
Au petit jour devant leurs yeux l'ont vu briller
La fleur de France
Aux trois couleurs.
C'est une fleur de chez nous
Elle a fleuri de partout
Car c'est la fleur du retour
Du retour des beaux jours
Pendant quatre ans dans nos cœurs
Elle a gardé ses couleurs
Bleu, blanc, rouge, elle était vraiment avant tout
Fleur de chez nous.
Maurice Vandair/Henri Bourtayre
Robert Doisneau, Paris, 25 de Agosto de 1944
Mon épicier l'avait gardée dans son comptoir
Le percepteur la conservait dans son tiroir
La fleur si belle de notre espoir
Le pharmacien la dorlotait dans un bocal
L'ex-caporal en parlait à l'ex-général
Car c'était elle, notre idéal.
C'est une fleur de Paris
Du vieux Paris qui sourit
Car c'est la fleur du retour
Du retour des beaux jours
Pendant quatre ans dans nos cœurs
Elle a gardé ses couleurs
Bleu, blanc, rouge, avec l'espoir elle a fleuri,
Fleur de Paris
Le paysan la voyait fleurir dans ses champs
Le vieux curé l'adorait dans un ciel tout blanc
Fleur d'espérance
Fleur de bonheur
Tout ceux qui se sont battus pour nos libertés
Au petit jour devant leurs yeux l'ont vu briller
La fleur de France
Aux trois couleurs.
C'est une fleur de chez nous
Elle a fleuri de partout
Car c'est la fleur du retour
Du retour des beaux jours
Pendant quatre ans dans nos cœurs
Elle a gardé ses couleurs
Bleu, blanc, rouge, elle était vraiment avant tout
Fleur de chez nous.
Maurice Vandair/Henri Bourtayre
segunda-feira, agosto 23, 2004
domingo, agosto 22, 2004
Publicidade do nosso (des)contentamento
Não tenho preconceitos contra a publicidade: como tudo o que é obra humana, no geral é medíocre, muitas vezes é preconceituosa e às vezes é tão boa tão boa que mexe connosco como algumas formas de arte. Confesso, sinto um frio no estômago cada vez que vejo o filme da Optimus sobre o salvamento de uma baleia, por pouco real que seja a situação. É lindo. E é nada mais que publicidade.
Esta conversa vem a propósito dos posts do Misha e da Mente Assumida, muito certeiros na sua observação do preconceito. Nada tenho a acrescentar.
Só queria aproveitar para dizer que, em compensação, gosto muito desta campanha, bonita e sem merdas:
O sítio mais verde da Terra é a ilha havaiana de Kauai, cuja beleza natural supera a arquitectura de qualquer metrópole. A Torre Eiffel? Uma formiga, ao pé dos seus picos de lava vulcânica, recortados a negro contra o céu claro. O metro de Londres? Um buraco de agulha, perto das suas cavernas milenares. As auto-estradas alemãs de quatro pistas? Nada que se compare aos seus trilhos, abertos a catana na mata, que logo se cobrem de flores. Quanto aos shopping centers, escolhe um pelo mundo fora. Agora, tenta ir lá comprar ondas de 3 metros. Ou um arco-íris em promoção. Redes já presas em palmeiras. E camas de folhas de bananeira. Se não conseguires, lembra-te dos pensamentos Kauai, que regem a vida na ilha, onde tens tudo isto a céu aberto e uma sabedoria ancestral que não aceita cartões de crédito.
Peço desculpa pela qualidade das imagens, mas não consigo fazer melhor, não percebo porquê. Talvez o meu scanner não seja, realmente, uma das melhores coisas da vida...
Não tenho preconceitos contra a publicidade: como tudo o que é obra humana, no geral é medíocre, muitas vezes é preconceituosa e às vezes é tão boa tão boa que mexe connosco como algumas formas de arte. Confesso, sinto um frio no estômago cada vez que vejo o filme da Optimus sobre o salvamento de uma baleia, por pouco real que seja a situação. É lindo. E é nada mais que publicidade.
Esta conversa vem a propósito dos posts do Misha e da Mente Assumida, muito certeiros na sua observação do preconceito. Nada tenho a acrescentar.
Só queria aproveitar para dizer que, em compensação, gosto muito desta campanha, bonita e sem merdas:
O sítio mais verde da Terra é a ilha havaiana de Kauai, cuja beleza natural supera a arquitectura de qualquer metrópole. A Torre Eiffel? Uma formiga, ao pé dos seus picos de lava vulcânica, recortados a negro contra o céu claro. O metro de Londres? Um buraco de agulha, perto das suas cavernas milenares. As auto-estradas alemãs de quatro pistas? Nada que se compare aos seus trilhos, abertos a catana na mata, que logo se cobrem de flores. Quanto aos shopping centers, escolhe um pelo mundo fora. Agora, tenta ir lá comprar ondas de 3 metros. Ou um arco-íris em promoção. Redes já presas em palmeiras. E camas de folhas de bananeira. Se não conseguires, lembra-te dos pensamentos Kauai, que regem a vida na ilha, onde tens tudo isto a céu aberto e uma sabedoria ancestral que não aceita cartões de crédito.
Peço desculpa pela qualidade das imagens, mas não consigo fazer melhor, não percebo porquê. Talvez o meu scanner não seja, realmente, uma das melhores coisas da vida...
In weiter Ferne, so nah!
É sempre um prazer descobrir amigos [mesmo que "indirectos", como é o caso] a enriquecer a blogosfera. Soube desta portuguesa-disfarçada-de-turca-em-Berlim
através da minha irmã e, dos poucos momentos que passei com a Pollie Jean, não esperava menos: um blogue bem escrito, uma interessante visão portuguesa sobre Berlim e o mundo, nas suas várias dimensões.
Fica aqui ao lado, na lista de Blogues Giros. Para quando vos apetecer espreitar o céu sobre Berlim...
É sempre um prazer descobrir amigos [mesmo que "indirectos", como é o caso] a enriquecer a blogosfera. Soube desta portuguesa-disfarçada-de-turca-em-Berlim
através da minha irmã e, dos poucos momentos que passei com a Pollie Jean, não esperava menos: um blogue bem escrito, uma interessante visão portuguesa sobre Berlim e o mundo, nas suas várias dimensões.
Fica aqui ao lado, na lista de Blogues Giros. Para quando vos apetecer espreitar o céu sobre Berlim...
sábado, agosto 21, 2004
Por vezes...
...é preciso parar. Candeia apagada não alumia o caminho. Jangada furada não flutua. Cabeça agarrada torna-se em ventosa. A preguiça é urgente.
I'm fixing a hole where the rain gets in
And stops my mind from wandering
Where it will go
I'm filling the cracks that ran through the door
And kept my mind from wandering
Where it will go
And it really doesn't matter if I'm wrong
I'm right
Where I belong I'm right
Where I belong.
See the people standing there who disagree and never win
And wonder why they don't get in my door.
I'm painting my room in the colourful way
And when my mind is wandering
There I will go.
And it really doesn't matter if
I'm wrong I'm right
Where I belong I'm right
Where I belong.
Silly people run around they worry me
And never ask me why they don't get past my door.
I'm taking the time for a number of things
That weren't important yesterday
And I still go.
I'm fixing a hole where the rain gets in
And stops my mind from wandering
Where it will go.
[dos gajos do costume, com a ajuda do Sargento Pimenta...]
...é preciso parar. Candeia apagada não alumia o caminho. Jangada furada não flutua. Cabeça agarrada torna-se em ventosa. A preguiça é urgente.
I'm fixing a hole where the rain gets in
And stops my mind from wandering
Where it will go
I'm filling the cracks that ran through the door
And kept my mind from wandering
Where it will go
And it really doesn't matter if I'm wrong
I'm right
Where I belong I'm right
Where I belong.
See the people standing there who disagree and never win
And wonder why they don't get in my door.
I'm painting my room in the colourful way
And when my mind is wandering
There I will go.
And it really doesn't matter if
I'm wrong I'm right
Where I belong I'm right
Where I belong.
Silly people run around they worry me
And never ask me why they don't get past my door.
I'm taking the time for a number of things
That weren't important yesterday
And I still go.
I'm fixing a hole where the rain gets in
And stops my mind from wandering
Where it will go.
[dos gajos do costume, com a ajuda do Sargento Pimenta...]
sexta-feira, agosto 20, 2004
Aposto que estão espantados...
[Rói-te de inveja, Misha, eh eh eh]
You are Sloth!
Lazy huh ?? You're a bit slow in getting going - and tend not to do anything unless it is absolutely necessary. You'd rather sit around,watch TV/Sleep then go out and about with friends, or take part in a sporting event. On the positive side, you tend to be quite smart, as you spend a lot of time watching the News(!!) or on the computer, Also by conserving your energy, it's right there waiting for you when it's vitally important to get going.
Consider possibly moving out of the room once in a while - and perhaps once a week trade watching TV for half an hour with a walk - and you'll be back on track.
However, Congratulations on being the most intelligent of the 7 deadly sins...
?? Which Of The Seven Deadly Sins Are You ??
brought to you by Quizilla
O Misha tem razão, as imagens deste teste são um bocadito fatelas... assim está muito melhor.
[Rói-te de inveja, Misha, eh eh eh]
You are Sloth!
Lazy huh ?? You're a bit slow in getting going - and tend not to do anything unless it is absolutely necessary. You'd rather sit around,watch TV/Sleep then go out and about with friends, or take part in a sporting event. On the positive side, you tend to be quite smart, as you spend a lot of time watching the News(!!) or on the computer, Also by conserving your energy, it's right there waiting for you when it's vitally important to get going.
Consider possibly moving out of the room once in a while - and perhaps once a week trade watching TV for half an hour with a walk - and you'll be back on track.
However, Congratulations on being the most intelligent of the 7 deadly sins...
?? Which Of The Seven Deadly Sins Are You ??
brought to you by Quizilla
O Misha tem razão, as imagens deste teste são um bocadito fatelas... assim está muito melhor.
Sexta-feira de manhã, metropolitano de Lisboa
Um casal encontra-se perto das portas automáticas, aquelas cuja abertura depende da introdução de bilhete ou exibição do passe. Riem-se. Eu observo a cena, e um polícia, que está do lado de lá das portas, também. Colocam-se junto à porta, os dois, juntinhos. Ele conta até três, introduz o bilhete na máquina e passam os dois, bem juntinhos, para que a máquina "pense" que é uma só pessoa e não feche as portas. Resulta, passam os dois sem problemas e riem-se bastante, como quem fez uma maroteira.
O polícia aproxima-se e pergunta "onde está o bilhete da senhora?". Eles engasgam-se e balbuciam um "err.... hmmmmm.... caiu! Pois, foi isso, caiu! Lá em baixo... foi mesmo agora. Caiu para os carris!". O polícia responde "ah, concerteza, peço desculpa" e afasta-se.
E ainda dizem mal das nossas forças de segurança...
Um casal encontra-se perto das portas automáticas, aquelas cuja abertura depende da introdução de bilhete ou exibição do passe. Riem-se. Eu observo a cena, e um polícia, que está do lado de lá das portas, também. Colocam-se junto à porta, os dois, juntinhos. Ele conta até três, introduz o bilhete na máquina e passam os dois, bem juntinhos, para que a máquina "pense" que é uma só pessoa e não feche as portas. Resulta, passam os dois sem problemas e riem-se bastante, como quem fez uma maroteira.
O polícia aproxima-se e pergunta "onde está o bilhete da senhora?". Eles engasgam-se e balbuciam um "err.... hmmmmm.... caiu! Pois, foi isso, caiu! Lá em baixo... foi mesmo agora. Caiu para os carris!". O polícia responde "ah, concerteza, peço desculpa" e afasta-se.
E ainda dizem mal das nossas forças de segurança...
Luzes apagadas...
... casa em silêncio. Os humanos vagueiam já no doce limbo onde que se perde a compostura e se encontra o sono. Ouve-se o barulhinho de patas no caixote de areia que está na marquise da cozinha.
-Quem é que foi cagar a esta hora, pá?
-Sei lá...
-Quer dizer, não é "quem", é "qual"...
-"Qual" porquê? Para mim é "quem"!...
-"Qual" dos "quens"...
-Ó 'mor, não são cães, são gatos.
... casa em silêncio. Os humanos vagueiam já no doce limbo onde que se perde a compostura e se encontra o sono. Ouve-se o barulhinho de patas no caixote de areia que está na marquise da cozinha.
-Quem é que foi cagar a esta hora, pá?
-Sei lá...
-Quer dizer, não é "quem", é "qual"...
-"Qual" porquê? Para mim é "quem"!...
-"Qual" dos "quens"...
-Ó 'mor, não são cães, são gatos.
quinta-feira, agosto 19, 2004
Conversas interessantes a uma Quinta-feira à tarde
- Apetece-me imenso ir ao cinema, mas ainda não sei o que quero ver.
- Olha, fui ontem ver o Fahrenheit 9/11 e...
- Ah, esse não quero ver! Já tenho uma opinião formada sobre o assunto e não quero que um badameco qualquer me venha influenciar!
- ... [tento não me rir]
- Apetece-me imenso ir ao cinema, mas ainda não sei o que quero ver.
- Olha, fui ontem ver o Fahrenheit 9/11 e...
- Ah, esse não quero ver! Já tenho uma opinião formada sobre o assunto e não quero que um badameco qualquer me venha influenciar!
- ... [tento não me rir]
Esopo revisitado
Já há que tempos se tinham desvanecido nos ares frescos da manhã os últimos ecos, quer das rajadas de metralhadora, com todos os efeitos sonoros mencionados nos manuais de instrução militar, quer do estrondeio das latas de cerveja amolgadas por raras balas de 9 mm., quer dos ralhos, muito severos e intimidantes, da coronela Maria das Dores, quando surgiu ao longe um pastor que se veio aproximando com uma rês aos ombros, segura pelas patas. "Gaita!, parece mesmo o Bom Pastor", surpreendeu-se Maria das Dores. O coronel ficou um bocado enfiado. Se fosse o Bom Pastor o que é que ele ia dizer? É um bocado ridículo receber uma teofania com uma metralhadora, ainda por cima israelita, na mão. O coronel Bernardes escondeu a arma atrás das costas e disfarçou. A figura foi-se chegando. Tinha sangue no pelico. Não era o Bom Pastor.
Na vinda, o vulgar pastor que levava uma ovelha sanguinolenta atravessada ao ombro passou rés a uma oliveira velha que já havia assistido, ainda juvenil e débil, à passagem de uma coorte de Décimo Júnio Bruto por ali perdida e sofrera na sua dilatada existência muitas contingências. A que mais a chocou foi o aproveitamento dos possantes ramos para forca de doze liberais capturados por um bando de frades assassinos a mando do Senhor Rei D.Miguel.
Pois nesta vasta e acolhedora árvore vivia um mocho num dos cavos obscuros, lá para cima. Um melro, bem-falante e trocista, saltaricava de ramo em ramo a observar tudo e diz para o mocho: «imagina que acaba de passar um homem com uma ovelha às costas. E vai com a lã sarapintada de molho de tomate que lhe sinto o cheiro. Eu pergunto a mim mesmo porque é que certos e determinados animais se deixam levar pelos homens. Que é que tu achas?». O mocho nem abriu os olhos: «se perguntas a ti mesmo, responde-te a ti mesmo, mas, por favor, deixa-me dormir».«Sabes o que é que isto me faz lembrar?», insistiu o melro que era uma teimosia, «aquele caso dos tempos em que a gente falava. Um fulano ia com um borrego aos ombros e houve quatro moinantes que não o largaram - "Olhe que leva um cão, leva um cão, leva um cão", horas nisto. Tanto insistiram que o homem se convenceu de que estava a alombar com um cão e se sentiu assaz ridículo. Atirou com o carneiro ao chão e logo os quatro ribaldos empalmaram o bicho e ala! Desta história pode extrair-se a seguinte zloka...» O mocho abriu um olho e ameaçou, com raiva: «ou te calas, ou...». Mas, entretanto, o pastor chegava à rua do monte, pousava no chão o borrego, que emitiu um desconvicto balido e, levando a mão ao boné, desejava: «Ora então muito bons dias, lavrador, lavradora» e olhando para baixo, para o bicho: «cala-te lá, coitadinho, eu cá sei o que estás penando...»
De braços atrás das costas, em calções, o coronel mostrava uma cara petrificada, de boca aberta, como se, proibido por uma certa entidade de olhar para trás, houvera prevaricado. Maria das Dores, de mãos no roupão, aconchegando-o pudicamente ao corpo, foi decidida e directa. «Lavradora era a sua tia! Vá, desembuche, mas é. Que é que você quer?»
Ali decorreram dilatadas, entrecortadas e, em certos momentos, endurecidas negociações. Curioso, o melro na oliveira, de cabecita inclinada, assistiu a tudo. O pastor virou-se para trás e apontou lonjuras, designou a ovelha, cabisbaixo, coçou a nuca, rés à orla do boné, no sítio em que os cabelos mais se desordenam, escondeu a mão no peito, esfregou-a na pelica e exibiu sanguinolentas manchas na palma, que cheirou e sacudiu para o lado...
O coronel coçou rapidamente o nariz e entesou os braços atrás das costas, quase na posição de "firme". Maria das Dores deu um passo para o pastor e falava-lhe agora quase nariz contra nariz. Mãos nas ancas, já parecia ter-se esquecido dos primeiros avisos de pudor, e deixava entrever a alça da combinação.
Eis que o pastor levanta as duas mãos ao alto e, enquanto vai falando, vai-se virando, até voltar inteiramente as costas ao casal e começar a descer a ladeira a caminho da velha oliveira: «Olha», diz o melro, «nem sabes o que estás a perder. O pastor deixou o borrego e vem para aqui, amuado. É fita.» «Porque é que não dormes de dia, como os animais mais respeitáveis, que não têm que se sujeitar a esses teatros dos humanos?», resmungou o mocho, recusando-se a abrir os olhos. «Ai, adoro!», confessou o melro.
in Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina, Mário de Carvalho, Editorial Caminho
Já há que tempos se tinham desvanecido nos ares frescos da manhã os últimos ecos, quer das rajadas de metralhadora, com todos os efeitos sonoros mencionados nos manuais de instrução militar, quer do estrondeio das latas de cerveja amolgadas por raras balas de 9 mm., quer dos ralhos, muito severos e intimidantes, da coronela Maria das Dores, quando surgiu ao longe um pastor que se veio aproximando com uma rês aos ombros, segura pelas patas. "Gaita!, parece mesmo o Bom Pastor", surpreendeu-se Maria das Dores. O coronel ficou um bocado enfiado. Se fosse o Bom Pastor o que é que ele ia dizer? É um bocado ridículo receber uma teofania com uma metralhadora, ainda por cima israelita, na mão. O coronel Bernardes escondeu a arma atrás das costas e disfarçou. A figura foi-se chegando. Tinha sangue no pelico. Não era o Bom Pastor.
Na vinda, o vulgar pastor que levava uma ovelha sanguinolenta atravessada ao ombro passou rés a uma oliveira velha que já havia assistido, ainda juvenil e débil, à passagem de uma coorte de Décimo Júnio Bruto por ali perdida e sofrera na sua dilatada existência muitas contingências. A que mais a chocou foi o aproveitamento dos possantes ramos para forca de doze liberais capturados por um bando de frades assassinos a mando do Senhor Rei D.Miguel.
Pois nesta vasta e acolhedora árvore vivia um mocho num dos cavos obscuros, lá para cima. Um melro, bem-falante e trocista, saltaricava de ramo em ramo a observar tudo e diz para o mocho: «imagina que acaba de passar um homem com uma ovelha às costas. E vai com a lã sarapintada de molho de tomate que lhe sinto o cheiro. Eu pergunto a mim mesmo porque é que certos e determinados animais se deixam levar pelos homens. Que é que tu achas?». O mocho nem abriu os olhos: «se perguntas a ti mesmo, responde-te a ti mesmo, mas, por favor, deixa-me dormir».«Sabes o que é que isto me faz lembrar?», insistiu o melro que era uma teimosia, «aquele caso dos tempos em que a gente falava. Um fulano ia com um borrego aos ombros e houve quatro moinantes que não o largaram - "Olhe que leva um cão, leva um cão, leva um cão", horas nisto. Tanto insistiram que o homem se convenceu de que estava a alombar com um cão e se sentiu assaz ridículo. Atirou com o carneiro ao chão e logo os quatro ribaldos empalmaram o bicho e ala! Desta história pode extrair-se a seguinte zloka...» O mocho abriu um olho e ameaçou, com raiva: «ou te calas, ou...». Mas, entretanto, o pastor chegava à rua do monte, pousava no chão o borrego, que emitiu um desconvicto balido e, levando a mão ao boné, desejava: «Ora então muito bons dias, lavrador, lavradora» e olhando para baixo, para o bicho: «cala-te lá, coitadinho, eu cá sei o que estás penando...»
De braços atrás das costas, em calções, o coronel mostrava uma cara petrificada, de boca aberta, como se, proibido por uma certa entidade de olhar para trás, houvera prevaricado. Maria das Dores, de mãos no roupão, aconchegando-o pudicamente ao corpo, foi decidida e directa. «Lavradora era a sua tia! Vá, desembuche, mas é. Que é que você quer?»
Ali decorreram dilatadas, entrecortadas e, em certos momentos, endurecidas negociações. Curioso, o melro na oliveira, de cabecita inclinada, assistiu a tudo. O pastor virou-se para trás e apontou lonjuras, designou a ovelha, cabisbaixo, coçou a nuca, rés à orla do boné, no sítio em que os cabelos mais se desordenam, escondeu a mão no peito, esfregou-a na pelica e exibiu sanguinolentas manchas na palma, que cheirou e sacudiu para o lado...
O coronel coçou rapidamente o nariz e entesou os braços atrás das costas, quase na posição de "firme". Maria das Dores deu um passo para o pastor e falava-lhe agora quase nariz contra nariz. Mãos nas ancas, já parecia ter-se esquecido dos primeiros avisos de pudor, e deixava entrever a alça da combinação.
Eis que o pastor levanta as duas mãos ao alto e, enquanto vai falando, vai-se virando, até voltar inteiramente as costas ao casal e começar a descer a ladeira a caminho da velha oliveira: «Olha», diz o melro, «nem sabes o que estás a perder. O pastor deixou o borrego e vem para aqui, amuado. É fita.» «Porque é que não dormes de dia, como os animais mais respeitáveis, que não têm que se sujeitar a esses teatros dos humanos?», resmungou o mocho, recusando-se a abrir os olhos. «Ai, adoro!», confessou o melro.
in Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina, Mário de Carvalho, Editorial Caminho
terça-feira, agosto 17, 2004
Meditação
Cantão, Outubro de 1999
Foto de Manel da Truta
Para quem ainda não percebeu: COMPREI UM SCANNER! E FUNCIONA!
Cantão, Outubro de 1999
Foto de Manel da Truta
Para quem ainda não percebeu: COMPREI UM SCANNER! E FUNCIONA!
Eles andam aí...
...avisa MVA, mas nós já sabíamos. Vêmo-los todos os dias, sofremos quotidianamente as consequências da flacidez da sua ética, do seu vazio de princípios. São assim uma espécie de... liliputianos, pr'aí.
Eram mais de cem
Eram mais de mil
Não os contei bem
Um milhão de lil- iputianos pr'aí
Os homens pequenos
Quando são demais
Não fazem por menos
Tornam-se fatais - vão por mim que o vivi
Como é que um freguês duma freguesia qualquer
Vê o seu destino
Fazer o pino
Sem saber ler - nem'screver
Homem avisado sempre ouviu alguém dizer
Cada naufrágio
É um presságio
Do que vai a- contecer
Vá-se lá saber o que é que esta gente quer
Este lugar
Tão singular
Ai quem me val' - a valer
Há sempre um lugar que falta a gente conhecer
Ai se eu soubera
Como isto era
Nunca viera - aqui ter
Preso assim que nem é modo d'alguém preso ser
Pequenos fios
Nós corredios
Que assim me estão - a prender
Já 'stá tecida uma teia para me tecer
Cabeça e pés
Os dedos dez
Já não me posso mexer
Eram mais de cem
Eram mais de mil
Não os contei bem
Um milhão de lil- iputianos pr'aí
Os homens pequenos
Quando são demais
Não fazem por menos
Tornam-se fatais - vão por mim que o vivi
José Mário Branco, Resistir é Vencer
...avisa MVA, mas nós já sabíamos. Vêmo-los todos os dias, sofremos quotidianamente as consequências da flacidez da sua ética, do seu vazio de princípios. São assim uma espécie de... liliputianos, pr'aí.
Eram mais de cem
Eram mais de mil
Não os contei bem
Um milhão de lil- iputianos pr'aí
Os homens pequenos
Quando são demais
Não fazem por menos
Tornam-se fatais - vão por mim que o vivi
Como é que um freguês duma freguesia qualquer
Vê o seu destino
Fazer o pino
Sem saber ler - nem'screver
Homem avisado sempre ouviu alguém dizer
Cada naufrágio
É um presságio
Do que vai a- contecer
Vá-se lá saber o que é que esta gente quer
Este lugar
Tão singular
Ai quem me val' - a valer
Há sempre um lugar que falta a gente conhecer
Ai se eu soubera
Como isto era
Nunca viera - aqui ter
Preso assim que nem é modo d'alguém preso ser
Pequenos fios
Nós corredios
Que assim me estão - a prender
Já 'stá tecida uma teia para me tecer
Cabeça e pés
Os dedos dez
Já não me posso mexer
Eram mais de cem
Eram mais de mil
Não os contei bem
Um milhão de lil- iputianos pr'aí
Os homens pequenos
Quando são demais
Não fazem por menos
Tornam-se fatais - vão por mim que o vivi
José Mário Branco, Resistir é Vencer
Dúvida teológica
Se Cristo fosse a Fátima, será que expulsava primeiro os vendilhões do templo ou a prioridade seria uma limpeza aos impuros wc's e aos dissolutos parques de estacionamento?
Se Cristo fosse a Fátima, será que expulsava primeiro os vendilhões do templo ou a prioridade seria uma limpeza aos impuros wc's e aos dissolutos parques de estacionamento?
segunda-feira, agosto 16, 2004
Férias
-impressões em diferido III-
Sagres, 11 Ago 2004, 1h30
Anunciam na rádio uma chuva de estrelas. Como se não bastasse o espectáculo nocturno que enche a alma neste cabo. As poucas estrelas cadentes que vi hoje deixam-me suficientemente feliz. O cenário ilusoriamente fixo estará lá ainda amanhã. É o que mais importa.
Parece que são meteoritos arrastados na cauda de um cometa que se aproxima hoje do Sol. Há explicação para tudo, já se sabe. Até para o que não conseguiremos nunca explicar, por mais que queiramos dar-lhe nome e sentido já, às escuras, um nome para o mistério, um sentido para o indefinível.
Pois bem, para mim é um teatro. De algumas cenas participo, de outras conheço ensaios ou bastidores. De outras ainda, apenas me deslumbro na plateia. Todas são magia - saber, conhecer, é tão mágico como sentir, intuir. São magia porque eu as sinto mágicas. Actor e espectador. Encenador e arrumador.
Grão de poeira neste todo enorme de que faço parte e que sobrevive muito bem sem mim. O mais maravilhoso amor, portanto. Mesmo quando a chuva, ao invés de beijos, sobre mim cai dura e lapidante.
And to see you're really only very small
And life flows on within you
And without you
Harrison
-impressões em diferido III-
Sagres, 11 Ago 2004, 1h30
Anunciam na rádio uma chuva de estrelas. Como se não bastasse o espectáculo nocturno que enche a alma neste cabo. As poucas estrelas cadentes que vi hoje deixam-me suficientemente feliz. O cenário ilusoriamente fixo estará lá ainda amanhã. É o que mais importa.
Parece que são meteoritos arrastados na cauda de um cometa que se aproxima hoje do Sol. Há explicação para tudo, já se sabe. Até para o que não conseguiremos nunca explicar, por mais que queiramos dar-lhe nome e sentido já, às escuras, um nome para o mistério, um sentido para o indefinível.
Pois bem, para mim é um teatro. De algumas cenas participo, de outras conheço ensaios ou bastidores. De outras ainda, apenas me deslumbro na plateia. Todas são magia - saber, conhecer, é tão mágico como sentir, intuir. São magia porque eu as sinto mágicas. Actor e espectador. Encenador e arrumador.
Grão de poeira neste todo enorme de que faço parte e que sobrevive muito bem sem mim. O mais maravilhoso amor, portanto. Mesmo quando a chuva, ao invés de beijos, sobre mim cai dura e lapidante.
And to see you're really only very small
And life flows on within you
And without you
Harrison
Boooooooooooooooriiiiiiing!
O dia está cinzento, tenho sono, as férias acabaram, apetece-me resmungar, apetece-me sol, praia, dormir até ao meio dia, vestir uma t-shirt, calçar uns ténis... por que é que a vida é tão injusta?
Fotografia de Truto da Laranja
O dia está cinzento, tenho sono, as férias acabaram, apetece-me resmungar, apetece-me sol, praia, dormir até ao meio dia, vestir uma t-shirt, calçar uns ténis... por que é que a vida é tão injusta?
Fotografia de Truto da Laranja
domingo, agosto 15, 2004
Os coisos
Durante uns anos fui amigo/colega/factor-SPAC de um moço cheio de qualidades - acima de tudo artísticas - mas, no campo pessoal, insuportável a vários níveis e de um narcisismo e arrogância por vezes rasando o nauseante. O que mais me marcava era a obcessão pela [homo]sexualidade alheia. Havia sempre um comentariozito a fazer, sem coragem de ser declaradamente homofóbico, mas prenhe de um escárnio desvalorizante e - pressentia eu - assustado. Havia uma vítima recorrente que ainda por cima estudava na mesma zona, tinha sido seu colega e era na altura meu compincha de cantorias. Era sagrado, sempre que surgia no horizonte aquela figura esguia, bizarra e divertida, um cruzamento entre o Tin Tin e o Spirou, eu sabia que o V. ia dizer, de forma forçadamente leve e gozona, mas cada dia com o peso extra da repetição e da desconfiança: Olha lá, o A. assenta no Paté, não é?
A expressão enojou-me bastante, com as suas metáforas escatológicas e matizes realistas. Mais tarde o meu pai tranquilizou-me: parece que o Paté era um cinema onde parava a comunidade homossexual há uns tempos, mas era tão provável que o V. soubesse isso como eu. Sem falar que agora me surgem sempre uns risinhos parvos quando vou ao King e no écran surge o orgulhoso Pathé Cinémas. Adiante.
As minhas respostas foram, obviamente, evoluindo. Começaram evasivas, pá, sei lá, nós somos oitenta, não o conheço assim tão bem e lá porque é extravagante [para os nossos pequeninos padrões] não quer dizer que seja gay, olha que porra!; passaram a directas e secas, parece-me que sim, que é homossexual, V., pronto, satisfeito?; acabaram no directas e brutas, olha lá, mas tu tens algum problema com a sexualidade dos outros, ou será com a tua? As interpelações do V. também variavam, e não deixava de ser sociologicamente interessante ver como um arremedo de homem que reproduzia estereótipos e poses da ponta do cabelo baywatch [vê-lo danado era dizer-lhe, ai, mas o menino hoje está o máximo, tão marés-vivas, sei lá!] até à unha do dedo pequenino metido nos ténis Reebok teorizando quanto aos "cenários" dos outros, as cores das roupas dos outros, o cabelo-no-ar dos outros, o estilo efeminado dos outros, a artificialidade dos outros. Acho que foi depois da última discussão sobre o assunto que o V. deixou definitivamente de me cumprimentar nos corredores da escola.
Era fácil catalogar o V.: homofóbico. Fosse hoje e não hesitaria: o V. era um dos protótipos possíveis de Coiso - um moço/homem giro, inteligente, criativo, mas homofóbico. Claro que isto me fazia uma confusão brutal, mas não tinha lata nem me sentia no direito de lhe perguntar abertamente se afinal o problema dele era uma homossexualidade reprimida por uma brutal crosta e que estava a entrar, definitivamente, em ebulição. Teorias de outros amigos também passavam por aí. Não era normal que um homem como o V. pavlovianamente falasse no Paté de cada vez que o A. ou outro qualquer alvo possível surgisse no horizonte. Era o que nós chamávamos receber o postalinho mas não ter coragem para o abrir.
Escusado será dizer: se acrescentarmos as atracções mal-resolvidas, a nossa relação foi tudo menos simples e acabou num simples Estou-me a cagar para aquele gajo! e num afastamento progressivo que a sucessão de namoradas giras com alma de secretária também ajudou a criar. Depois o V. foi estudar para um país do Norte da Europa, daqueles cuja decadência moral há muito começou e nunca mais soube dele nem, sinceramente, me interessou muito saber.
Já não sei bem, passaram talvez dois anos, talvez um pouco mais. Acabada a pós-graduação, era de esperar que V. voltasse, como acontece com grande parte dos que partem. E V. voltou. Ainda não o vi, mas sei que anda por aí. E ontem cruzou-se com um dos meus espiões no reino de Isaltino, o deposto, espião que entre o espanto e o alívio, veio contar-me: Sabes o V.? Estava a comprar mercearias ainda agora, com outro moço, bem giro por sinal. Eu posso estar enganada, mas parece-me que ele já leu o postalinho e ficou muito contente com o que leu.
O mundo está mais leve. Mais alguém que descobriu que, leia-se o postalinho ou não se leia, não há pior que ser Coiso. É mau para toda a gente, a começar pelo próprio, além de que se faz uma figura de estúpido perfeitamente dispensável e muito pouco sedutora.
Deve estar bem mais giro do que era, o V., sem aquela fronha de medo e preconceito a toldar-lhe o olhar.
Durante uns anos fui amigo/colega/factor-SPAC de um moço cheio de qualidades - acima de tudo artísticas - mas, no campo pessoal, insuportável a vários níveis e de um narcisismo e arrogância por vezes rasando o nauseante. O que mais me marcava era a obcessão pela [homo]sexualidade alheia. Havia sempre um comentariozito a fazer, sem coragem de ser declaradamente homofóbico, mas prenhe de um escárnio desvalorizante e - pressentia eu - assustado. Havia uma vítima recorrente que ainda por cima estudava na mesma zona, tinha sido seu colega e era na altura meu compincha de cantorias. Era sagrado, sempre que surgia no horizonte aquela figura esguia, bizarra e divertida, um cruzamento entre o Tin Tin e o Spirou, eu sabia que o V. ia dizer, de forma forçadamente leve e gozona, mas cada dia com o peso extra da repetição e da desconfiança: Olha lá, o A. assenta no Paté, não é?
A expressão enojou-me bastante, com as suas metáforas escatológicas e matizes realistas. Mais tarde o meu pai tranquilizou-me: parece que o Paté era um cinema onde parava a comunidade homossexual há uns tempos, mas era tão provável que o V. soubesse isso como eu. Sem falar que agora me surgem sempre uns risinhos parvos quando vou ao King e no écran surge o orgulhoso Pathé Cinémas. Adiante.
As minhas respostas foram, obviamente, evoluindo. Começaram evasivas, pá, sei lá, nós somos oitenta, não o conheço assim tão bem e lá porque é extravagante [para os nossos pequeninos padrões] não quer dizer que seja gay, olha que porra!; passaram a directas e secas, parece-me que sim, que é homossexual, V., pronto, satisfeito?; acabaram no directas e brutas, olha lá, mas tu tens algum problema com a sexualidade dos outros, ou será com a tua? As interpelações do V. também variavam, e não deixava de ser sociologicamente interessante ver como um arremedo de homem que reproduzia estereótipos e poses da ponta do cabelo baywatch [vê-lo danado era dizer-lhe, ai, mas o menino hoje está o máximo, tão marés-vivas, sei lá!] até à unha do dedo pequenino metido nos ténis Reebok teorizando quanto aos "cenários" dos outros, as cores das roupas dos outros, o cabelo-no-ar dos outros, o estilo efeminado dos outros, a artificialidade dos outros. Acho que foi depois da última discussão sobre o assunto que o V. deixou definitivamente de me cumprimentar nos corredores da escola.
Era fácil catalogar o V.: homofóbico. Fosse hoje e não hesitaria: o V. era um dos protótipos possíveis de Coiso - um moço/homem giro, inteligente, criativo, mas homofóbico. Claro que isto me fazia uma confusão brutal, mas não tinha lata nem me sentia no direito de lhe perguntar abertamente se afinal o problema dele era uma homossexualidade reprimida por uma brutal crosta e que estava a entrar, definitivamente, em ebulição. Teorias de outros amigos também passavam por aí. Não era normal que um homem como o V. pavlovianamente falasse no Paté de cada vez que o A. ou outro qualquer alvo possível surgisse no horizonte. Era o que nós chamávamos receber o postalinho mas não ter coragem para o abrir.
Escusado será dizer: se acrescentarmos as atracções mal-resolvidas, a nossa relação foi tudo menos simples e acabou num simples Estou-me a cagar para aquele gajo! e num afastamento progressivo que a sucessão de namoradas giras com alma de secretária também ajudou a criar. Depois o V. foi estudar para um país do Norte da Europa, daqueles cuja decadência moral há muito começou e nunca mais soube dele nem, sinceramente, me interessou muito saber.
Já não sei bem, passaram talvez dois anos, talvez um pouco mais. Acabada a pós-graduação, era de esperar que V. voltasse, como acontece com grande parte dos que partem. E V. voltou. Ainda não o vi, mas sei que anda por aí. E ontem cruzou-se com um dos meus espiões no reino de Isaltino, o deposto, espião que entre o espanto e o alívio, veio contar-me: Sabes o V.? Estava a comprar mercearias ainda agora, com outro moço, bem giro por sinal. Eu posso estar enganada, mas parece-me que ele já leu o postalinho e ficou muito contente com o que leu.
O mundo está mais leve. Mais alguém que descobriu que, leia-se o postalinho ou não se leia, não há pior que ser Coiso. É mau para toda a gente, a começar pelo próprio, além de que se faz uma figura de estúpido perfeitamente dispensável e muito pouco sedutora.
Deve estar bem mais giro do que era, o V., sem aquela fronha de medo e preconceito a toldar-lhe o olhar.
sábado, agosto 14, 2004
Férias
-impressões em diferido II-
Tromba d'água noite fora no Serrão. A tenda resiste a tudo, menos ao roço que o vizinho fez desviando a água da sua petite versailles de lona encharcando o chão e o material dos outros. Honra lhe seja feita, a minha tenda está alagada, mas o local onde o seu Honda Concerto está estacionado, mesmo ao lado, está sequinho, sequinho. Há que conceder, o homem sabe trabalhar. E ele é que tem razão: nós é que devíamos ter desmontado logo às primeiras horas da manhã para ele poder continuar a mandar água à vontade, quem nos manda ir tomar o pequeno-almoço? Se fôssemos gente como deve ser fazíamos como ele, que manda dois berros à mulher para o pão com torresmos aparecer, não obstante a enxurrada. Vem-me à memória o tal conselho, acho até que foi a Branca que mo deu a conhecer: nunca discutas com um idiota, ele arrasta-te até ao seu nível e depois ganha-te em experiência. É verdade. A minha boa disposição vale mais que um bípede muar a descarregar frustrações de férias para cima de toda a gente. Um saltinho ao alvéolo do Pipo, do Paulinho e dos restantes peregrinos do Sudoeste, saber as últimas, que bandas partiram, que bandas mais valia que partissem, beijos, boa viagem, bom resto de férias e ala para Sagres, respira fundo que ainda vais ter de aturar os surfes e as suas babes.
-impressões em diferido II-
Tromba d'água noite fora no Serrão. A tenda resiste a tudo, menos ao roço que o vizinho fez desviando a água da sua petite versailles de lona encharcando o chão e o material dos outros. Honra lhe seja feita, a minha tenda está alagada, mas o local onde o seu Honda Concerto está estacionado, mesmo ao lado, está sequinho, sequinho. Há que conceder, o homem sabe trabalhar. E ele é que tem razão: nós é que devíamos ter desmontado logo às primeiras horas da manhã para ele poder continuar a mandar água à vontade, quem nos manda ir tomar o pequeno-almoço? Se fôssemos gente como deve ser fazíamos como ele, que manda dois berros à mulher para o pão com torresmos aparecer, não obstante a enxurrada. Vem-me à memória o tal conselho, acho até que foi a Branca que mo deu a conhecer: nunca discutas com um idiota, ele arrasta-te até ao seu nível e depois ganha-te em experiência. É verdade. A minha boa disposição vale mais que um bípede muar a descarregar frustrações de férias para cima de toda a gente. Um saltinho ao alvéolo do Pipo, do Paulinho e dos restantes peregrinos do Sudoeste, saber as últimas, que bandas partiram, que bandas mais valia que partissem, beijos, boa viagem, bom resto de férias e ala para Sagres, respira fundo que ainda vais ter de aturar os surfes e as suas babes.
Férias
-impressões em diferido-
O parque de São Miguel mais parece um hotel, tão cheio que só com reserva se monta acampamento. Está agora numa incómoda fronteira: o melhor parque do país-campista-que-eu-conheço está tão bom tão bom que é péssimo. Campismo por reservas? Quando faço uma reserva espero encontrar uma cama feita num quarto já montado. Campismo "fino" não é para mim, obrigadinho.
Vale da Telha primeiro, o Serrão logo a seguir e os dias arrastando-se na Arrifana, a praia mais linda do mundo, ex-aequo, felizmente, com diversas concorrentes. E o Alentejo, lá para dentro, onde as pessoas se saúdam nas bermas, onde um contacto verbal é mais uma alegria ao invés de um enfado extra. E o Rabino. Já o venderam, quase dez anos depois, já tem o poste da EDP encostadinho à casa - ou será a casa encostadinha ao poste, que os melhoramentos ainda estão por fazer e sempre são mais de sessenta anos de gentes e criações e chuvas e secas naquele pequenino vale insuspeitado para lá do caminho de terra que parte quase quase de Amoreiras-Gare. O Rabino foi-se, portanto. Não consegui enricar a tempo de comprar o monte onde cresceu mê pai. Nunca ganhei o totoloto, lamenta-se o céptico que jamais gastou dois tostões num boletim. Mas um poucachinho antes, o Salgueiro está à venda, nem vestígio da Lídia ou do seu Celestiano, se não contar o maltratado Aixam aparcado, um ancinho velho e um velho sacho, um carrinho de mão cheio de entulho e o gato curioso e fugidio. O número na placa de venda é da imobiliária, mas eis que por debaixo surge outro número, o do monte novo da Boavista, que é bem mais perto da estação e para onde, venho a saber no telefonema, a Lídia do Salgueiro se mudou mailo seu Celestiano, que a idade e a doença já não permitem tão grandes distâncias até ao lugar, e a morte recente do filho Leonel - que o meu pai Leonel viu nascer - deixa mágoas que se aprofundam demais na ausência prolongada de gente. É bem alentejana, a prima, estivesse só o Celestiano e só morreria no Salgueiro. Mas as mulheres do Alentejo são assim, se o momento o puxar choram muito, mas nunca se entende bem se é mágoa, se é raiva, se é força. Uma coisa sei: rendição, não é. Nem avareza, tampouco. Mas a prima gostava de ficar com o Salgueiro? Atão ligue é p'ra mim, prima, que se for ê quem vende nã dou dinheiro a ninguém e sempre posso fazer por mais baixinho, qu'é p'á prima. Ai, gostava tanto de a ver, mas se nã pode ser, atão fica pá próxima, um bêjinho ao Leonel, que o mê Leonel já cá nã anda, e um bêjinho p'ra si, prima, e p'ró marido [marido? qual marido? sorrio por dentro e não lhe digo que nem é marido nem o mesmo que ela há cinco anos conheceu, é a vida...]
Tomamos o caminho da serra até Aljezur. Os restos de Monchique espraiam-se à nossa frente. A vegetação nova relembra o verão passado, as cinzas e os negros testemunham que a catástrofe só se completou este ano. Nas ruínas queimadas e nos sinais de trânsito pelo fogo transfigurados em monumentos expressionistas ecoam ainda as aflições e o inferno. E por fim, os toros alinhados e os camiões cheios de madeira cantam-nos a prosperidade do negócio, um hino ao esplendor perene da nação. O coração está seco e o maço de cigarros fechado.
-impressões em diferido-
O parque de São Miguel mais parece um hotel, tão cheio que só com reserva se monta acampamento. Está agora numa incómoda fronteira: o melhor parque do país-campista-que-eu-conheço está tão bom tão bom que é péssimo. Campismo por reservas? Quando faço uma reserva espero encontrar uma cama feita num quarto já montado. Campismo "fino" não é para mim, obrigadinho.
Vale da Telha primeiro, o Serrão logo a seguir e os dias arrastando-se na Arrifana, a praia mais linda do mundo, ex-aequo, felizmente, com diversas concorrentes. E o Alentejo, lá para dentro, onde as pessoas se saúdam nas bermas, onde um contacto verbal é mais uma alegria ao invés de um enfado extra. E o Rabino. Já o venderam, quase dez anos depois, já tem o poste da EDP encostadinho à casa - ou será a casa encostadinha ao poste, que os melhoramentos ainda estão por fazer e sempre são mais de sessenta anos de gentes e criações e chuvas e secas naquele pequenino vale insuspeitado para lá do caminho de terra que parte quase quase de Amoreiras-Gare. O Rabino foi-se, portanto. Não consegui enricar a tempo de comprar o monte onde cresceu mê pai. Nunca ganhei o totoloto, lamenta-se o céptico que jamais gastou dois tostões num boletim. Mas um poucachinho antes, o Salgueiro está à venda, nem vestígio da Lídia ou do seu Celestiano, se não contar o maltratado Aixam aparcado, um ancinho velho e um velho sacho, um carrinho de mão cheio de entulho e o gato curioso e fugidio. O número na placa de venda é da imobiliária, mas eis que por debaixo surge outro número, o do monte novo da Boavista, que é bem mais perto da estação e para onde, venho a saber no telefonema, a Lídia do Salgueiro se mudou mailo seu Celestiano, que a idade e a doença já não permitem tão grandes distâncias até ao lugar, e a morte recente do filho Leonel - que o meu pai Leonel viu nascer - deixa mágoas que se aprofundam demais na ausência prolongada de gente. É bem alentejana, a prima, estivesse só o Celestiano e só morreria no Salgueiro. Mas as mulheres do Alentejo são assim, se o momento o puxar choram muito, mas nunca se entende bem se é mágoa, se é raiva, se é força. Uma coisa sei: rendição, não é. Nem avareza, tampouco. Mas a prima gostava de ficar com o Salgueiro? Atão ligue é p'ra mim, prima, que se for ê quem vende nã dou dinheiro a ninguém e sempre posso fazer por mais baixinho, qu'é p'á prima. Ai, gostava tanto de a ver, mas se nã pode ser, atão fica pá próxima, um bêjinho ao Leonel, que o mê Leonel já cá nã anda, e um bêjinho p'ra si, prima, e p'ró marido [marido? qual marido? sorrio por dentro e não lhe digo que nem é marido nem o mesmo que ela há cinco anos conheceu, é a vida...]
Tomamos o caminho da serra até Aljezur. Os restos de Monchique espraiam-se à nossa frente. A vegetação nova relembra o verão passado, as cinzas e os negros testemunham que a catástrofe só se completou este ano. Nas ruínas queimadas e nos sinais de trânsito pelo fogo transfigurados em monumentos expressionistas ecoam ainda as aflições e o inferno. E por fim, os toros alinhados e os camiões cheios de madeira cantam-nos a prosperidade do negócio, um hino ao esplendor perene da nação. O coração está seco e o maço de cigarros fechado.
quinta-feira, agosto 05, 2004
Vou para o mar
Estou mesmo a precisar de ir para o mar. Diria que é quase "um caso de vida ou morte".
Adeus, pessoal. Regresso quando o Atlântico arrastar as poluições acumuladas.
Beijos.
Estou mesmo a precisar de ir para o mar. Diria que é quase "um caso de vida ou morte".
Adeus, pessoal. Regresso quando o Atlântico arrastar as poluições acumuladas.
Beijos.
segunda-feira, agosto 02, 2004
Problema existencial... grave!
Isto passa na 2
à mesma hora que isto na SIC Radical!
Como diria a Joyce Brabner: why does my life have to be such a complicated mess?!
Isto passa na 2
à mesma hora que isto na SIC Radical!
Como diria a Joyce Brabner: why does my life have to be such a complicated mess?!
Irmãos na música e no silêncio
Um deixou-nos ainda agora, do outro celebramos hoje o nascimento. Ambos nos legaram tudo o que tinham de mais valioso. Para sempre gratos.
Um deixou-nos ainda agora, do outro celebramos hoje o nascimento. Ambos nos legaram tudo o que tinham de mais valioso. Para sempre gratos.
75 velas que ainda ardem
Fui à beira do mar
Ver a que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao lange me dizia
Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria
Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria
Ouço alguém a bradar
Aproveita que é dia
Sentei-me a descansar
Enquanto amanhecia
Entre o céu e o mar
Uma proa rompia
Desde então a bater
No meu peito em segredo
Sinto uma voz dizer
Teima, teima sem medo
Fui à beira do mar
Ver a que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao lange me dizia
Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria
Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria
Ouço alguém a bradar
Aproveita que é dia
Sentei-me a descansar
Enquanto amanhecia
Entre o céu e o mar
Uma proa rompia
Desde então a bater
No meu peito em segredo
Sinto uma voz dizer
Teima, teima sem medo
domingo, agosto 01, 2004
Mulheres
Não sei se Clara Macedo Cabral tem razão, não sei se O sacrifício, adiar-se, oferecer às cinzas a própria vida, pedir pouco, bastar-se com integrar o ciclo do tempo, comprometer-se com as gerações que virão é, como diz Clara, coisa de mulheres, embora não hesite em concordar que isso lhes é ensinado.
Mas sei que a morte de Maria de Lourdes Pintassilgo passou sem marca aqui na Truta, talvez por - dito à maneira do Tiago - manifesta incapacidade das autoras. E sei que gostei mesmo muito deste post.
Não sei se Clara Macedo Cabral tem razão, não sei se O sacrifício, adiar-se, oferecer às cinzas a própria vida, pedir pouco, bastar-se com integrar o ciclo do tempo, comprometer-se com as gerações que virão é, como diz Clara, coisa de mulheres, embora não hesite em concordar que isso lhes é ensinado.
Mas sei que a morte de Maria de Lourdes Pintassilgo passou sem marca aqui na Truta, talvez por - dito à maneira do Tiago - manifesta incapacidade das autoras. E sei que gostei mesmo muito deste post.