domingo, maio 30, 2004
A tarde do sexo ditoso
Uma mulher de 68 anos grava em cassetes a sua história, porque é impossível escrever sobre sexo, pelo menos em português, sem parecer recém-saído de sinuca no baixo meretrício, e deixa-as com o porteiro do prédio do escritor que ela acha que pode fazer bom uso delas. Ou pelo menos é a história que nos conta João Ubaldo Ribeiro. O escritor escreve. O encenador Domingos Oliveira chama Fernanda Torres. Os dois adaptam os textos e chegam a um monólogo teatral em forma de conferência. Uma secretária, um microfone, um gravador e um copo de uísque.
E o resultado é uma actriz linda e plena que, sem idade, se entrega a nós e à personagem e com um irresistível sotaque bahiano nos transporta aos mundos que percorreu, aos homens e mulheres que comeu, aos rostos que observou, às vidas que viveu e nos provoca e nos despe e nos seduz e nos interroga e nos faz pensar, rir e chorar. Cada descrição que se possa chamar de pornográfica é antes um quadro pintado, descrito e avaliado pela própria. Os substantivos da beleza estão tão presentes como qualquer vocábulo rudemente descritivo. E o melhor de tudo é que é somente natural que o estejam. Como é natural que eu esteja ao computador a escrever isto com um sorriso enorme na cara. Como depois de um belo orgasmo vespertino.
Sob a mesa, as belíssimas pernas de Fernanda agarram-nos os olhares com a languidez ou com o cruzar e descruzar ao ritmo das palavras e das sensações. A crueza da descrição da primeira experiência - e o espanto consigo mesma e com o que soube fazer nessa primeira vez -, a amiga Norma Lúcia - muuuito mais depravada do que eu! -, os namorados bahianos e os marinheiros americanos, a virgindade e a sua perda na realização da fantasia de que nunca abri mão, o tio Afonso e a pós-graduação em Los Angeles, o irmão Rudolfo e o ataque feroz, franco e despido ao tabu do incesto, Fernando, o companheiro de cama(s) e de vida, a cocaína, a hipocrisia dos outros, a tesão dos outros, a sua tesão, a tesão da vida. E tudo isto com envolvimento, com carinho, com alegria e lucidez na nostalgia. É esmagador. E quando nos avisa que chegou a uma redução de qualquer tese possível de extrair do seu caminho sexual e filosófico eu já estou com um nó na garganta e o corpo a borbulhar por dentro. A redução, o axioma, é: Viver é foder. E nesse momento dou por mim a chorar, como choro na mais minimalista (a)moral de Beckett e na mais barroca declaração de amor de Shakespeare. Se ontem me dissessem que isto ia acontecer eu desatava-me a rir...
E no fim de tudo isto, não assistimos a um monólogo sobre sexo. Recebemos antes uma lição de vida - ou várias. Fomos picados. Pensámos. Sentimos. Espantámo-nos. Excitámo-nos. Rendêmo-nos. Na sua despedida de Lisboa, Fernanda Torres, sozinha sobre aquele palco e despida do colosso de força que nos mostrou ao longo de duas horas, tremeu e chorou frente a uma sala sem um único espectador sentado.
Até agora estou arrependida de não ter ido aos bastidores dar-lhe um beijo na boca...
Uma mulher de 68 anos grava em cassetes a sua história, porque é impossível escrever sobre sexo, pelo menos em português, sem parecer recém-saído de sinuca no baixo meretrício, e deixa-as com o porteiro do prédio do escritor que ela acha que pode fazer bom uso delas. Ou pelo menos é a história que nos conta João Ubaldo Ribeiro. O escritor escreve. O encenador Domingos Oliveira chama Fernanda Torres. Os dois adaptam os textos e chegam a um monólogo teatral em forma de conferência. Uma secretária, um microfone, um gravador e um copo de uísque.
E o resultado é uma actriz linda e plena que, sem idade, se entrega a nós e à personagem e com um irresistível sotaque bahiano nos transporta aos mundos que percorreu, aos homens e mulheres que comeu, aos rostos que observou, às vidas que viveu e nos provoca e nos despe e nos seduz e nos interroga e nos faz pensar, rir e chorar. Cada descrição que se possa chamar de pornográfica é antes um quadro pintado, descrito e avaliado pela própria. Os substantivos da beleza estão tão presentes como qualquer vocábulo rudemente descritivo. E o melhor de tudo é que é somente natural que o estejam. Como é natural que eu esteja ao computador a escrever isto com um sorriso enorme na cara. Como depois de um belo orgasmo vespertino.
Sob a mesa, as belíssimas pernas de Fernanda agarram-nos os olhares com a languidez ou com o cruzar e descruzar ao ritmo das palavras e das sensações. A crueza da descrição da primeira experiência - e o espanto consigo mesma e com o que soube fazer nessa primeira vez -, a amiga Norma Lúcia - muuuito mais depravada do que eu! -, os namorados bahianos e os marinheiros americanos, a virgindade e a sua perda na realização da fantasia de que nunca abri mão, o tio Afonso e a pós-graduação em Los Angeles, o irmão Rudolfo e o ataque feroz, franco e despido ao tabu do incesto, Fernando, o companheiro de cama(s) e de vida, a cocaína, a hipocrisia dos outros, a tesão dos outros, a sua tesão, a tesão da vida. E tudo isto com envolvimento, com carinho, com alegria e lucidez na nostalgia. É esmagador. E quando nos avisa que chegou a uma redução de qualquer tese possível de extrair do seu caminho sexual e filosófico eu já estou com um nó na garganta e o corpo a borbulhar por dentro. A redução, o axioma, é: Viver é foder. E nesse momento dou por mim a chorar, como choro na mais minimalista (a)moral de Beckett e na mais barroca declaração de amor de Shakespeare. Se ontem me dissessem que isto ia acontecer eu desatava-me a rir...
E no fim de tudo isto, não assistimos a um monólogo sobre sexo. Recebemos antes uma lição de vida - ou várias. Fomos picados. Pensámos. Sentimos. Espantámo-nos. Excitámo-nos. Rendêmo-nos. Na sua despedida de Lisboa, Fernanda Torres, sozinha sobre aquele palco e despida do colosso de força que nos mostrou ao longo de duas horas, tremeu e chorou frente a uma sala sem um único espectador sentado.
Até agora estou arrependida de não ter ido aos bastidores dar-lhe um beijo na boca...
sexta-feira, maio 28, 2004
E por falar neles...
John
Which Beatle are you??
brought to you by Quizilla
Fixe. Sempre foi "o meu Beatle". Seguido de perto pelo Harrison. A Cold Blonde, que sabe destas coisas, sempre me disse que para se ser considerado um Beatles Fanatic era obrigatório ter um Beatle favorito. Eu não só tenho um Beatle favorito, eu SOU o meu Beatle favorito. Eh eh eh...
John
Which Beatle are you??
brought to you by Quizilla
Fixe. Sempre foi "o meu Beatle". Seguido de perto pelo Harrison. A Cold Blonde, que sabe destas coisas, sempre me disse que para se ser considerado um Beatles Fanatic era obrigatório ter um Beatle favorito. Eu não só tenho um Beatle favorito, eu SOU o meu Beatle favorito. Eh eh eh...
Os papagaios não cantam... mas falam.
Diz o mocinho - provavelmente especialista em rock'n'ball - na ligação da SICRadical ao Rock in Rio que Paul McCartney era cinquenta por cento dos Beatles e John Lennon os outros cinquenta. E insiste. Que irritante!
Ó moço, conheces este senhor, ou quê?
Mais um que acha que o George Harrison era só um gajo calminho que p'ra lá andava. Hmmmpffff...
Diz o mocinho - provavelmente especialista em rock'n'ball - na ligação da SICRadical ao Rock in Rio que Paul McCartney era cinquenta por cento dos Beatles e John Lennon os outros cinquenta. E insiste. Que irritante!
Ó moço, conheces este senhor, ou quê?
Mais um que acha que o George Harrison era só um gajo calminho que p'ra lá andava. Hmmmpffff...
Falta de vergonha
Estou muito bem dentro do carro, parado no semáforo, olho para o lado e vejo um daqueles cartazes politico-futebolísticos com uma data de potenciais hooligans de cara pintada e o slogan "Força Portugal". Viro a cara, tenho mais que fazer do que perder o meu tempo a olhar para isto.
E de repente... espera lá, este não é um edifício qualquer. Volto a olhar para confirmar que a minha vista não me ilude. Sim, é verdade. A sede do Crédito Predial Português é o escaparate destes monstruosos cartazes, os quais ocupam uma enorme parte da fachada na priveligiada esquina do Campo Pequeno com a Avenida da República. Digo-vos - da boca p'ra fora, obviamente - a minha vontade era não pagar mais prestações do meu crédito habitação!
Isto quer dizer o quê? Que o Grupo Santander apoia a coligação do governo? Ou que o governo trabalha para o Santander? E o BCP, não ficará melindrado?
E para arranjar um país decente, não se fazem créditos pessoais? Ou não cabe no "crédito ao consumo"?
Estou muito bem dentro do carro, parado no semáforo, olho para o lado e vejo um daqueles cartazes politico-futebolísticos com uma data de potenciais hooligans de cara pintada e o slogan "Força Portugal". Viro a cara, tenho mais que fazer do que perder o meu tempo a olhar para isto.
E de repente... espera lá, este não é um edifício qualquer. Volto a olhar para confirmar que a minha vista não me ilude. Sim, é verdade. A sede do Crédito Predial Português é o escaparate destes monstruosos cartazes, os quais ocupam uma enorme parte da fachada na priveligiada esquina do Campo Pequeno com a Avenida da República. Digo-vos - da boca p'ra fora, obviamente - a minha vontade era não pagar mais prestações do meu crédito habitação!
Isto quer dizer o quê? Que o Grupo Santander apoia a coligação do governo? Ou que o governo trabalha para o Santander? E o BCP, não ficará melindrado?
E para arranjar um país decente, não se fazem créditos pessoais? Ou não cabe no "crédito ao consumo"?
Parabéns, Maria Laura de Carvalho Leonardo
Desde ontem temos uma Juiza Conselheira no Supremo Tribunal de Justiça. No seu discurso de tomada de posse, Maria Laura Carvalho não deixou de agradecer à Revolução de Abril a possibilidade de uma mulher ascender a um cargo como este. Celeste Cardona aplaudiu de pé. Não deve ter ouvido o "erre". E trinta anos, é muito tempo?
Só tenho pena que o Presidente do Supremo tenha, no seu discurso, "reduzido" a discriminação sexual aos crimes de guerra e a práticas como a excisão ou a lapidação por adultério. Digo-lhe eu: faz bem em ler os jornais, Dr.Seia, e a verdadeira globalização só pode ser feita com uma globalização do respeito pelos direitos do ser humano, mas se calhar devia começar a reparar mais no que se passa debaixo do seu nariz.
Desde ontem temos uma Juiza Conselheira no Supremo Tribunal de Justiça. No seu discurso de tomada de posse, Maria Laura Carvalho não deixou de agradecer à Revolução de Abril a possibilidade de uma mulher ascender a um cargo como este. Celeste Cardona aplaudiu de pé. Não deve ter ouvido o "erre". E trinta anos, é muito tempo?
Só tenho pena que o Presidente do Supremo tenha, no seu discurso, "reduzido" a discriminação sexual aos crimes de guerra e a práticas como a excisão ou a lapidação por adultério. Digo-lhe eu: faz bem em ler os jornais, Dr.Seia, e a verdadeira globalização só pode ser feita com uma globalização do respeito pelos direitos do ser humano, mas se calhar devia começar a reparar mais no que se passa debaixo do seu nariz.
Alguém no andar de baixo está a tentar aprender a tocar acordeão
Há mais de duas horas. Sem sucesso. Parece que tenho uma ambulância a tocar-me aos ouvidos. Socorro!
Adenda (17:18):
Um conjunto de três notas é insusceptível de produzir música. Sobretudo se tocado num instrumento desafinado. O facto de ser repetido até à exaustão, durante uns longos 40 minutos, com ligeiríssias nuances rítmicas - que se devem apenas à inépcia do executante - também não ajuda.
Adenda 2 (17:25):
Uma pessoa pode tornar-se alérgica ao fá, ao sol e ao si bemol? Espero sinceramente que não. Seria muito desagradável.
Adenda 3 (17:48):
Há pessoas que deviam ser presas por porte ilegal de instrumento ensurdecedor/enlouquecedor.
Há mais de duas horas. Sem sucesso. Parece que tenho uma ambulância a tocar-me aos ouvidos. Socorro!
Adenda (17:18):
Um conjunto de três notas é insusceptível de produzir música. Sobretudo se tocado num instrumento desafinado. O facto de ser repetido até à exaustão, durante uns longos 40 minutos, com ligeiríssias nuances rítmicas - que se devem apenas à inépcia do executante - também não ajuda.
Adenda 2 (17:25):
Uma pessoa pode tornar-se alérgica ao fá, ao sol e ao si bemol? Espero sinceramente que não. Seria muito desagradável.
Adenda 3 (17:48):
Há pessoas que deviam ser presas por porte ilegal de instrumento ensurdecedor/enlouquecedor.
quinta-feira, maio 27, 2004
Frase do dia
The U.S. should not be judged on the actions of... should not be judged on actions. The important stuff with us are our principals, our remarcable abstract notions. Just because torturing prisioners is something we did, doesn't mean it is something we would do.
Rob Cordry, no Daily Show.
The U.S. should not be judged on the actions of... should not be judged on actions. The important stuff with us are our principals, our remarcable abstract notions. Just because torturing prisioners is something we did, doesn't mean it is something we would do.
Rob Cordry, no Daily Show.
quarta-feira, maio 26, 2004
As curvas da etimologia
Acabo de descobrir a diferença entre um insulto e uma crítica política. O primeiro é proferido pela oposição - ainda que com base em factos e argumentos, o segundo sai da imaculada boca de Durão Barroso - ainda que seja absolutamente gratuito, infundado e fugindo à verdade em cada beco.
São as curvas da etimologia. Isto um gajo está sempre a aprender.
Acabo de descobrir a diferença entre um insulto e uma crítica política. O primeiro é proferido pela oposição - ainda que com base em factos e argumentos, o segundo sai da imaculada boca de Durão Barroso - ainda que seja absolutamente gratuito, infundado e fugindo à verdade em cada beco.
São as curvas da etimologia. Isto um gajo está sempre a aprender.
terça-feira, maio 25, 2004
A lição de Giotto
[para a Vermelha]
Giotto, Morte e Ascenção de S.Francisco, fresco, Santa Croce, Florença
dizem: antes dele a pintura afundava-se
naquilo que alguns pintaram para seduzir
o olhar dos ignorantes e não
o subtil prazer do espírito
possuía um excepcional sentido do espaço e
do volume foi reformador da pintura florentina
reduziu tudo ao essencial suprimindo personagens
acessórios detalhes e pela amplitude
da composição arquitectural atingiu grandeza
invejada e sem igual
foi ele ainda
o primeiro a enclausurar a alma
no interior de corpos limitados e sólidos
que nos convidam à reflexão sobre a natureza humana
e sobre as coisas diáfanas do coração
Al Berto, in A Secreta Vida das Imagens
[para a Vermelha]
Giotto, Morte e Ascenção de S.Francisco, fresco, Santa Croce, Florença
dizem: antes dele a pintura afundava-se
naquilo que alguns pintaram para seduzir
o olhar dos ignorantes e não
o subtil prazer do espírito
possuía um excepcional sentido do espaço e
do volume foi reformador da pintura florentina
reduziu tudo ao essencial suprimindo personagens
acessórios detalhes e pela amplitude
da composição arquitectural atingiu grandeza
invejada e sem igual
foi ele ainda
o primeiro a enclausurar a alma
no interior de corpos limitados e sólidos
que nos convidam à reflexão sobre a natureza humana
e sobre as coisas diáfanas do coração
Al Berto, in A Secreta Vida das Imagens
segunda-feira, maio 24, 2004
Jorge de Sena e a Vida
No post Experiências, o nosso querido Tiago oferece-nos Jorge de Sena. A filosofia de Sena. O amor à vida.
Ia comentar no Litanias, mas este parágrafo toca-me tanto que não resisto a reproduzi-lo e a comentá-lo aqui.
Depois, vou reparando nesta curiosíssima coisa:
aquilo a que toda a gente chama experiência, vida, etc., é puramente um conjunto de regras práticas para esquecer que se vive. Porque, se a gente se lembra da vida, não há "experiência" possível - e a experiência é outra, mais funda, embora feita, só e também, do que se vê e adivinha. Pois se chamam experiência ao saber tornar a fazer o que já se fez - não é isto a negação da vida?
É genial e clarividente. Crítico e compassivo. Do que ele fala é da necessidade que temos de pensar pouco ou o menos possível. Da sofreguidão com que criamos sistemas mentais sólidos que nos definam e justifiquem os caminhos - como se soubéssemos o suficiente para isso, como se não fôssemos simples e admiráveis animais como os outros. Fala da nossa incapacidade de viver sem esse "conjunto de regras práticas para se esquecer que se vive". Ainda que esse conjunto seja acrescentado e mutilado aqui e ali ao longo do percurso, ele existe sempre, sem ele entramos em pânico, achamos que vamos perder-nos irremediavelmente - como se alguma vez tivéssemos sabido onde estamos...
Até que começamos a entender que até é mais fácil viver assim, com a experiência do descobrir fascinado de todos os dias e não com as experiências que coligimos como se de receitas se tratassem.
No post Experiências, o nosso querido Tiago oferece-nos Jorge de Sena. A filosofia de Sena. O amor à vida.
Ia comentar no Litanias, mas este parágrafo toca-me tanto que não resisto a reproduzi-lo e a comentá-lo aqui.
Depois, vou reparando nesta curiosíssima coisa:
aquilo a que toda a gente chama experiência, vida, etc., é puramente um conjunto de regras práticas para esquecer que se vive. Porque, se a gente se lembra da vida, não há "experiência" possível - e a experiência é outra, mais funda, embora feita, só e também, do que se vê e adivinha. Pois se chamam experiência ao saber tornar a fazer o que já se fez - não é isto a negação da vida?
É genial e clarividente. Crítico e compassivo. Do que ele fala é da necessidade que temos de pensar pouco ou o menos possível. Da sofreguidão com que criamos sistemas mentais sólidos que nos definam e justifiquem os caminhos - como se soubéssemos o suficiente para isso, como se não fôssemos simples e admiráveis animais como os outros. Fala da nossa incapacidade de viver sem esse "conjunto de regras práticas para se esquecer que se vive". Ainda que esse conjunto seja acrescentado e mutilado aqui e ali ao longo do percurso, ele existe sempre, sem ele entramos em pânico, achamos que vamos perder-nos irremediavelmente - como se alguma vez tivéssemos sabido onde estamos...
Até que começamos a entender que até é mais fácil viver assim, com a experiência do descobrir fascinado de todos os dias e não com as experiências que coligimos como se de receitas se tratassem.
Para a Vermelha
Love is blindness, I don't want to see
Won't you wrap the night around me?
Oh, my heart, love is blindness.
In a parked car, in a crowded street
You see your love made complete.
Thread is ripping, the knot is slipping
Love is blindness.
Love is clockworks and cold steel
Fingers too numb to feel.
Squeeze the handle, blow out the candle
Love is blindness.
Love is blindness, I don't want to see
Won't you wrap the night around me?
Oh, my love,
Blindness.
A little death without mourning
No call and no warning
Baby, a dangerous idea
That almost makes sense.
Love is drowning in a deep well
All the secrets, and no one to tell.
Take the money, honey...
Blindness.
Love is blindness, I don't want to see
Won't you wrap the night around me?
Oh, my love,
Blindness.
U2, Achtung Baby
Love is blindness, I don't want to see
Won't you wrap the night around me?
Oh, my heart, love is blindness.
In a parked car, in a crowded street
You see your love made complete.
Thread is ripping, the knot is slipping
Love is blindness.
Love is clockworks and cold steel
Fingers too numb to feel.
Squeeze the handle, blow out the candle
Love is blindness.
Love is blindness, I don't want to see
Won't you wrap the night around me?
Oh, my love,
Blindness.
A little death without mourning
No call and no warning
Baby, a dangerous idea
That almost makes sense.
Love is drowning in a deep well
All the secrets, and no one to tell.
Take the money, honey...
Blindness.
Love is blindness, I don't want to see
Won't you wrap the night around me?
Oh, my love,
Blindness.
U2, Achtung Baby
Uma carta do senhor gordo para as trutas deste mundo
"Fahrenheit 9/11" Wins Top Prize in Cannes
May 23, 2004
Friends,
Hello from Cannes! I’m sure by now many of you have heard the good news—“Fahrenheit 9/11” has won the top prize at the Cannes Film Festival. It is the first time in nearly 50 years a documentary has won the Palme d’Or (the Golden Palm).
Myself and twenty-six members of our crew are here in Cannes and we are in a state of shock. None of us expected this. First came the critics’ reviews on Monday (The New York Times called it my best film ever), then the audience reaction at our premiere (a 20-minute standing ovation, a new all-time record for the festival), the International Federation of Film Critics Award on Friday, and then the best film prize last night. It’s all been an incredible week for us and I can’t wait to get back home and show you all this wonderfully powerful film we’ve made.
No, we still don’t have a distributor in America as I write this but after winning the world’s top film prize I’d give it about one more day (if that) before we have someone brave enough (and smart enough) to show Americans what the world can already see (Albania, this week, became the final country—other than the U.S.—to sign on with a distributor).
I am still hoping for a July release (4th of July weekend?) both in the U.S. and around the world.
I fully expect the right wing and the Republican Party to come at me and this film with everything they’ve got. They will try, as they have unsuccessfully in the past, to attack me personally because they cannot win the debate on the issues the film raises—namely, that they are a pack of liars and the American people are on to them. And, if the early screenings of “Fahrenheit 9/11” are any indication, those who see this movie will never view the Bush administration in the same way again. Even if you already can’t stomach George W. Bush & Co., I think this movie will take you to places you haven’t gone before, with laughter and with tears.
I will let you all know—as soon as we have a distributor—the date the film is opening. Until then, check out some of the articles that have been written, and check out the awards ceremony from Cannes.
Thanks everyone for your support.
Yours,
Michael Moore
mmflint@aol.com
www.michaelmoore.com
P.S. When you hear the wackos on Fox News and elsewhere refer to this prize as coming from “the French,” please know that of the nine members of the Festival jury, only ONE was French. Nearly half the jury (four) were Americans and the President of the jury was an American (Quentin Tarantino). But this fact won’t stop the O’Reillys or the Lenos or the Limbaughs from attacking the French and me because, well, that’s how their simple minds function.
sábado, maio 22, 2004
Frase do dia [para o Tiago]
A man is least himself when he speaks his own person. Give him a mask and he will tell the truth.
George Orwell
A man is least himself when he speaks his own person. Give him a mask and he will tell the truth.
George Orwell
sexta-feira, maio 21, 2004
Le violon
Amadeo de Souza Cardoso, Violino, óleo sobre tela
Couple amoureux aux accents méconnus
Le violon et son joueur me plaisent.
Ah! j'aime ces gémissements tendus
Sur la corde des malaises.
Aux accords sur les cordes des pendus
À l'heure où les Lois se taisent
Le coeur en forme de fraise
S'offre à l'amour comme un fruit inconnu.
Louise de Vilmorin
Amadeo de Souza Cardoso, Violino, óleo sobre tela
Couple amoureux aux accents méconnus
Le violon et son joueur me plaisent.
Ah! j'aime ces gémissements tendus
Sur la corde des malaises.
Aux accords sur les cordes des pendus
À l'heure où les Lois se taisent
Le coeur en forme de fraise
S'offre à l'amour comme un fruit inconnu.
Louise de Vilmorin
Saltos altos
Bilbao, Janeiro de 2000, cinco minutos antes de entrar no palco
- Consegues cantar com esses saltos altos, Truta Laranja?
- Não, mas fico muito mais gira assim.
Será só em Espanha que as pessoas têm a mania de olhar para os sapatos umas das outras e tirar medidas aos respectivos saltos?
O que vale é que adoro não ser transparente nestas alturas...
Bilbao, Janeiro de 2000, cinco minutos antes de entrar no palco
- Consegues cantar com esses saltos altos, Truta Laranja?
- Não, mas fico muito mais gira assim.
Será só em Espanha que as pessoas têm a mania de olhar para os sapatos umas das outras e tirar medidas aos respectivos saltos?
O que vale é que adoro não ser transparente nestas alturas...
Pesadelo
Dou por mim num palco, de violino nas mãos, uma orquestra por trás de mim e um maestro prestes a dar a entrada. Olho para mim: pânico!! Estou vestida com um fraque horrível, semelhante ao de um apresentador de circo. Felizmente é preto, mas ainda assim brilha tanto que me encandeia. Passo a mão pelo cabelo: horror!! Tenho o cocuruto cheio de caracolinhos à jogador de futebol... para me distrair deste desespero, decido começar a tocar. Até toco bem, os dedos andam depressa, faço uns truques giros, finjo que estou num concerto de heavy metal e começo a maltratar o instrumento, oiço exclamações abafadas de admiração vindas do público – está a resultar, penso – faço mais uns truques próprios da arte circense, os dedos continuam a mexer-se depressa, estou a fazer um sucesso enorme quando, de repente, PÓING!! Parte-se uma corda do violino! Calma, respira fundo, o protocolo manda que o concertino te ceda o seu violino. De facto, o concertino estende-me, gentilmente, o instrumento. Respiro de alívio – afinal, os concertinos têm sempre violinos de boa qualidade. Dou o primeiro acorde: desespero!! Aquele anormal não se deu ao trabalho de afinar uma das cordas! Mas como?! O concertino de uma orquestra... como é que é possível? Pensou que ninguém notasse? Achou que ia precisar pouco daquela corda e que não se justificava afiná-la?? DAVA MUITO TRABALHO? Faço um esforço para que não se note, corrijo a afinação a custo, só me apetece espancar o concertino cabeludo que olha para mim com um sorriso pateta (será que nem notou)?
Acordo, ofegante. Que alívio, foi só um sonho.
O Maxim Vengerov, ontem, na Gulbenkian, é que não teve a mesma sorte.
Dou por mim num palco, de violino nas mãos, uma orquestra por trás de mim e um maestro prestes a dar a entrada. Olho para mim: pânico!! Estou vestida com um fraque horrível, semelhante ao de um apresentador de circo. Felizmente é preto, mas ainda assim brilha tanto que me encandeia. Passo a mão pelo cabelo: horror!! Tenho o cocuruto cheio de caracolinhos à jogador de futebol... para me distrair deste desespero, decido começar a tocar. Até toco bem, os dedos andam depressa, faço uns truques giros, finjo que estou num concerto de heavy metal e começo a maltratar o instrumento, oiço exclamações abafadas de admiração vindas do público – está a resultar, penso – faço mais uns truques próprios da arte circense, os dedos continuam a mexer-se depressa, estou a fazer um sucesso enorme quando, de repente, PÓING!! Parte-se uma corda do violino! Calma, respira fundo, o protocolo manda que o concertino te ceda o seu violino. De facto, o concertino estende-me, gentilmente, o instrumento. Respiro de alívio – afinal, os concertinos têm sempre violinos de boa qualidade. Dou o primeiro acorde: desespero!! Aquele anormal não se deu ao trabalho de afinar uma das cordas! Mas como?! O concertino de uma orquestra... como é que é possível? Pensou que ninguém notasse? Achou que ia precisar pouco daquela corda e que não se justificava afiná-la?? DAVA MUITO TRABALHO? Faço um esforço para que não se note, corrijo a afinação a custo, só me apetece espancar o concertino cabeludo que olha para mim com um sorriso pateta (será que nem notou)?
Acordo, ofegante. Que alívio, foi só um sonho.
O Maxim Vengerov, ontem, na Gulbenkian, é que não teve a mesma sorte.
quinta-feira, maio 20, 2004
Laranja e os outros
Como qualquer pessoa normal, prefiro almoçar em boa companhia do que sozinha e, como qualquer pessoa razoável, prefiro almoçar sozinha do que na companhia de alguém que não me diga nada.
Contudo, os portugueses parecem sofrer do sídrome da “coitadinha, que-está-ali-a-almoçar-sozinha, vamos-lançar-lhe-o-nosso-olhar-de-piedade.” Penso se não será este um reflexo daquela qualidade lusa, apregoada com orgulho por todos os portugueses, de nos preocuparmos tanto uns com os outros que seríamos incapazes de ver alguém estendido no chão sem pararmos para ajudar.
Mas será que ver uma pessoa a almoçar sozinha é igual a vê-la estendida no chão? O facto de se tomar uma refeição sem ninguém sentado à nossa frente é sinal de que estamos sozinhos no mundo, sem namorados ou amigos?
E com isto em mente inicio eu, quase todos os dias, a minha corrida de obstáculos a que se dá o nome de “hora de almoço”. Espero que os meus colegas de trabalho saiam para almoçar, finjo-me muito atarefada quando passam por mim e me perguntam se quero ir com eles, faço um lindo sorriso “não, obrigada, tenho aqui imensas coisas para acabar”, espero uns cinco minutos e saio, vou sempre almoçar ao mesmo sítio, onde a comida tem qualidade mas não é “chique”, e por isso tenho menos probabilidades de encontrar alguém conhecido mas com quem não quero partilhar a minha hora de almoço.
Assim fiz, ontem. Estava sentada no tal restaurantezinho, a deliciar-me com os prazeres de almoçar sozinha – poder ir debicando da salada de frutas enquanto ainda estou no prato principal e poder fazê-lo em silêncio, sem ter de fazer conversa mole para evitar aquele silêncio incómodo que se gera entre duas pessoas que nada têm para dizer uma à outra, muito menos para transmiti-lo sem palavras – quando oiço “Oh! Estás a almoçar sozinha? Coitadinha... ia ali a passar e vi-te aqui, sozinha! Eu já almocei com o meu marido, mas se quiseres que te fique aqui a fazer companhia...” Esta pessoa não é minha amiga, quase não a conheço. Pelos vistos vai permanecer assim. “Não obrigada”, sorriso amarelo, de quem quase tem de pedir desculpa por não precisar da companhia de alguém para almoçar feliz.
Quem me dera ser transparente nestas alturas...
Como qualquer pessoa normal, prefiro almoçar em boa companhia do que sozinha e, como qualquer pessoa razoável, prefiro almoçar sozinha do que na companhia de alguém que não me diga nada.
Contudo, os portugueses parecem sofrer do sídrome da “coitadinha, que-está-ali-a-almoçar-sozinha, vamos-lançar-lhe-o-nosso-olhar-de-piedade.” Penso se não será este um reflexo daquela qualidade lusa, apregoada com orgulho por todos os portugueses, de nos preocuparmos tanto uns com os outros que seríamos incapazes de ver alguém estendido no chão sem pararmos para ajudar.
Mas será que ver uma pessoa a almoçar sozinha é igual a vê-la estendida no chão? O facto de se tomar uma refeição sem ninguém sentado à nossa frente é sinal de que estamos sozinhos no mundo, sem namorados ou amigos?
E com isto em mente inicio eu, quase todos os dias, a minha corrida de obstáculos a que se dá o nome de “hora de almoço”. Espero que os meus colegas de trabalho saiam para almoçar, finjo-me muito atarefada quando passam por mim e me perguntam se quero ir com eles, faço um lindo sorriso “não, obrigada, tenho aqui imensas coisas para acabar”, espero uns cinco minutos e saio, vou sempre almoçar ao mesmo sítio, onde a comida tem qualidade mas não é “chique”, e por isso tenho menos probabilidades de encontrar alguém conhecido mas com quem não quero partilhar a minha hora de almoço.
Assim fiz, ontem. Estava sentada no tal restaurantezinho, a deliciar-me com os prazeres de almoçar sozinha – poder ir debicando da salada de frutas enquanto ainda estou no prato principal e poder fazê-lo em silêncio, sem ter de fazer conversa mole para evitar aquele silêncio incómodo que se gera entre duas pessoas que nada têm para dizer uma à outra, muito menos para transmiti-lo sem palavras – quando oiço “Oh! Estás a almoçar sozinha? Coitadinha... ia ali a passar e vi-te aqui, sozinha! Eu já almocei com o meu marido, mas se quiseres que te fique aqui a fazer companhia...” Esta pessoa não é minha amiga, quase não a conheço. Pelos vistos vai permanecer assim. “Não obrigada”, sorriso amarelo, de quem quase tem de pedir desculpa por não precisar da companhia de alguém para almoçar feliz.
Quem me dera ser transparente nestas alturas...
quarta-feira, maio 19, 2004
Acabo de saber pelo Tiago...
It don't mean a thing if you ain't got that swing
doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap
...morreu a locomotiva, mas morreu praticamente em andamento...
It don't mean a thing all you gotta do is swing
doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap
It makes no difference if it's sweet or hot
grab that rhythm, give it everything you got
It don't mean a thing if you ain't got that swing!
...Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap
It don't mean a thing if you ain't got that swing
doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap
...morreu a locomotiva, mas morreu praticamente em andamento...
It don't mean a thing all you gotta do is swing
doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap doo-wap
It makes no difference if it's sweet or hot
grab that rhythm, give it everything you got
It don't mean a thing if you ain't got that swing!
...Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap Doo-Wap
terça-feira, maio 18, 2004
Kandinsky Escondido Atrás da Tela
O Arco Negro, Vassily Kandinsky
muito antes de ter adoptado formas
rigorosamente geométricas (para fugir à anarquia)
pintei este arco negro ligando duas zonas
da mesma paisagem: ponte escura
por onde -tu que me olhas- podes passar
ao encontro da intensa chama das manhãs
e do outro lado do arco onde o vento e a árvore
se perdem na euforia de suas próprias cores
-escndido atrás da tela- vejo-te
cada vez mais próximo como se avançasses
pela desintegração do átomo ou pelo deslumbramento
dos lumes te acercasses de mim: o olhar envolto
na teia harmoniosa de colorida música
Al Berto, in A Secreta Vida das Imagens
O Arco Negro, Vassily Kandinsky
muito antes de ter adoptado formas
rigorosamente geométricas (para fugir à anarquia)
pintei este arco negro ligando duas zonas
da mesma paisagem: ponte escura
por onde -tu que me olhas- podes passar
ao encontro da intensa chama das manhãs
e do outro lado do arco onde o vento e a árvore
se perdem na euforia de suas próprias cores
-escndido atrás da tela- vejo-te
cada vez mais próximo como se avançasses
pela desintegração do átomo ou pelo deslumbramento
dos lumes te acercasses de mim: o olhar envolto
na teia harmoniosa de colorida música
Al Berto, in A Secreta Vida das Imagens
«O Supremo Tribunal de Justiça norte-americano recusou bloquear os casamentos entre homossexuais em Massachusetts, permitindo a este Estado tornar-se no primeiro do país onde os casamentos legais serão autorizados. O Supremo Tribunal decidiu, na sexta-feira à noite, não dar seguimento a um recurso de grupos conservadores para impedir as uniões "gay".»
E os casamentos começaram. E a nossa imprensa deu por isso, quer dizer, deu por um casamentozito de carnaval aqui ao lado e faz a festa em redor dele. E um debate sobre o que se passa nos EUA no que respeita aos direitos civis dos homossexuais, será que é a despropósito, senhores? Será que quem é contra o que se passa em Massachussets é também anti-americano primário ou apenas primário primata? Ou será que em Massachussets, como é longe, os homossexuais podem ser pais à vontade, que para nós é indiferente e continuamos amigos como dantes? Como muito bem notou o Miguel, onde estão os repórteres portugueses em Provincetown, cidade com uma grande comunidade lusa e uma grande comunidade gay? Quantos portugueses e luso-descendentes se casarão com os seus companheiros, agora que a lei definitivamente o permite? Quantos são pais? Será que aos olhos dos nossos iluminados media nada disto tem importância social, histórica ou civilizacional?
Bom, resta-nos a blogayesfera e sobretudo estes dois blogues de absoluta referência: salvé, Renas e Os Tempos que correm.
E os casamentos começaram. E a nossa imprensa deu por isso, quer dizer, deu por um casamentozito de carnaval aqui ao lado e faz a festa em redor dele. E um debate sobre o que se passa nos EUA no que respeita aos direitos civis dos homossexuais, será que é a despropósito, senhores? Será que quem é contra o que se passa em Massachussets é também anti-americano primário ou apenas primário primata? Ou será que em Massachussets, como é longe, os homossexuais podem ser pais à vontade, que para nós é indiferente e continuamos amigos como dantes? Como muito bem notou o Miguel, onde estão os repórteres portugueses em Provincetown, cidade com uma grande comunidade lusa e uma grande comunidade gay? Quantos portugueses e luso-descendentes se casarão com os seus companheiros, agora que a lei definitivamente o permite? Quantos são pais? Será que aos olhos dos nossos iluminados media nada disto tem importância social, histórica ou civilizacional?
Bom, resta-nos a blogayesfera e sobretudo estes dois blogues de absoluta referência: salvé, Renas e Os Tempos que correm.
segunda-feira, maio 17, 2004
Nada como um fim de semana numa cidade bonita para descansar os miolos
Amesterdão, 2004, Fotografia de Laranja
Amesterdão, 2004, Fotografia de Laranja
quarta-feira, maio 12, 2004
Poucas coisas podem atingir-nos em cheio como uma boa sit com...
Dick: Talvez a Culpa seja um sistema universal para garantir que as pessoas se ajudam umas às outras...
Sally: Se eu conseguisse decifrar esse código podia ter toda a gente ao meu serviço.
Tommy: Tu não precisas da Culpa. Tu só tens de lembrar às pessoas que elas gostam de Sexo.
Sally: Ah, sim, pois é!
Harry: Não era assustador se a Culpa e o Sexo estivessem interligados?
[silêncio estupefacto seguido de...
...gargalhada geral]
Sally, Dick e Tommy: O Sexo ligado à Culpa, és mesmo idiota, Harry!
Harry: Pois sou, pois sou!
3rd Rock from the Sun, hoje, SICRadical. Só espero que se os ET's aparecerem, nós estejamos dispostos a aprender alguma coisa e não necessariamente ansiosos por ensinar...
terça-feira, maio 11, 2004
Vidas a Metro
Tenha a bondade de m'auxiliar, pfavor, vem-se aproximando o som desde o outro extremo da carruagem, tenha a bondade de m'auxiliar, pfavor, o pedinte que me calhou nesta viagem não é cego, antes pequeno e velho, torto e mirrado, não são menos armadilhas para sobreviver nesta sociedade, nesta outra viagem na carruagem que não escolhemos, ainda assim são menos apetrechos para conseguir a piedade que os olhos baços ou a ausência deles ajudam a conseguir. Junto à porta está um outro pedinte, silencioso, jovem, louro, aparentemente saudável, e cego. Sorri com a chegada anunciada do companheiro e faz estalar a base da garrafa de plástico onde ninguém deixou ainda qualquer moeda. Findo o percurso, o velho sorri e saúda o jovem robusto que o espera encostado ao varão de ferro. Guia-o para fora da carruagem ao chegar ao cais terminal, dá-lhe o braço e conselhos enquanto o ampara na subida das escadas apinhadas de gente apressada e bruta que transporta malas ao invés de restos de garrafas de plástico, telemóveis ao invés de varas desdobráveis às riscas, e trocos nos bolsos ou dentro do porta-moedas. Gente a quem a vida também dói mas que não tem de pedir perdão à sociedade por estar privada de um sentido. Ainda assim, espanto dos espantos, choque dos choques ou maravilha das maravilhas, gente que sorri menos do que este robusto e cego jovem louro de braço dado com este pai velho e torto que o guia neste bocadinho de vida e sabemos lá em quantos mais.
Tenha a bondade de m'auxiliar, pfavor, vem-se aproximando o som desde o outro extremo da carruagem, tenha a bondade de m'auxiliar, pfavor, o pedinte que me calhou nesta viagem não é cego, antes pequeno e velho, torto e mirrado, não são menos armadilhas para sobreviver nesta sociedade, nesta outra viagem na carruagem que não escolhemos, ainda assim são menos apetrechos para conseguir a piedade que os olhos baços ou a ausência deles ajudam a conseguir. Junto à porta está um outro pedinte, silencioso, jovem, louro, aparentemente saudável, e cego. Sorri com a chegada anunciada do companheiro e faz estalar a base da garrafa de plástico onde ninguém deixou ainda qualquer moeda. Findo o percurso, o velho sorri e saúda o jovem robusto que o espera encostado ao varão de ferro. Guia-o para fora da carruagem ao chegar ao cais terminal, dá-lhe o braço e conselhos enquanto o ampara na subida das escadas apinhadas de gente apressada e bruta que transporta malas ao invés de restos de garrafas de plástico, telemóveis ao invés de varas desdobráveis às riscas, e trocos nos bolsos ou dentro do porta-moedas. Gente a quem a vida também dói mas que não tem de pedir perdão à sociedade por estar privada de um sentido. Ainda assim, espanto dos espantos, choque dos choques ou maravilha das maravilhas, gente que sorri menos do que este robusto e cego jovem louro de braço dado com este pai velho e torto que o guia neste bocadinho de vida e sabemos lá em quantos mais.
domingo, maio 09, 2004
Gabriel VIII
Vou vivendo, no entanto, passeando, vendo, olhando, morrendo e renascendo nas palavras e nos gestos, os meus e os dos outros, os de Gabriel também. Sentada no veludo vermelho, demasiado literário, o veludo vermelho em vez da cama por fazer, fumando Marlboro Lights, muito pouco literário. Mas os cigarros são longos, intermináveis, está a fumar o mesmo cigarro há quanto tempo? E mantém-se igual, mais uma ilusão, mais uma lei, é fácil, basta não nos livrarmos das cinzas para que os cigarros se mantenham sempre do mesmo tamanho, aparentemente pelo menos.
Basta não nos livrarmos das cinzas.
E são elas que me ajudam a sobreviver aos corredores quotidianos onde me persegue o rosto de Gabriel, desenhado nas paredes, não sei se por mim, mas se não por mim por quem? Mas hoje Gabriel não é negro, brilha no meio do fumo do cigarro que não é Marlboro Lights, talvez nem seja um cigarro, talvez seja um charuto, onde quer que voe agora não está só e sabe-o. E finalmente isso não me sufoca, nem sufoca Gabriel.
Ao M., que me ajudou a escrever este texto
Ao P., que me ajudou a lê-lo
Lisboa, 1 de Dezembro de 2000
Vou vivendo, no entanto, passeando, vendo, olhando, morrendo e renascendo nas palavras e nos gestos, os meus e os dos outros, os de Gabriel também. Sentada no veludo vermelho, demasiado literário, o veludo vermelho em vez da cama por fazer, fumando Marlboro Lights, muito pouco literário. Mas os cigarros são longos, intermináveis, está a fumar o mesmo cigarro há quanto tempo? E mantém-se igual, mais uma ilusão, mais uma lei, é fácil, basta não nos livrarmos das cinzas para que os cigarros se mantenham sempre do mesmo tamanho, aparentemente pelo menos.
Basta não nos livrarmos das cinzas.
E são elas que me ajudam a sobreviver aos corredores quotidianos onde me persegue o rosto de Gabriel, desenhado nas paredes, não sei se por mim, mas se não por mim por quem? Mas hoje Gabriel não é negro, brilha no meio do fumo do cigarro que não é Marlboro Lights, talvez nem seja um cigarro, talvez seja um charuto, onde quer que voe agora não está só e sabe-o. E finalmente isso não me sufoca, nem sufoca Gabriel.
Ao M., que me ajudou a escrever este texto
Ao P., que me ajudou a lê-lo
Lisboa, 1 de Dezembro de 2000
sábado, maio 08, 2004
É aproveitar, ó freguês!!!
Eu sei que sou suspeito, mas o espectáculo é mesmo bom e vale uma pesquisazita no Google.
E aproveitem e procurem o passatempo shakespeareano, que até pode ser que consigam uma sessão contínua.
Eu sei que sou suspeito, mas o espectáculo é mesmo bom e vale uma pesquisazita no Google.
E aproveitem e procurem o passatempo shakespeareano, que até pode ser que consigam uma sessão contínua.
Gabriel VII
Olho pela janela para me esquecer de mim, se Gabriel me esqueceu para quê sentir-me, e olho e procuro água, mas as traidoras luzes do interior da carruagem só me permitem ver o reflexo, o meu próprio rosto sobre um manto negro e algumas luzes difusas para lá do rio, um mar de luzes para lá do rio que aqui já é quase mar. E uma luz mais forte, alguns homens que por aqui trabalham aquecem-se na rua em redor de um barril em chamas, uma imagem bela, e são estes os mesmos homens que incomodam e agridem com piropos rasteiros quando por eles passam as mulheres, trabalham na ferrovia, nos carris. De volta aos comboios, como no texto de Louise, repetido, repetido, repetitivo, não escrevia bem, Reed não chegou a ter coragem para lho dizer, mas what a heartbreaker you are, Louise, palavras de O’Neill, que a arrebatara ao melhor amigo ou assim pensava, que quebra-corações ela era. Reed temia perder Louise e por isso fugiu para uma vida onde ela não tinha lugar, para uma Rússia em convulsão. Qual será a rússia de Gabriel, Gabriel que tanto medo tem de me perder que me rejeita, a minha rússia é o próprio Gabriel, cada um foge à sua maneira, eu para a frente, Gabriel para trás.
E como Gabriel me prende. Paro para pensar, não sou eu, é ridículo, uma situação ridícula, muito falamos quando pensamos que nos conhecemos, que sabemos quem somos, que somos livres e imperturbáveis, que nós somos nós, que eu sou eu e eu sou um só e se sou um só por que me deixa Gabriel tão violentamente mutilada por dentro, mas talvez tudo isto faça sentido, pois só pode prender-se quem é livre, quem o não é não toma nunca consciência do seu carcereiro. E odeio Gabriel por estupidamente me cortar as asas, lá porque lhe cortaram as suas, que culpa tenho eu, odeio-o por me fazer odiar a minha liberdade, menosprezá-la como se de nada me servisse, como se em nada me marcasse, em nada me definisse. É imenso o poder de Gabriel e ele usa-o com uma crueldade imensa e uma imensa injustiça. A minha vida nas mãos de Gabriel, contra a minha vontade e contra a sua. E por isto me odeia Gabriel.
A vida dá todas as voltas e também a mente roda sobre si mesma e sobre as referências que a enchem, reais e imaginadas, vividas, seja como for, e os clichés literários perseguem-nos sempre, o amor e o ódio sempre entrelaçados, pergunto-me onde começa um e termina o outro, delimitar fronteiras nunca foi o meu forte, sem dúvida que não é também o de Gabriel. Compreender o que é inevitável e o que nós tornamos inevitável, Muss es sein? Es muss sein! Es muss sein!, tem de ser, tem de ser, será o opus 135, acho, tanto humor no tratamento de uma pergunta tão pesada, prova de que o que parece filosófico e poético rapidamente se torna anedótico quando contextualizado, qualquer drama sempre à beira da farsa. Todos já o experimentámos, mais do que uma vez, numa palavra, numa rotina, num livro, num rosto que fascinava e cujos contornos se alteram tão acentuadamente na convivência e no reconhecimento. Será inevitável que aconteça, será esse o nosso medo quando o encantamento toma conta de tudo, medo de que fuja, medo de que se quebre, medo de que se desfigure, partir para amar, para amar sempre, claramente não compreendemos que qualquer acto ou substância, seja a sua natureza qual for, pode actuar como um veneno e tentamos defender o que achamos que a vida nos deu de mais belo, um amor ou um filho, um lugar, uma palavra ou um talento, substâncias diferentes, venenos idênticos. Pronto, chega, não enterro mais a faca, de qualquer modo não me escapo, vou ter um qualquer psicólogo a analisar por que razão a enterrei só até meio e não até ao cabo.
O céu desta cidade é escandaloso, um azulão que toma conta dos olhos e da alma e tudo transforma em farsa, escandalosamente belo e feliz. E surge repetidamente para me recordar que sempre estará presente, estarão sempre presentes os meus céus e as minhas cidades e são eles, e não Gabriel, que me dizem quem sou, são eles, e não Gabriel, que me dão de comer, são eles, e não eu. Surgem repetidamente. Assim como aquela dor tão aguda, parece que vou morrer, mas não, afinal não, ainda não, e vai-se e some-se, fica o cansaço, o alívio profundo, a paz, nunca nos sentimos tão bem como quando uma dor lancinante desaparece, nunca me sinto tão bem como quando uma dor lancinante desaparece, mesmo que seja crónica e recorrente e dominadora, sei que regressará quando menos a esperar.
Regressará como Gabriel.
Olho pela janela para me esquecer de mim, se Gabriel me esqueceu para quê sentir-me, e olho e procuro água, mas as traidoras luzes do interior da carruagem só me permitem ver o reflexo, o meu próprio rosto sobre um manto negro e algumas luzes difusas para lá do rio, um mar de luzes para lá do rio que aqui já é quase mar. E uma luz mais forte, alguns homens que por aqui trabalham aquecem-se na rua em redor de um barril em chamas, uma imagem bela, e são estes os mesmos homens que incomodam e agridem com piropos rasteiros quando por eles passam as mulheres, trabalham na ferrovia, nos carris. De volta aos comboios, como no texto de Louise, repetido, repetido, repetitivo, não escrevia bem, Reed não chegou a ter coragem para lho dizer, mas what a heartbreaker you are, Louise, palavras de O’Neill, que a arrebatara ao melhor amigo ou assim pensava, que quebra-corações ela era. Reed temia perder Louise e por isso fugiu para uma vida onde ela não tinha lugar, para uma Rússia em convulsão. Qual será a rússia de Gabriel, Gabriel que tanto medo tem de me perder que me rejeita, a minha rússia é o próprio Gabriel, cada um foge à sua maneira, eu para a frente, Gabriel para trás.
E como Gabriel me prende. Paro para pensar, não sou eu, é ridículo, uma situação ridícula, muito falamos quando pensamos que nos conhecemos, que sabemos quem somos, que somos livres e imperturbáveis, que nós somos nós, que eu sou eu e eu sou um só e se sou um só por que me deixa Gabriel tão violentamente mutilada por dentro, mas talvez tudo isto faça sentido, pois só pode prender-se quem é livre, quem o não é não toma nunca consciência do seu carcereiro. E odeio Gabriel por estupidamente me cortar as asas, lá porque lhe cortaram as suas, que culpa tenho eu, odeio-o por me fazer odiar a minha liberdade, menosprezá-la como se de nada me servisse, como se em nada me marcasse, em nada me definisse. É imenso o poder de Gabriel e ele usa-o com uma crueldade imensa e uma imensa injustiça. A minha vida nas mãos de Gabriel, contra a minha vontade e contra a sua. E por isto me odeia Gabriel.
A vida dá todas as voltas e também a mente roda sobre si mesma e sobre as referências que a enchem, reais e imaginadas, vividas, seja como for, e os clichés literários perseguem-nos sempre, o amor e o ódio sempre entrelaçados, pergunto-me onde começa um e termina o outro, delimitar fronteiras nunca foi o meu forte, sem dúvida que não é também o de Gabriel. Compreender o que é inevitável e o que nós tornamos inevitável, Muss es sein? Es muss sein! Es muss sein!, tem de ser, tem de ser, será o opus 135, acho, tanto humor no tratamento de uma pergunta tão pesada, prova de que o que parece filosófico e poético rapidamente se torna anedótico quando contextualizado, qualquer drama sempre à beira da farsa. Todos já o experimentámos, mais do que uma vez, numa palavra, numa rotina, num livro, num rosto que fascinava e cujos contornos se alteram tão acentuadamente na convivência e no reconhecimento. Será inevitável que aconteça, será esse o nosso medo quando o encantamento toma conta de tudo, medo de que fuja, medo de que se quebre, medo de que se desfigure, partir para amar, para amar sempre, claramente não compreendemos que qualquer acto ou substância, seja a sua natureza qual for, pode actuar como um veneno e tentamos defender o que achamos que a vida nos deu de mais belo, um amor ou um filho, um lugar, uma palavra ou um talento, substâncias diferentes, venenos idênticos. Pronto, chega, não enterro mais a faca, de qualquer modo não me escapo, vou ter um qualquer psicólogo a analisar por que razão a enterrei só até meio e não até ao cabo.
O céu desta cidade é escandaloso, um azulão que toma conta dos olhos e da alma e tudo transforma em farsa, escandalosamente belo e feliz. E surge repetidamente para me recordar que sempre estará presente, estarão sempre presentes os meus céus e as minhas cidades e são eles, e não Gabriel, que me dizem quem sou, são eles, e não Gabriel, que me dão de comer, são eles, e não eu. Surgem repetidamente. Assim como aquela dor tão aguda, parece que vou morrer, mas não, afinal não, ainda não, e vai-se e some-se, fica o cansaço, o alívio profundo, a paz, nunca nos sentimos tão bem como quando uma dor lancinante desaparece, nunca me sinto tão bem como quando uma dor lancinante desaparece, mesmo que seja crónica e recorrente e dominadora, sei que regressará quando menos a esperar.
Regressará como Gabriel.
sexta-feira, maio 07, 2004
Gabriel VI
E quem são as nossas testemunhas, quem nos observa e valida os nossos passos em face do mundo, nas ruas e nos cafés, nos bancos de jardim e no nada em que nos ligamos e nos tornamos unos e sós? Quem vê as carícias que são públicas embora não sejam sentidas como tal se todo o mundo se transfigura numa só névoa circundante e aconchegante? Ninguém. Ou nós mesmos, que nos vemos de dentro e de fora ou assim pensamos e construímos as nossas próprias histórias e as contamos e recontamos, tentando lê-las sem nunca as entender. Suportamo-nos uns aos outros e a nós mesmos, choramo-nos e lamentamo-nos, nem a vontade mais forte e determinada consegue manter-se sempre forte e determinada, e então dirigimo-nos às linhas de comboio, não às estações com demasiadas testemunhas, às linhas solitárias, e olhamo-las e trememos e refreamos aquela outra vontade tímida e escondida de saltar, de seguir em frente, tantos obstáculos nos surgem sempre, os carris são só mais um, se o comboio passar entretanto comerá tudo e apagará tudo, corpo e memória e o maço de tabaco ainda cheio, só um cigarro fumado.
E paro. E tremo e não consigo, será ou não possível que o nome de Gabriel não aflore nos meus lábios pelo tempo que eu determinar, ou ele, ainda que vagueie e corra e embata contra as paredes da minha cabeça a cada momento? Esforços sobre-humanos que Gabriel me exige, quem sou eu se deixo que Gabriel me comande assim, me mande e desmande, não é sua intenção, mas fá-lo, e novamente me define e me descaracteriza e me dói.
Testemunha sou também de outros dramas e farsas, dos intermináveis outros, quantas vezes nos esquecemos de que os outros somos nós, de que manipulamos e representamos e exigimos as atenções que nos não são devidas, porra, preciso de atenção hoje, não me exijam nada, hoje sou eu a personagem principal, a criança mandona e preguiçosa e irritante e irritável, cheia de luz e sombras e névoas e hoje não quero que as dissipem, deixem-me perder-me nelas e entendê-las e chamar pelo meu pai se necessário for, se o escuro se tornar insuportável, imprescrutável, sem saídas por terra ou por ar, saídas por mar existem sempre. A chuva forte inundando o rosto, o som das ondas a bater no pontão, a água em movimento comendo as pedras, tentando subir por elas e por elas obrigada a recuar, mas nunca a desistir, este som que tantas vezes me embalou em noites de Inverno numa casa que já não existe para mim. Onde estou agora não se ouve o mar, só o comboio, recordo uma personagem do cinema ou da televisão que aproveitava a passagem dos comboios para gritar sem ser ouvida, não me lembro do seu nome, talvez fosse Gabriel, nem da sua história, meios diferentes de sair, de partir, qualquer deles suficientemente eficaz, partir para continuar a amar, a amar sempre, para evitar que nos matemos uns aos outros, pelas próprias mãos ou pelos mais diversos e ínvios caminhos possíveis. O silêncio, forma final das nossas mortes várias, o silêncio contrafeito de Gabriel, o meu silêncio forçado, o silêncio que só os olhos quebram. Mas os meus olhos mantêem-se teimosamente apartados dos olhos de Gabriel, dos olhos que tanto amo e que tanto me queimam. Deve condenar-se os assassinos? As testemunhas clamam que sim.
Mas não há justiça nas paixões, sejam elas amores ou ódios, não há sentido, acusamo-nos de mútuas injustiças e intolerâncias quando na verdade nos acusamos a nós mesmos. Não suportamos conscientemente o facto de sermos imperfeitos, contraditórios, incoerentes, na perfeita coerência dos apaixonados. Gabriel, como anjo, não o suporta, eu também não. Mas se o mundo é redondo qual é o sentido de tornarmos a vida uma linha recta? Procuramos lados certos onde só há paixões, visões em constante devir, dor, mágoa, alegria, momentos felizes, dor e mágoa na alegria dos momentos felizes, e o oposto. Nunca justiça.
E quem são as nossas testemunhas, quem nos observa e valida os nossos passos em face do mundo, nas ruas e nos cafés, nos bancos de jardim e no nada em que nos ligamos e nos tornamos unos e sós? Quem vê as carícias que são públicas embora não sejam sentidas como tal se todo o mundo se transfigura numa só névoa circundante e aconchegante? Ninguém. Ou nós mesmos, que nos vemos de dentro e de fora ou assim pensamos e construímos as nossas próprias histórias e as contamos e recontamos, tentando lê-las sem nunca as entender. Suportamo-nos uns aos outros e a nós mesmos, choramo-nos e lamentamo-nos, nem a vontade mais forte e determinada consegue manter-se sempre forte e determinada, e então dirigimo-nos às linhas de comboio, não às estações com demasiadas testemunhas, às linhas solitárias, e olhamo-las e trememos e refreamos aquela outra vontade tímida e escondida de saltar, de seguir em frente, tantos obstáculos nos surgem sempre, os carris são só mais um, se o comboio passar entretanto comerá tudo e apagará tudo, corpo e memória e o maço de tabaco ainda cheio, só um cigarro fumado.
E paro. E tremo e não consigo, será ou não possível que o nome de Gabriel não aflore nos meus lábios pelo tempo que eu determinar, ou ele, ainda que vagueie e corra e embata contra as paredes da minha cabeça a cada momento? Esforços sobre-humanos que Gabriel me exige, quem sou eu se deixo que Gabriel me comande assim, me mande e desmande, não é sua intenção, mas fá-lo, e novamente me define e me descaracteriza e me dói.
Testemunha sou também de outros dramas e farsas, dos intermináveis outros, quantas vezes nos esquecemos de que os outros somos nós, de que manipulamos e representamos e exigimos as atenções que nos não são devidas, porra, preciso de atenção hoje, não me exijam nada, hoje sou eu a personagem principal, a criança mandona e preguiçosa e irritante e irritável, cheia de luz e sombras e névoas e hoje não quero que as dissipem, deixem-me perder-me nelas e entendê-las e chamar pelo meu pai se necessário for, se o escuro se tornar insuportável, imprescrutável, sem saídas por terra ou por ar, saídas por mar existem sempre. A chuva forte inundando o rosto, o som das ondas a bater no pontão, a água em movimento comendo as pedras, tentando subir por elas e por elas obrigada a recuar, mas nunca a desistir, este som que tantas vezes me embalou em noites de Inverno numa casa que já não existe para mim. Onde estou agora não se ouve o mar, só o comboio, recordo uma personagem do cinema ou da televisão que aproveitava a passagem dos comboios para gritar sem ser ouvida, não me lembro do seu nome, talvez fosse Gabriel, nem da sua história, meios diferentes de sair, de partir, qualquer deles suficientemente eficaz, partir para continuar a amar, a amar sempre, para evitar que nos matemos uns aos outros, pelas próprias mãos ou pelos mais diversos e ínvios caminhos possíveis. O silêncio, forma final das nossas mortes várias, o silêncio contrafeito de Gabriel, o meu silêncio forçado, o silêncio que só os olhos quebram. Mas os meus olhos mantêem-se teimosamente apartados dos olhos de Gabriel, dos olhos que tanto amo e que tanto me queimam. Deve condenar-se os assassinos? As testemunhas clamam que sim.
Mas não há justiça nas paixões, sejam elas amores ou ódios, não há sentido, acusamo-nos de mútuas injustiças e intolerâncias quando na verdade nos acusamos a nós mesmos. Não suportamos conscientemente o facto de sermos imperfeitos, contraditórios, incoerentes, na perfeita coerência dos apaixonados. Gabriel, como anjo, não o suporta, eu também não. Mas se o mundo é redondo qual é o sentido de tornarmos a vida uma linha recta? Procuramos lados certos onde só há paixões, visões em constante devir, dor, mágoa, alegria, momentos felizes, dor e mágoa na alegria dos momentos felizes, e o oposto. Nunca justiça.
quinta-feira, maio 06, 2004
Pensamento do dia
Imagem gentilmente cedida por O Bom Selvagem
Reflictamos um pouco sobre este problema.
Imagem gentilmente cedida por O Bom Selvagem
Reflictamos um pouco sobre este problema.
Mandem-me à merda outra vez!
Ou, como o espectáculo é em inglês, gritem-me Break a leg! [são mesmo mariquinhas, estes ingleses...]
Ou, como o espectáculo é em inglês, gritem-me Break a leg! [são mesmo mariquinhas, estes ingleses...]
Gabriel V
Do colo para a boca, é na boca que sinto agora Gabriel, fugazes que sejam as realidades e, consequentemente, as memórias, as possibilidades da câmara lenta são infinitas e o nosso cérebro capaz de inesperadas e bruscas mudanças de velocidade. Gabriel na boca. A mão sobre o cabelo e Gabriel na boca. Mas como? Será que Gabriel não tem corpo? Para caber na boca não pode ter corpo. E será que deveria tê-lo? Tornar-se realmente real e físico e ter um pescoço para cheirar e morder, um pescoço onde me pudesse perder para não mais emergir? O pescoço de Gabriel. Vontades minhas e de Gabriel, medos meus e de Gabriel.
Sentada onde esteve Gabriel, esperando outra pessoa que não ele, no local onde deliberadamente nos encontrámos pela primeira vez, onde pela primeira vez não foram as coincidências que nos juntaram. A sua imagem continua viva, sentado nos degraus, erguendo-se de um pulo, como gato que é, à minha aproximação, olá tudo bem, sim tudo, então onde vamos, pequenos-almoços, lanches, qualquer coisa, se estamos juntos que importam os pormenores, se estamos finalmente juntos? Qualquer coisa. E no entanto ambos somos acasos, nas nossas vidas, na vida um do outro. Acasos e, por tal, predestinados. Pois se todos somos frutos do acaso todos estamos condenados à partida a ser o que somos, já que uma indizivelmente pequena diferença de tempos ou um desencontro não implicariam que fôssemos diferentes, mas pura e simplesmente outros que não nós, o corpo e o resto que ainda ninguém conseguiu explicar-me de que é feito.
À distância passo-lhe a mão pelo cabelo, os caracóis escuros enrolados nos dedos, os dedos escuros enrolados nos caracóis, passeando numa longa carícia que sei que Gabriel sente. Sei que sente. Desta estranheza somos feitos, eu e ele, de mesmo na dúvida nos dominarem as certezas do outro, o pulsar do coração do outro e, portanto, o sangue que no outro corre, no outro, será? Será Gabriel meu irmão ou serei eu Gabriel, será Gabriel o meu negro ou eu o seu? Destas estranhezas somos feitos, Gabriel e eu. De guardarmos os sons das vozes como que gravados e de os repetirmos mentalmente até à exaustão. E de nos desejarmos tanto que não suportamos a presença um do outro.
E por isso nos separamos mais quanto mais nos encontramos. E mais próximos estamos quanto mais longe conseguimos estar. E tudo se repete e roda sem fim, para nossa terna angústia e eterna certeza.
Do colo para a boca, é na boca que sinto agora Gabriel, fugazes que sejam as realidades e, consequentemente, as memórias, as possibilidades da câmara lenta são infinitas e o nosso cérebro capaz de inesperadas e bruscas mudanças de velocidade. Gabriel na boca. A mão sobre o cabelo e Gabriel na boca. Mas como? Será que Gabriel não tem corpo? Para caber na boca não pode ter corpo. E será que deveria tê-lo? Tornar-se realmente real e físico e ter um pescoço para cheirar e morder, um pescoço onde me pudesse perder para não mais emergir? O pescoço de Gabriel. Vontades minhas e de Gabriel, medos meus e de Gabriel.
Sentada onde esteve Gabriel, esperando outra pessoa que não ele, no local onde deliberadamente nos encontrámos pela primeira vez, onde pela primeira vez não foram as coincidências que nos juntaram. A sua imagem continua viva, sentado nos degraus, erguendo-se de um pulo, como gato que é, à minha aproximação, olá tudo bem, sim tudo, então onde vamos, pequenos-almoços, lanches, qualquer coisa, se estamos juntos que importam os pormenores, se estamos finalmente juntos? Qualquer coisa. E no entanto ambos somos acasos, nas nossas vidas, na vida um do outro. Acasos e, por tal, predestinados. Pois se todos somos frutos do acaso todos estamos condenados à partida a ser o que somos, já que uma indizivelmente pequena diferença de tempos ou um desencontro não implicariam que fôssemos diferentes, mas pura e simplesmente outros que não nós, o corpo e o resto que ainda ninguém conseguiu explicar-me de que é feito.
À distância passo-lhe a mão pelo cabelo, os caracóis escuros enrolados nos dedos, os dedos escuros enrolados nos caracóis, passeando numa longa carícia que sei que Gabriel sente. Sei que sente. Desta estranheza somos feitos, eu e ele, de mesmo na dúvida nos dominarem as certezas do outro, o pulsar do coração do outro e, portanto, o sangue que no outro corre, no outro, será? Será Gabriel meu irmão ou serei eu Gabriel, será Gabriel o meu negro ou eu o seu? Destas estranhezas somos feitos, Gabriel e eu. De guardarmos os sons das vozes como que gravados e de os repetirmos mentalmente até à exaustão. E de nos desejarmos tanto que não suportamos a presença um do outro.
E por isso nos separamos mais quanto mais nos encontramos. E mais próximos estamos quanto mais longe conseguimos estar. E tudo se repete e roda sem fim, para nossa terna angústia e eterna certeza.
quarta-feira, maio 05, 2004
Contributo
A Bomba lançou o desafio "expressões e palavras a abandonar". Eu sugiro a abolição dos senhores publicitários. Se for pedir muito, restrinjo a minha sugestão aos publicitários que trabalham para a Câmara Municipal de Lisboa e se lembram de slogans como este: "Quem chegou de transportes públicos já está no emprego". Ora, se chegou, já lá está! Quem tiver chegado de bicicleta também!
E aqueles senhores que escrevem os anúncios do Metro de Lisboa também podem ser abolidos? Pelo menos até aprenderem que não se separa o sujeito do predicado com uma vírgula, como em "A circulação na linha azul, encontra-se com perturbações".
Quando puder abolir mais pessoas, avisem! Tenho aqui uma lista comprida, só à espera de uma oportunidade...
A Bomba lançou o desafio "expressões e palavras a abandonar". Eu sugiro a abolição dos senhores publicitários. Se for pedir muito, restrinjo a minha sugestão aos publicitários que trabalham para a Câmara Municipal de Lisboa e se lembram de slogans como este: "Quem chegou de transportes públicos já está no emprego". Ora, se chegou, já lá está! Quem tiver chegado de bicicleta também!
E aqueles senhores que escrevem os anúncios do Metro de Lisboa também podem ser abolidos? Pelo menos até aprenderem que não se separa o sujeito do predicado com uma vírgula, como em "A circulação na linha azul, encontra-se com perturbações".
Quando puder abolir mais pessoas, avisem! Tenho aqui uma lista comprida, só à espera de uma oportunidade...
Gabriel IV
E sucedem-se os dias, uns completos, outros por acabar, alguns dias de nadas e de neuras, de sóis e nuvens deslocados, de astros fora do lugar, dias em que caos e desordem nada criam, nada alimentam, para nada servem, dias que demoram a passar, que se arrastam lânguidos, troçando-nos na nossa impotência. Sucedem-se os lugares que me falam de Gabriel e que se transfiguram quando pareciam já tão familiares.
Regresso ao jardim onde Gabriel me olhou, ainda olha, encostado a uma grade. Quando ali estivemos pareceu-me a grade mais alta, talvez por Gabriel não ser alto, que os anjos precisam de leveza, mesmo que nunca cheguem a aperceber-se das asas que carregam. Ou serão as dimensões das coisas que mudam de um dia para o outro e não deixa de ser irónico que a grade me pareça mais baixa, menos intransponível, na ausência de Gabriel. É, por certo, ilusão, assim como a sua imagem, estática, por detrás da estátua, mais uma daquelas eternidades em que nos olhamos sem tempo, quando a distância nos une, parecendo longa apesar de curta. Sei-o longe, é um daqueles dias em que Gabriel não me esqueceu, mas gostaria que eu o tivesse esquecido, sei que o seu peso não é menor do que o meu e a prova é que Gabriel cai de cada vez que me encontra, seja o encontro imprevisto ou não. E se Gabriel é assim e eu sou como Gabriel isso significa que eu também caio, mas perco os sentidos durante as quedas e não sinto as aterragens, embora lhes sinta longamente os efeitos.
Por que não nos amparamos mutuamente, bem, não posso explicá-lo, não o compreendo, Gabriel também não, talvez nenhum dos dois se aperceba da amplitude da queda do outro, ou mesmo da sua própria, insistindo por isso em cair sozinho. Ele ou eu ou ambos? Existem também as regras que Gabriel adopta como suas, embora, como já disse, elas sejam menos suas do que as concebe, cheiram a verdade e a mentira, a princípio e a fim, a coragem e a cobardia, a caruncho de confessionário católico, escuro, frio, intimidatório até ao que de mais interior Gabriel tem, desapercebido de tão interior. Eu não me dou bem com madeiras podres, não servem nem para bater em esconjuro, apenas para portas de subterrâneos de musgos e líquenes da idade do mundo e das suas esquizofrenias. Prefiro duendes, como este que hoje vi murmurando baixinho à janela, falando para si e para mim através dos vidros, as orelhas e o queixo pontiagudos desafiando o trânsito que o oprimia, as rugas de séculos de mundos de sobrenatural. Para mim Jesus Cristo, a ter existido, foi um duende, assim como o Buda, Maomé, Confúcio, todos duendes, mas duendes como os dos livros, verdes, todos verdes, e a leveza, o riso, e surge novamente Gabriel e caio, Gabriel que não é verde nem duende, Gabriel homem, anjo, gato.
Doces, no entanto. As quedas. E narcóticas. Fazem-me querer repeti-las eternamente, num ciclo sem fim, nesse eterno retorno que não existe e que me torna tão leve, tão leve...
E sucedem-se os dias, uns completos, outros por acabar, alguns dias de nadas e de neuras, de sóis e nuvens deslocados, de astros fora do lugar, dias em que caos e desordem nada criam, nada alimentam, para nada servem, dias que demoram a passar, que se arrastam lânguidos, troçando-nos na nossa impotência. Sucedem-se os lugares que me falam de Gabriel e que se transfiguram quando pareciam já tão familiares.
Regresso ao jardim onde Gabriel me olhou, ainda olha, encostado a uma grade. Quando ali estivemos pareceu-me a grade mais alta, talvez por Gabriel não ser alto, que os anjos precisam de leveza, mesmo que nunca cheguem a aperceber-se das asas que carregam. Ou serão as dimensões das coisas que mudam de um dia para o outro e não deixa de ser irónico que a grade me pareça mais baixa, menos intransponível, na ausência de Gabriel. É, por certo, ilusão, assim como a sua imagem, estática, por detrás da estátua, mais uma daquelas eternidades em que nos olhamos sem tempo, quando a distância nos une, parecendo longa apesar de curta. Sei-o longe, é um daqueles dias em que Gabriel não me esqueceu, mas gostaria que eu o tivesse esquecido, sei que o seu peso não é menor do que o meu e a prova é que Gabriel cai de cada vez que me encontra, seja o encontro imprevisto ou não. E se Gabriel é assim e eu sou como Gabriel isso significa que eu também caio, mas perco os sentidos durante as quedas e não sinto as aterragens, embora lhes sinta longamente os efeitos.
Por que não nos amparamos mutuamente, bem, não posso explicá-lo, não o compreendo, Gabriel também não, talvez nenhum dos dois se aperceba da amplitude da queda do outro, ou mesmo da sua própria, insistindo por isso em cair sozinho. Ele ou eu ou ambos? Existem também as regras que Gabriel adopta como suas, embora, como já disse, elas sejam menos suas do que as concebe, cheiram a verdade e a mentira, a princípio e a fim, a coragem e a cobardia, a caruncho de confessionário católico, escuro, frio, intimidatório até ao que de mais interior Gabriel tem, desapercebido de tão interior. Eu não me dou bem com madeiras podres, não servem nem para bater em esconjuro, apenas para portas de subterrâneos de musgos e líquenes da idade do mundo e das suas esquizofrenias. Prefiro duendes, como este que hoje vi murmurando baixinho à janela, falando para si e para mim através dos vidros, as orelhas e o queixo pontiagudos desafiando o trânsito que o oprimia, as rugas de séculos de mundos de sobrenatural. Para mim Jesus Cristo, a ter existido, foi um duende, assim como o Buda, Maomé, Confúcio, todos duendes, mas duendes como os dos livros, verdes, todos verdes, e a leveza, o riso, e surge novamente Gabriel e caio, Gabriel que não é verde nem duende, Gabriel homem, anjo, gato.
Doces, no entanto. As quedas. E narcóticas. Fazem-me querer repeti-las eternamente, num ciclo sem fim, nesse eterno retorno que não existe e que me torna tão leve, tão leve...
terça-feira, maio 04, 2004
Gabriel III
Já contei como encontrei Gabriel. Subia a rua que eu descia, simplesmente, e viu-me por dentro e eu vi-o por dentro e compreendemos os caminhos um do outro. Sabia o meu nome, eu não sabia o seu, mas depressa se lhe colou na minha memória que tão dificilmente guarda nomes como facilmente guarda rostos. E o rosto de Gabriel não é fácil de esquecer, os olhos de gato vadio, de anjo de asas cortadas, os cotos escondidos por sob as costas de um casaco que não me lembro se usava. Ainda não era Primavera, talvez fizesse ainda frio, talvez não. Nos primeiros dias de Março já o Sol por vezes surge e aquece os que à rua se fazem.
Sempre me dei bem com o Sol, com os dias de preguiça que ele exige, contra tudo e contra todos, dias de ronronar sob as oliveiras, dias de fazer nada, por muito que se tenha para fazer. Um nada bem longo e aberto... Naaaaada! Gabriel brinca comigo. Com a forma como os meus olhos se fecham ao sol, com as pequenas rugas que os marcam ainda mais, como quando me rio. Gabriel diz que os meus olhos falam tanto fechados pelo riso ou pela claridade como abertos para a calma ou para a penumbra. Sei que é verdade, Gabriel é assim e eu sou como Gabriel. E os gatos gostam de sol.
Tenho agora Gabriel no colo. E no meu colo ganha definitivamente a realidade da sua existência intermitente, de todos os ausentes o ausente, ainda que presente, sempre. É tão belo e tão livre que custa acreditar que o não seja. Mas sim, Gabriel também tem cartões vários que o categorizam com números diversos, bilhete de identidade, número de identificação fiscal, cartões bancários... carta de condução? Coisas que ditam regras, mas regras que não são as de Gabriel. Que também as tem, muito menos próprias e individuais do que ele gosta de as conceber.
Há dias em que Gabriel me esquece. Eu nunca esqueço Gabriel, embora por vezes gostasse, para aliviar um pouco o peso de viver com os dois dentro de mim, ele e eu, a ordem é absolutamente arbitrária, estas almas não têm grau de importância, são regras que não estão estabelecidas, ainda não pelo menos. Ainda assim tenho alguns momentos de descanso, de maior leveza, pois quando Gabriel me esquece também eu me esqueço de mim e a minha alma fica mais leve, só com o peso do que resta das asas de Gabriel. E quando Gabriel regressa, regressam com ele o peso e a felicidade, os medos e os sonhos, o cansaço e a insónia. E a raiva. A raiva às regras de Gabriel. As regras de Gabriel são cruéis e duras. E que me importam as suas leis? Que me importa o resto? Se o sei meu e me sei sua? Que me importa?
Mas importa. O amor é assim, tanto se procura que se rejeita, tanto nos faz bem que nos faz mal, tanto nos identifica que nos descaracteriza. Todo o amor é exílio e só um tolo se exila voluntariamente. Um tolo ou um viajante. Eu e Gabriel somos viajantes. E tolos também.
Já contei como encontrei Gabriel. Subia a rua que eu descia, simplesmente, e viu-me por dentro e eu vi-o por dentro e compreendemos os caminhos um do outro. Sabia o meu nome, eu não sabia o seu, mas depressa se lhe colou na minha memória que tão dificilmente guarda nomes como facilmente guarda rostos. E o rosto de Gabriel não é fácil de esquecer, os olhos de gato vadio, de anjo de asas cortadas, os cotos escondidos por sob as costas de um casaco que não me lembro se usava. Ainda não era Primavera, talvez fizesse ainda frio, talvez não. Nos primeiros dias de Março já o Sol por vezes surge e aquece os que à rua se fazem.
Sempre me dei bem com o Sol, com os dias de preguiça que ele exige, contra tudo e contra todos, dias de ronronar sob as oliveiras, dias de fazer nada, por muito que se tenha para fazer. Um nada bem longo e aberto... Naaaaada! Gabriel brinca comigo. Com a forma como os meus olhos se fecham ao sol, com as pequenas rugas que os marcam ainda mais, como quando me rio. Gabriel diz que os meus olhos falam tanto fechados pelo riso ou pela claridade como abertos para a calma ou para a penumbra. Sei que é verdade, Gabriel é assim e eu sou como Gabriel. E os gatos gostam de sol.
Tenho agora Gabriel no colo. E no meu colo ganha definitivamente a realidade da sua existência intermitente, de todos os ausentes o ausente, ainda que presente, sempre. É tão belo e tão livre que custa acreditar que o não seja. Mas sim, Gabriel também tem cartões vários que o categorizam com números diversos, bilhete de identidade, número de identificação fiscal, cartões bancários... carta de condução? Coisas que ditam regras, mas regras que não são as de Gabriel. Que também as tem, muito menos próprias e individuais do que ele gosta de as conceber.
Há dias em que Gabriel me esquece. Eu nunca esqueço Gabriel, embora por vezes gostasse, para aliviar um pouco o peso de viver com os dois dentro de mim, ele e eu, a ordem é absolutamente arbitrária, estas almas não têm grau de importância, são regras que não estão estabelecidas, ainda não pelo menos. Ainda assim tenho alguns momentos de descanso, de maior leveza, pois quando Gabriel me esquece também eu me esqueço de mim e a minha alma fica mais leve, só com o peso do que resta das asas de Gabriel. E quando Gabriel regressa, regressam com ele o peso e a felicidade, os medos e os sonhos, o cansaço e a insónia. E a raiva. A raiva às regras de Gabriel. As regras de Gabriel são cruéis e duras. E que me importam as suas leis? Que me importa o resto? Se o sei meu e me sei sua? Que me importa?
Mas importa. O amor é assim, tanto se procura que se rejeita, tanto nos faz bem que nos faz mal, tanto nos identifica que nos descaracteriza. Todo o amor é exílio e só um tolo se exila voluntariamente. Um tolo ou um viajante. Eu e Gabriel somos viajantes. E tolos também.
segunda-feira, maio 03, 2004
Your side was always the loneliest, but I wouldn't want to sit anywhere else.
Bill, Kill Bill vol. 2, Quentin Tarantino.
Bill, Kill Bill vol. 2, Quentin Tarantino.
Gabriel II
Intenções de contar uma história? Sim, talvez. Mas se as almas se confundem tanto, como defini-las e nomeá-las, como honrar a existência real que definitivamente têm e que definitivamente as enclausura, as enquadra? Tirar-lhes a realidade dando-lhes um nome. Não é disso que se trata? Quando baptizo um filho faço-o para lhe dar realidade, existência jurídica, social, o que for, para além daquela que tem na minha alma, no meu coração, no meu corpo ainda e sempre. Quando baptizo uma personagem... Bem, uma personagem baptiza-se para matar, para expulsar das entranhas, para irrealizar na prática o que se realiza todos os dias. Falar de mim sem falar de mim, ser pessoal e ser universal, só megalomanias, caramba, porque não nos contentamos em ser o que somos, ainda que isso seja apenas o bobo eterno que acompanha, e por vezes diverte, a nossa íntima e divina realeza?
Chamo-lhe Gabriel. E pronto. Cai-me aos pés, fulminado pela sua nova identidade, morto, definitivamente morto, porque a partir de agora com vida própria, renascendo nos dedos de alguém que não conhece, que apenas pressente. Pressentirá?
Não é um anjo, Gabriel, nunca tentou sê-lo, mas os destinos de cada um são os destinos de cada um e pouco se pode fazer para contrariá-los quando estão absolutamente de acordo com a própria natureza. Será que acredito nisto? Não. Por vezes sim. O mais do tempo não sei... Não sei. Como qualquer anjo, Gabriel sofre. Não pelos outros, que são muitos e incontroláveis, mas por si próprio. Os outros são imperfeitos, toda a gente sabe. Há que compreender. Há que ajudar a que se guiem a si mesmos. A Gabriel ninguém guia. Ele não deixa. Não é por mal, não se julga superior, é apenas superiormente incapaz de lidar com as próprias imperfeições. E continua rodando na arena até ficar tonto, pára uns momentos, acende um cigarro, bebe um copo e fala de amor, beija alguém, se puder, e volta a rodar, procurando a saída que rejeita quando finalmente surge por parecer demasiado fácil, tão fácil que não pode ser real. Jamais lhe passou pela cabeça utilizar as asas para escapar, já o disse, Gabriel nunca quis ser um anjo e para mais os gatos não têm asas, muito menos os gatos vadios, que têm de ter os pés bem assentes no chão, mesmo quando caem, e não se podem dar a esses luxos.
Gabriel é bonito. Tem as belezas de muitos anos, muitas décadas, confusamente instaladas como numa rocha, as feições duras e marcadas com as marcas das vidas que viveu e das vidas que não viveu, feições sóbrias, de uma sobriedade que Gabriel não tem. Falo dele? Sim. E de mim, que nele me reconheço, reconhecendo-o em mim. Espelhos por detrás de garrafas. Tanto dizem os bares da natureza humana. Gabriel ama-me. E eu amo Gabriel. E quando olho as suas vidas as minhas vejo, não como as desejo, mas como são. E isso agrada-me. Gabriel é tudo o que de mais exterior e visceral existe em mim, exterior como um espelho, interior como o próprio sangue.
Intenções de contar uma história? Sim, talvez. Mas se as almas se confundem tanto, como defini-las e nomeá-las, como honrar a existência real que definitivamente têm e que definitivamente as enclausura, as enquadra? Tirar-lhes a realidade dando-lhes um nome. Não é disso que se trata? Quando baptizo um filho faço-o para lhe dar realidade, existência jurídica, social, o que for, para além daquela que tem na minha alma, no meu coração, no meu corpo ainda e sempre. Quando baptizo uma personagem... Bem, uma personagem baptiza-se para matar, para expulsar das entranhas, para irrealizar na prática o que se realiza todos os dias. Falar de mim sem falar de mim, ser pessoal e ser universal, só megalomanias, caramba, porque não nos contentamos em ser o que somos, ainda que isso seja apenas o bobo eterno que acompanha, e por vezes diverte, a nossa íntima e divina realeza?
Chamo-lhe Gabriel. E pronto. Cai-me aos pés, fulminado pela sua nova identidade, morto, definitivamente morto, porque a partir de agora com vida própria, renascendo nos dedos de alguém que não conhece, que apenas pressente. Pressentirá?
Não é um anjo, Gabriel, nunca tentou sê-lo, mas os destinos de cada um são os destinos de cada um e pouco se pode fazer para contrariá-los quando estão absolutamente de acordo com a própria natureza. Será que acredito nisto? Não. Por vezes sim. O mais do tempo não sei... Não sei. Como qualquer anjo, Gabriel sofre. Não pelos outros, que são muitos e incontroláveis, mas por si próprio. Os outros são imperfeitos, toda a gente sabe. Há que compreender. Há que ajudar a que se guiem a si mesmos. A Gabriel ninguém guia. Ele não deixa. Não é por mal, não se julga superior, é apenas superiormente incapaz de lidar com as próprias imperfeições. E continua rodando na arena até ficar tonto, pára uns momentos, acende um cigarro, bebe um copo e fala de amor, beija alguém, se puder, e volta a rodar, procurando a saída que rejeita quando finalmente surge por parecer demasiado fácil, tão fácil que não pode ser real. Jamais lhe passou pela cabeça utilizar as asas para escapar, já o disse, Gabriel nunca quis ser um anjo e para mais os gatos não têm asas, muito menos os gatos vadios, que têm de ter os pés bem assentes no chão, mesmo quando caem, e não se podem dar a esses luxos.
Gabriel é bonito. Tem as belezas de muitos anos, muitas décadas, confusamente instaladas como numa rocha, as feições duras e marcadas com as marcas das vidas que viveu e das vidas que não viveu, feições sóbrias, de uma sobriedade que Gabriel não tem. Falo dele? Sim. E de mim, que nele me reconheço, reconhecendo-o em mim. Espelhos por detrás de garrafas. Tanto dizem os bares da natureza humana. Gabriel ama-me. E eu amo Gabriel. E quando olho as suas vidas as minhas vejo, não como as desejo, mas como são. E isso agrada-me. Gabriel é tudo o que de mais exterior e visceral existe em mim, exterior como um espelho, interior como o próprio sangue.
domingo, maio 02, 2004
Gabriel I
No fundo, no fundo, é de tudo isto que se fala sempre, não é? Dos intervalos que o não são, dos amores exteriores que afinal nos são tão interiores como as próprias vísceras, o próprio sangue. No fundo, no fundo, tudo o resto comanda, mas nada do resto importa.
Subia a rua. Nada mais. Eu descia-a. É uma lei da Física, para que os corpos se cruzem devem provir de origens diferentes e apontar para destinos diferentes. E as leis da Física são inexoráveis, imbatíveis. Ignoráveis apenas por um fio limitado de tempo.
Torna-se sempre difícil explicar como se sucedem acontecimentos que as coincidências regem e os desencontros juntam. Difícil de explicar até para os próprios elementos do encontro, que se perdem em memórias castradas de momentos que o não chegaram a ser, em sucessões estranhas e obscuras de olhares que de tão desejados perdem as definições e as origens... Aconteceu mesmo? Na realidade, na rua? Em sonhos? Será que importa?
Nada de muito extraordinário, no entanto. Gatos vadios existem nestas ruas às dezenas, não é difícil tropeçar num, às vezes cai-se, às vezes não. Novo aforismo, nova lei? Para quê tanto trabalho? Gosto de felinos. Dos olhos fundos, invasores e ternos. Do corpo ágil, saltando do repouso ao estado de alerta sem que se espere. De não terem medo de cair. E isso é prova de coragem, porque o mito de que os gatos caem sempre de pé não é mais do que isso, um mito, por muito escassa que seja a probabilidade, e voltamos sempre a leis e regras, não nos podemos esquecer de que a queda será muito mais dura para quem a ela nunca se habituou. Mas deixar-se cair quando nada mais há a fazer não é só prova de coragem, é prova de inteligência. Pode também ser uma prova de amor.
Um intervalo, mais um. Porque apetece parar e beber um copo quando se fala de amor, fumar um cigarro, beijar alguém, prazeres mundanos que as regras contrariam e que tanta vez as regras matam, de morte assassinada. Palavra maldita quando cheia dos odores que a definem, quando alagada dos líquidos etílicos que a recomendam e afastam, as leis, sempre as leis, as regras, as instruções, os caminhos, os medos, tantos medos. Talvez chegar-me ao balcão, pedir uma cerveja e uma requisição, olhe, queria um Modelo A24 para requerer o amor ou dispensá-lo definitivamente, obrigada, onde é a tesouraria? Objectos versáteis, os balcões, como as mesas, que são camas, ou não. E por detrás de todas as garrafas, o espelho, para além das costas do barman também o meu rosto reflectido e os dos amigos que me acompanham, o espelho lembra-mo, que eles me acompanham hoje e eu a eles, amanhã talvez já não me lembre se eram eles ou outros, mas hoje são importantes, amanhã que importa?
E aqui estou, aqui me mantenho, petrificada, paralisada, aterrada. Não me mexo, tenho medo de me mexer e destruir algo que não tenho, de perder o que me mantém viva ainda que não seja meu. É um medo que só o amor empresta, medo de se perder o que não se tem. Medo de invadir e vontade ser invadido. Mas só se pode falar de vontade se forem possíveis as opções... Será novamente uma lei? Ou estará sempre presente a vontade, mesmo quando cremos que não, quando gostamos de sentir que algo demasido forte e superior guia os nossos passos e nos empurra para o pólo que nos magnetiza e paralisa, leis da Física ou de outra coisa qualquer? Desculpe, qual era a pergunta, acho que me perdi. Mais um intervalo.
No fundo, no fundo, é de tudo isto que se fala sempre, não é? Dos intervalos que o não são, dos amores exteriores que afinal nos são tão interiores como as próprias vísceras, o próprio sangue. No fundo, no fundo, tudo o resto comanda, mas nada do resto importa.
Subia a rua. Nada mais. Eu descia-a. É uma lei da Física, para que os corpos se cruzem devem provir de origens diferentes e apontar para destinos diferentes. E as leis da Física são inexoráveis, imbatíveis. Ignoráveis apenas por um fio limitado de tempo.
Torna-se sempre difícil explicar como se sucedem acontecimentos que as coincidências regem e os desencontros juntam. Difícil de explicar até para os próprios elementos do encontro, que se perdem em memórias castradas de momentos que o não chegaram a ser, em sucessões estranhas e obscuras de olhares que de tão desejados perdem as definições e as origens... Aconteceu mesmo? Na realidade, na rua? Em sonhos? Será que importa?
Nada de muito extraordinário, no entanto. Gatos vadios existem nestas ruas às dezenas, não é difícil tropeçar num, às vezes cai-se, às vezes não. Novo aforismo, nova lei? Para quê tanto trabalho? Gosto de felinos. Dos olhos fundos, invasores e ternos. Do corpo ágil, saltando do repouso ao estado de alerta sem que se espere. De não terem medo de cair. E isso é prova de coragem, porque o mito de que os gatos caem sempre de pé não é mais do que isso, um mito, por muito escassa que seja a probabilidade, e voltamos sempre a leis e regras, não nos podemos esquecer de que a queda será muito mais dura para quem a ela nunca se habituou. Mas deixar-se cair quando nada mais há a fazer não é só prova de coragem, é prova de inteligência. Pode também ser uma prova de amor.
Um intervalo, mais um. Porque apetece parar e beber um copo quando se fala de amor, fumar um cigarro, beijar alguém, prazeres mundanos que as regras contrariam e que tanta vez as regras matam, de morte assassinada. Palavra maldita quando cheia dos odores que a definem, quando alagada dos líquidos etílicos que a recomendam e afastam, as leis, sempre as leis, as regras, as instruções, os caminhos, os medos, tantos medos. Talvez chegar-me ao balcão, pedir uma cerveja e uma requisição, olhe, queria um Modelo A24 para requerer o amor ou dispensá-lo definitivamente, obrigada, onde é a tesouraria? Objectos versáteis, os balcões, como as mesas, que são camas, ou não. E por detrás de todas as garrafas, o espelho, para além das costas do barman também o meu rosto reflectido e os dos amigos que me acompanham, o espelho lembra-mo, que eles me acompanham hoje e eu a eles, amanhã talvez já não me lembre se eram eles ou outros, mas hoje são importantes, amanhã que importa?
E aqui estou, aqui me mantenho, petrificada, paralisada, aterrada. Não me mexo, tenho medo de me mexer e destruir algo que não tenho, de perder o que me mantém viva ainda que não seja meu. É um medo que só o amor empresta, medo de se perder o que não se tem. Medo de invadir e vontade ser invadido. Mas só se pode falar de vontade se forem possíveis as opções... Será novamente uma lei? Ou estará sempre presente a vontade, mesmo quando cremos que não, quando gostamos de sentir que algo demasido forte e superior guia os nossos passos e nos empurra para o pólo que nos magnetiza e paralisa, leis da Física ou de outra coisa qualquer? Desculpe, qual era a pergunta, acho que me perdi. Mais um intervalo.